Capítulo 14 Conversa seria
Otávio Guimarães
Após o passeio no shopping, algo em Lívia mudou. Ela sempre foi teimosa e difícil de lidar, mas desde aquele dia, o clima entre nós ficou ainda mais pesado. As respostas dela ficaram mais secas, a indiferença mais evidente. Fiquei tentando entender o que havia acontecido. Será que foi a presença da Luísa que a incomodou tanto? Aquela cena no shopping... Nunca imaginei que algo assim pudesse afetar Lívia.
Decidi que precisava esclarecer as coisas. Não era possível que ela estivesse assim sem motivo algum. Então, naquela noite, quando ela estava na sala, sentada no sofá, com a TV ligada em um volume baixo, resolvi que era o momento certo para conversar.
— Lívia, preciso falar com você. — comecei, mantendo a voz calma, mas com firmeza.
Ela olhou para mim de relance, com uma expressão neutra. Esse olhar dela estava me matando por dentro. Sempre gostei de saber o que as pessoas pensam, mas com Lívia... tudo era um mistério.
— O que foi agora? — Ela perguntou sem tirar os olhos da TV, como se eu fosse apenas um incômodo passageiro.
A frieza dela me pegou de surpresa. Respirei fundo, tentando manter a compostura.
— Você tem estado diferente desde o nosso passeio no shopping. Quero entender o que aconteceu. — falei, me sentando no sofá ao lado dela. Queria que ela soubesse que eu estava realmente interessado no que estava acontecendo.
Ela desligou finalmente a TV e virou o rosto em minha direção. Os olhos dela estavam carregados de algo que eu não conseguia decifrar, mas que era, sem dúvida, hostil.
— Você realmente quer entender, Otávio? Porque, sinceramente, acho que você não percebeu nada até agora. — a voz dela tinha um tom amargo que eu não havia ouvido antes.
Isso me atingiu como um soco. Eu não sou bom com sentimentos, nunca fui. Mas estava tentando... pelo menos, tentando ser uma pessoa melhor para ela.
— Se eu não percebi, me diga. Não gosto de adivinhar o que está errado. Prefiro que você me fale abertamente. — retruquei, começando a perder a paciência.
Ela se levantou abruptamente, cruzando os braços. Caminhou até a janela, olhando para fora como se o mundo lá fora fosse mais interessante do que a nossa conversa. Eu a segui com os olhos, sentindo que algo grande estava por vir.
— Você realmente quer saber o que está me incomodando, Otávio? — Ela perguntou novamente, e dessa vez, seu tom era mais frio, quase cortante.
— Quero. Fale de uma vez, Lívia. — respondi, sentindo a tensão crescer dentro de mim.
Ela se virou para mim, o rosto sério, os olhos brilhando com uma emoção que eu não conseguia decifrar.
— Eu não sou sua amiga, Otávio, como você disse que eu era pra sua ex. Não sou nada além de uma hóspede temporária na sua casa. É isso que eu sou, e é isso que sempre fui. Você pode fingir o quanto quiser que estamos nos dando bem, mas a verdade é que eu só estou aqui porque não tenho para onde ir no momento. — disse ela, as palavras saindo rápidas, como se quisesse se livrar delas.
Aquilo me pegou de surpresa. Eu esperava uma discussão, uma briga talvez, mas não esperava isso. Não sabia que ela se sentia assim, como se estivesse apenas de passagem, como se não tivéssemos construído nada além de uma obrigação mútua.
— Lívia, isso não é verdade. Eu te trouxe para minha casa porque me importo com você, porque quero que você fique bem... — tentei argumentar, mas ela me cortou.
— Importa? — Ela riu, mas não era uma risada feliz. Era uma risada amarga, quase cínica. — Otávio, você pode se importar com muitas coisas, mas não finja que somos amigos. Não finja que há algo mais do que apenas conveniência aqui.
Cada palavra dela era como uma faca. Nunca tinha pensado que ela via a situação dessa forma, tão superficial. Para mim, havia mais. Sim, comecei a cuidar dela por culpa, mas com o tempo... Passei a gostar da companhia dela, a me importar de verdade.
— Não vejo as coisas dessa forma, Lívia. Para mim, há mais aqui... — Tentei explicar, mas a expressão dela não mudou.
— Então você está enganado, Otávio. Porque, para mim, não há nada além de uma dívida que você acha que precisa pagar. E eu não quero essa dívida. Não quero nada disso. Quero apenas seguir com a minha vida, encontrar um jeito de sair dessa situação e viver do meu jeito. — ela respondeu, sem hesitar, os olhos fixos nos meus, sem desviar o olhar.
Me senti sem chão. Sempre achei que estava fazendo a coisa certa, mas agora tudo parecia desmoronar. Como eu não percebi que ela se sentia assim? Por que não notei o quanto isso a estava sufocando?
— Se é assim que você se sente, o que quer que eu faça? — perguntei, tentando entender como consertar o que claramente havia quebrado entre nós.
Ela suspirou, como se estivesse aliviada por finalmente colocar tudo para fora.
— Quero que você pare de tentar me agradar, de tentar fazer as coisas parecerem melhores do que são. Não sou sua responsabilidade, Otávio. E não quero ser. — as palavras dela eram diretas, sem espaço para interpretação.
Eu sabia que ela era determinada, mas não esperava que fosse tão firme assim. A frustração misturada com algo que eu não sabia descrever me fez levantar do sofá, andando de um lado para o outro, tentando processar tudo que ela havia dito.
— Não quero que você se sinta assim, Lívia. Não era minha intenção. Estou tentando, apenas... — Eu parei, percebendo que nada do que eu dissesse iria mudar o que ela estava sentindo.
Ela apenas me observou, o rosto agora mais calmo, mas ainda distante. O silêncio entre nós era pesado, e eu sabia que, naquele momento, havia pouco que eu pudesse fazer para mudar as coisas.
— Talvez o problema seja esse, Otávio. Você está tentando demais. E eu não quero isso. Só quero... paz. — as últimas palavras dela foram quase um sussurro, mas tiveram um peso enorme.
Eu a observei por alguns instantes, percebendo que, por mais que eu quisesse, talvez nunca conseguiria entender completamente o que ela estava passando. E isso me matava por dentro. Porque, no fundo, eu sabia que estava me apaixonando por ela, e que essa distância só tornava tudo mais difícil.
Mas ali, naquela sala, percebi que precisaria dar um passo para trás. Deixar ela respirar, se encontrar, e talvez, quem sabe, no futuro... as coisas pudessem ser diferentes. Mas, por agora, só restava respeitar o que ela estava pedindo.
— Se é isso que você quer, eu vou respeitar, Lívia. Mas saiba que, se precisar de mim, estou aqui. — disse, com um tom mais suave, tentando mostrar que, apesar de tudo, ainda me importava.
Ela apenas assentiu, sem dizer mais nada. E, naquele silêncio, percebi que havia perdido uma batalha que nem sabia que estava lutando.
Afastei-me devagar, saindo da sala, sentindo o peso de tudo que havia sido dito. O choque ainda estava lá, mas com ele veio a aceitação. Eu precisava dar a ela o espaço que estava pedindo, mesmo que isso me matasse por dentro.
Fechei a porta do quarto, me sentindo mais sozinho do que nunca.
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