Capítulo 1 Acidente e desespero

Otávio Guimarães 

A reunião no escritório tinha sido um inferno. Erros, prazos perdidos, e uma pressão imensa. Saí do prédio sentindo uma dor de cabeça pulsante, desejando apenas chegar em casa, tomar um banho quente e esquecer tudo. Entrei no carro, apertei o cinto de segurança e dei partida.

Dirigir pelas ruas movimentadas de Fortaleza sempre me dava um pouco de paz, mesmo que o trânsito fosse um caos. Naquela tarde, contudo, eu estava particularmente distraído, ainda remoendo a reunião desastrosa. O som dos carros e das buzinas era abafado pela música que tocava no rádio, mas minha mente estava em outro lugar.

De repente, vi uma sombra se movendo rápido na minha frente. Foi tudo muito rápido. Um grito, o som do impacto, e eu pisei no freio com toda a força. O carro parou bruscamente, e o silêncio que se seguiu foi assustador. Olhei para frente, o coração acelerado. Ali, caída no asfalto, estava uma mulher.

— Meu Deus! — sussurrei, saindo do carro às pressas.

Me ajoelhei ao lado dela, meu corpo inteiro tremendo. Ela estava imóvel, sangue escorrendo de uma ferida na cabeça. Puxei o celular do bolso e liguei para a emergência, minha voz falhando.

— Preciso de uma ambulância! — gritei no telefone. — A mulher... Eu a atropelei! Ela está inconsciente!

Os minutos que se seguiram foram um borrão. A sirene da ambulância ecoava na minha cabeça como um pesadelo interminável. Os paramédicos chegaram rapidamente, colocando-a em uma maca e a levando para a ambulância. Segui o veículo até o hospital, o medo e a culpa se misturando em meu peito.

No hospital, os médicos a levaram imediatamente para a sala de emergência. Eu estava sentado na sala de espera, minhas mãos trêmulas segurando a cabeça. O tempo parecia se arrastar. Finalmente, um médico se aproximou de mim, com uma expressão grave.

— Ela está em coma. — disse ele. — A situação é crítica, mas há esperança. Com paciência, ela pode acordar.

Senti um misto de alívio e desespero. Por um lado, ela estava viva. Por outro, a culpa me corroía por dentro. E o medo do que poderia acontecer legalmente não me deixava em paz.

— Foi culpa dela. — balbuciei, mais para mim mesmo do que para o médico. — Ela apareceu do nada... Eu não tive tempo de reagir.

O médico me lançou um olhar severo.

— Independentemente de quem foi o culpado, agora precisamos focar na recuperação dela. — disse ele, antes de se afastar.

Fiquei ali, sozinho com meus pensamentos. A imagem dela caindo no asfalto não saía da minha cabeça. Lembrei-me da expressão de pânico em seu rosto no último segundo antes do impacto.

Depois de algumas horas, um policial apareceu para falar comigo. Ele era um homem de meia-idade, com um olhar cansado, mas firme.

— Senhor Guimarães, precisamos do seu depoimento. — disse ele. — Pode me contar o que aconteceu?

Respirei fundo, tentando manter a calma.

— Eu estava voltando do trabalho, distraído com uma reunião difícil. — comecei. — Ela apareceu do nada, atravessando a rua principal. Tentei frear, mas não deu tempo.

O policial anotava tudo em um bloco de notas, seu rosto impassível.

— E o sinal de pedestres? Estava verde para ela? — perguntou ele, levantando os olhos para me encarar.

Engoli em seco. Não lembrava. Tudo tinha acontecido tão rápido.

— Eu... não sei. Estava distraído.

Ele assentiu, fechando o bloco de notas.

— Vamos investigar mais a fundo, senhor Guimarães. Por enquanto, sugiro que procure um advogado.

A ideia de um processo se desenrolando diante de mim era aterrorizante. Não era apenas o risco financeiro. Era a imagem da minha empresa, a repercussão na mídia. E, acima de tudo, a culpa de ter machucado alguém tão gravemente.

Passei a noite no hospital, aguardando notícias. A cada passo de um médico ou enfermeira pelo corredor, meu coração disparava. Finalmente, pela manhã, um médico veio falar comigo novamente.

— Ela está estável, mas ainda em coma. — disse ele. — Não podemos prever quando, ou se, ela vai acordar. É uma questão de tempo e esperança.

Agradeci com um aceno de cabeça, sentindo uma onda de cansaço me dominar. Não tinha dormido, e meu corpo sentia cada minuto de tensão.

Enquanto eu caminhava para fora do hospital, uma nova preocupação se formava em minha mente. Precisava descobrir mais sobre essa mulher. Quem era ela? Tinha família? Alguém que eu precisasse avisar?

Voltei para casa, mas não conseguia descansar. Sentei-me à mesa da cozinha, meu café intocado diante de mim, e liguei para meu assistente.

— Preciso que descubra tudo o que puder sobre a mulher que atropelei ontem. — disse, tentando manter a voz firme. — Preciso saber quem ela é, onde mora, se tem família...

Enquanto aguardava as informações, os pensamentos não me deixavam em paz. A imagem dela caindo, a expressão de dor, o sangue no asfalto. E a minha culpa. Mesmo que, racionalmente, eu soubesse que não tinha feito de propósito, a sensação de responsabilidade era esmagadora.

Quando meu assistente finalmente ligou de volta, estava com uma pilha de nervos.

— Ela se chama Lívia Fontes. — disse ele. — Veio de uma cidade pequena no interior para trabalhar na capital. Não temos muita informação sobre a família dela ainda, mas estou investigando.

Lívia. O nome ecoou na minha mente. A jovem com sonhos de uma nova vida na cidade grande, agora presa em um leito de hospital por minha causa. A culpa apertava meu peito como uma garra.

Decidi voltar ao hospital. Precisava vê-la, mesmo que apenas de longe. Quando cheguei, fui até a enfermaria onde ela estava. Através do vidro, pude vê-la deitada, ligada a máquinas que monitoravam seus sinais vitais. Parecia tão frágil.

— Vou fazer o que for preciso para ajudar. — murmurei para mim mesmo. — Mesmo que ela nunca saiba, vou garantir que tenha o melhor tratamento.

A ideia de um processo ainda me assombrava, mas naquele momento, a preocupação com a recuperação dela era maior. Entrei em contato com meu advogado, explicando a situação. Precisava estar preparado para o pior, mas não podia deixar de lado a responsabilidade que sentia.

Nos dias que se seguiram, minha rotina mudou completamente. Dividia meu tempo entre o trabalho e visitas ao hospital, esperando por algum sinal de melhora. A cada dia que passava, a imagem de Lívia se tornava mais presente em minha mente, e a culpa, embora constante, começava a se misturar com uma determinação silenciosa.

— Vou fazer tudo certo dessa vez. — prometi, olhando para ela através do vidro. — Vou me redimir, de uma forma ou de outra.

E assim, minha vida tomou um rumo inesperado, marcado por um acidente que mudou tudo, trazendo à tona não só minha responsabilidade, mas também a necessidade de corrigir meus erros e fazer a diferença na vida de alguém que nem conhecia.

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