capítulo 9 - Miller
Minha cabeça está latejando, minhas pernas e braços doem, minhas costas doem, até minha bunda está doendo. Abro os olhos, um sol bate na minha cara, o que só faz com que tudo piore. Conforme meus olhos se acostumam com a claridade, cinco figuras vão aparecendo na minha frente.
As lembranças da noite passada vão voltando à minha mente:
Era hora do almoço quando voltei para o castelo, eu vinha de um lado do corredor e Keyse vinha do outro, nós paramos em frente a porta da sala de jantar.
- E aí? - Perguntou ela
- O que? - Me fiz de desentendido
- O que você achou do James?
- Ah isso. Então, não vou falar que gostei, afinal eu nunca vou gostar de um namoradinho seu - falo brincando.
Keyse me dá uma cotovelada nas costelas
- Mas, ele é bom
Minha irmã suspira aliviada
- Miller, sua opinião é muito importante para mim - Diz ela.
Passo meu braço pelo seu ombro e a abraço, ela deita a cabeça no meu peito.Ficamos assim por alguns minutos, até a voz do meu tio nos interromper.
- Eu não vou mais tolerar os atrasos desse garoto! - Grita meu tio de dentro da copa
- Calma, Lachlan, ele é só um garoto- A voz de minha mãe é calma como sempre
- Você mima esse garoto de mais! Ele já tem dezenove anos, deveria ser mais responsável. Ele não é um garoto,já é um homem, um homem bem mimado - Responde meu tio
Sem pensar duas vezes, escancaro a porta.
- Onde estava? - Pergunta o rei, a voz ainda elevada. Meu tio não precisou citar nomes para que todos soubessem que a pergunta era para mim, afinal ele me olhava como se pudesse me estraçalhar apenas com os olhos
- Estávamos conversando - interfere minha irmã
- Quieta! - Grita meu tio se colocando de pé - A pergunta não foi para você
Keyse abaixa a cabeça e dá alguns passos para trás, ficando atrás de mim.
- Lachlan... - minha mãe se levanta também
- Calada! - Grita o monstro.Minha mãe baixa a cabeça constrangida - Me responda! Ou você precisa que a mamãezinha e a irmãzinha sejam suas porta voz?
Cerro os punhos, o sangue já subindo, me sinto como uma bomba prestes a estourar. Quem aquele cara pensa que era para falar com minha mãe e com minha irmã daquele jeito?
- Eu estava ocupado - É só o que respondo
- Com o que um imprestável como você estaria ocupado?
Ele deu dois passos na direção de Keyse, automaticamente a puxei para trás e me posicionei em sua frente.
- Eu estava treinando - Digo, mas eu sabia que aquilo não era o suficiente para compensar meu atraso de cinco minutos - Afinal preciso estar em forma para o dia do baile. Como o senhor sempre me lembra, sou um imprestável, então preciso ser bonito para conquistar uma mulher - Completo sem tirar os olhos dos dele
- Bom, pelo menos nisso você está certo
Acho que o convenci, pois ele se sentou novamente e estendeu um guardanapo em cima do colo, pronto para comer. Minha mãe, minha irmã e eu nos sentamos também.
Depois do almoço, meu tio me chama para ir em seu escritório, não sei qual o assunto e nem tenho curiosidade para saber. Demoro um pouco para chegar, caminho devagar sem pressa nenhuma, só tento não chegar atrasado novamente.
Bom, depois disso é a mesma coisa de sempre, ele grita comigo e me bate.Mas isso não foi o pior, o pior foi quando cheguei no meu quarto e encontrei minha irmã chorando com as mãos cheias de corte.
Senti vontade de voltar naquela sala e atacá-lo de surpresa, sei muito bem que eu conseguiria, só não seria capaz de matá-lo, então no dia seguinte iria ser três vezes pior.
Abracei minha irmã e cuidei de suas mãos, ela tentou cuidar das minhas costas mas eu não deixei. Depois de muito chorar ela finalmente pegou no sono - na minha cama -, deveria ser umas nove horas da noite. Eu precisava esfriar a cabeça, então troquei de roupa e sai às escondidas, como sempre fazia às terças.
O que aconteceu depois disso é um verdadeiro borrão, até agora.
- Olha só quem acordou - Diz um garoto de cabelos pretos e olhos castanhos escuros, ele me é familiar. Seu traje era uma calça preta com uma corrente pendurada, uma bota gasta e uma camiseta cinza.
- Como foi a festa, vossa idiotice real ? - Disse uma mulher que eu reconhecia muito bem.
Era impossível esquecer aquela voz de anjo - e esse apelido também -. Ela estava com uma roupa muito parecida da do ataque, uma calça preta justa, botas até o joelho, uma camiseta preta, uma jaqueta jeans clara e um chapéu de capitão que a deixava parecendo uma pirata.
