Capítulo 19 Abrigo de animais

Lívia Fontes

Estava decidida a resolver a situação com Otávio. A briga que tivemos parecia sem sentido agora, eu havia me dado conta que tinha exagerado com minhas palavras quando ele propôs trabalho para mim. Eu queria fazer algo especial, algo que mostrasse que eu me importava com ele, e foi aí que me veio à mente a ideia de levá-lo ao abrigo de animais. Ele sempre falava de como adorava animais, e achei que isso poderia ser o gesto perfeito.

No caminho até o abrigo, o clima estava carregado de uma tensão silenciosa. Otávio estava quieto, seus olhos presos no caminho à frente, e eu, tentando quebrar o gelo, comecei a falar sobre coisas triviais. Ele respondia com monossílabos, mas pelo menos estava respondendo, o que já era um avanço.

Quando chegamos, desci do carro e fiquei surpresa por ele não fazer o mesmo. Ele ainda estava tão bravo assim comigo? Perguntei-me, indo ao lado da porta do motorista e abrindo ela para ele, que por fim, saiu. O abrigo ficava em uma área mais afastada, cercado de árvores, e o som dos cachorros latindo era audível.

— Vamos, você vai adorar isso. — eu disse, tentando soar animada.

Ele deu um sorriso leve, um tanto forçado, mas me seguiu. Entramos no abrigo, e o cheiro característico de ração e animais tomou conta do ar. As funcionárias nos receberam calorosamente, e uma delas, percebendo que éramos visitantes, começou a nos guiar.

— Aqui estão os cães que foram resgatados recentemente. — ela explicou, enquanto caminhávamos pelo corredor principal.

Enquanto andávamos, senti Otávio ficando cada vez mais tenso ao meu lado. Seu corpo estava rígido, e ele parecia desconfortável, mas eu estava tão focada na ideia de que isso o faria feliz que não prestei a devida atenção.

Chegamos a uma área aberta, onde vários cães estavam em canis, alguns pequenos e outros maiores. Eles abanavam os rabos, latindo de forma amigável, como se implorassem por atenção. Sorri, esperando ver Otávio se derretendo pela cena, mas quando olhei para ele, percebi que algo estava terrivelmente errado.

Ele estava parado, como se estivesse congelado. Seus olhos estavam arregalados, a respiração visivelmente acelerada, e ele dava passos para trás, como se quisesse fugir dali o mais rápido possível.

— Otávio? — Chamei, preocupada, mas ele não respondeu. Em vez disso, deu mais alguns passos para trás até bater na parede.

Fiquei sem reação por um segundo, sem entender o que estava acontecendo. Ele não parecia o mesmo Otávio confiante que eu conhecia. Foi só quando ele começou a falar, com a voz baixa e trêmula, que tudo fez sentido.

— Eu... não... eu não consigo... — ele murmurou, a voz falhando.

Cheguei mais perto, sem saber o que fazer, enquanto ele mantinha os olhos fixos nos cães, como se fossem monstros prestes a atacá-lo.

— Otávio, o que está acontecendo? — Perguntei, desesperada, tentando segurar sua mão, mas ele a puxou de volta, quase instintivamente.

— Eu não posso... eu não posso estar aqui. — ele sussurrou, quase inaudível, e naquele momento, percebi o quanto eu tinha errado.

A realidade me atingiu como um soco no estômago. Otávio estava apavorado, não encantado. Eu tinha achado que isso seria uma boa ideia, que ele adoraria, mas a verdade era completamente oposta. Tudo que eu queria era consertar as coisas entre nós, mas ao invés disso, o coloquei em uma situação aterrorizante.

— Vamos sair daqui, tá bom? — Disse, tentando manter a calma, embora meu coração estivesse disparado.

Ele apenas assentiu, ainda em choque. Agradeci rapidamente à funcionária, que nos olhou confusa, e praticamente arrastei Otávio para fora do abrigo. Uma vez fora do alcance dos latidos e do ambiente que o assustava, ele começou a relaxar, mas ainda parecia abalado.

Sentamos no banco do carro, e ele ficou lá, olhando para o chão, como se estivesse tentando processar tudo. Eu me sentia uma idiota por não ter percebido antes. Como eu poderia saber que ele tinha medo de cachorros? Nós nunca falamos sobre isso, e agora, eu estava aqui, tentando entender como consertar mais esse erro.

— Otávio, eu sinto muito. Eu realmente achei que você ia gostar. — falei, a voz trêmula de culpa.

Ele finalmente levantou os olhos para me encarar, os traços de medo ainda presentes, mas havia também algo mais. Resignação, talvez? Ele suspirou, esfregando as mãos no rosto antes de responder.

— Eu... não gosto de falar sobre isso. Nunca falei pra ninguém, na verdade — ele começou, e eu ouvi atentamente, sem ousar interromper. — Quando eu era pequeno, fui atacado por um cachorro grande. Um pastor alemão. Eu não lembro muito bem do que aconteceu, só sei que me deixaram trancado com ele por acidente, e... foi horrível. Desde então, eu nunca consegui me sentir à vontade perto de cachorros, principalmente os maiores.

As palavras dele me cortaram como uma lâmina. Eu nunca imaginei que ele carregava algo tão traumático. De repente, me senti ainda pior por ter pensado que um passeio ao abrigo seria uma boa ideia.

— Otávio, eu não sabia... Eu nunca quis te deixar desconfortável assim. — falei, minha voz se quebrando ao final.

Ele balançou a cabeça, tentando me tranquilizar, embora eu visse que ainda estava lutando contra os próprios demônios.

— Não tinha como você saber. Eu nunca falei disso antes, nem pra minha família. Eu... sempre tento evitar situações assim, mas quando você sugeriu o abrigo, eu achei que talvez fosse uma chance de superar esse medo. Acho que subestimei o quão forte ele ainda é.

Fiquei em silêncio por alguns instantes, refletindo sobre o quanto eu ainda desconhecia do homem ao meu lado. Ele sempre parecia tão seguro de si, tão inabalável, e agora estava me mostrando um lado completamente diferente. Um lado que eu deveria ter conhecido há muito tempo, se tivesse prestado mais atenção.

— A gente pode ir embora, se você quiser. Não precisa forçar nada — sugeri, querendo que ele soubesse que eu não esperava que ele enfrentasse esse medo por mim.

Otávio olhou para mim, com um semblante misto de gratidão e tristeza.

— Eu aprecio isso, Lívia, mas acho que preciso encarar isso algum dia. Só não sei se hoje é o dia certo. — ele disse, com um sorriso triste.

Concordei com a cabeça, respeitando a decisão dele. Talvez, com o tempo, ele pudesse se sentir mais confortável, mas não era algo que se resolvesse em um dia. Ele tinha que fazer isso no próprio ritmo.

— Estou aqui, sempre que você precisar. — murmurei, alcançando sua mão, desta vez ele não a afastou.

— Obrigado, Lívia. Eu sei disso. — ele respondeu, finalmente se permitindo relaxar um pouco.

Saímos do abrigo em silêncio, o peso do momento ainda pairando sobre nós. Eu estava determinada a apoiar Otávio em tudo, mesmo que isso significasse dar um passo para trás e respeitar os limites dele. Talvez essa fosse a verdadeira forma de mostrar que me importava: estar ao lado dele, não importa o quão difícil fosse, sem forçá-lo a nada, apenas oferecendo o apoio e o tempo que ele precisasse.

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