Olhei para as outras três pessoas ali, uma menina ruiva e baixinha, uma outra alta e de pele morena e o...
- Chal? - É a primeira coisa que pergunto
- Olha, parece que ele já se recuperou da bebedeira - Disse a rebelde com voz de anjo
- Oi garoto - Respondeu Chal, ele estava diferente, com roupas esfarrapadas e algo em seu olhar também mudou
- O que você faz aqui? - Tentei me levantar, só então percebi que minhas mãos e minhas pernas estavam amarradas- E por quê eu estou amarrado?
- Chega de fazer tantas perguntas - Diz a piratinha
- Você é a líder, não é? - Pergunto
- Que bom que você já sabe quem manda aqui - Responde ela
- O que vocês querem? - Comecei a torcer as mãos, tentando me livrar das cordas
- Bom, nós iremos te usar como moeda de
troca - Respondeu o garoto com a corrente na calça, seu sorriso era travesso. Me lembrei de onde o conhecia, ele é o mesmo garoto que eu bati no ataque, seu olho ainda está roxo e o corte em sua boca ainda é visível.
- Podem esquecer. Se depender do meu tio ele paga para que vocês facilitasse o trabalho dele e me matassem - Digo
- Como assim seu tio pagaria para a gente te matar ? - Perguntou a baixinha um pouco incrédula
- Não vou contar para os rebeldes o que se passa dentro do castelo - Respondo meio emburrado
Um silêncio se instala, reparo que todos estão olhando para a Piratinha, e ela por sua vez está olhando para mim, mas é como se ela não me visse.
- Por que eu seria uma moeda de troca? Vocês querem dinheiro? Se esse é o problema, por quê vocês não roubaram nada do palácio ? - Despejo todas as minhas perguntas de uma só vez
- Você faz muitas perguntas - Reclama a
Piratinha puxando uma cadeira para se sentar - Não queremos dinheiro, nem te usar como moeda de troca - explica ela lançando um olhar de reprovação para o da corrente - nós só queremos desestruturar a família real.
- Vamos te mandar de volta depois de conseguirmos o que queremos - Complementa a baixinha
- Então vocês já eram em uma coisa - Digo, todos me encaravam com curiosidade - Sei o rosto de vocês, posso muito bem descrevê-los aos guardas
- Nós não éramos nessa parte,temos uma
solução para isso - Disse o da corrente lançando um olhar para Chal
- Afinal, por que estamos dando satisfação para ele? - A Piratinha parecia pensar em voz alta- Vamos, tenho mais o que fazer. Chal, você fica com ele, hora que der seu horário a... ruiva estará aqui para te substituir - Ordenou ela saindo da sala ou seja lá onde estamos.
Em menos de dois segundos só tinha sobrado Chal e eu. Não estou afim de falar com ele, ele me traiu, se aliou às pessoas que invadiam minha casa e ajudou a me sequestrar!
Comecei a reparar onde estávamos. Uma espécie de quarto com apenas uma porta, as paredes são de um cinza meio esverdeado, o teto é baixo fazendo com que seja um pouco quente, no lugar tem apenas uma cadeira.
- Eu tive meus motivos - Diz ele depois de alguns minutos
- Então me explica, quais foram seus motivos para se aliar com quem invadiu o castelo e ainda por cima os ajudar a me sequestrar? Quais são seus belos motivos para trair a coroa? - Perguntei bravo
- Eles só querem uma vida digna: o que comer, o que beber, água, luz...
- Então eles deveriam deixar de serem preguiçosos e irem trabalhar!
- Eles não são preguiçosos! Eles trabalham, trabalham muito, mas não ganham nada por isso
- Ata, como se trabalho escravo ainda existisse
- E existe! Você realmente pensou que um garoto de dez anos se voluntariou para ir para o exército? Nós não ganhamos nada ao não ser um teto para dormir, comida e roupa lavada. Mas e nossas famílias, daquelas quais fomos arrancados aos dez anos?
"E nas minas de carvão, só meninas e mulheres trabalham lá, elas ganham dois reais por hora, algumas trabalham vinte e duas horas por dia para tentar comprar pelo menos a comida para dentro de casa. Esses quarenta e quatro reais que elas ganharam, metade é para ir e voltar da cidade vizinha, pois os caminhões de comida só chegam até Andritoy. Você sabia disso?"
Demorou algum tempo para eu processar tudo o que ele tinha falado. Como assim as crianças eram arrancadas de seus pais aos dez anos para ir para a guerra? Por que ninguém me contou que as mulheres trabalhavam na mina e ganhavam tão pouco? Por que eu não sabia de nada disso? O que mais eu não sei sobre a vida do meu povo?
Chacoalhei a cabeça de um lado para o outro, em resposta a pergunta de Chal
- Então não os julgue - Essa foi a última palavra de Chal, parece que eu realmente toquei na ferida que dói.
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