Corro pelo corredor do palácio, ainda estou de camisola, são provavelmente umas três da manhã. Subo os degraus de três em três, sinto o ferimento na lateral do meu corpo queimar.

Quando finalmente chego, não ligo para mais nada, simplesmente escancaro a porta do quarto do rei. Ele me encara, seu sorriso vai de orelha a orelha e posso até dizer que seus olhos brilham, corro até seu leito e o abraço

- Aí - Resmunga ele quando encosto sem
querer em suas costas, o solto na mesma hora

- Desculpa, desculpa , desculpa...

- Ei, ei. Está tudo bem

Miller segura meu rosto em suas mãos que agora são calejadas, ele passa o dedão na minha bochecha enxugando minhas lágrimas que nem percebi que tinham começado a cair, e então ele me beija, um beijo doce e leve, repleto de alívio e saudade. Ele se afasta, encostando nossas testas.

- Eu senti sua falta - Digo

- Eu também, meu amor. Eu também

Miller estava sentado na cama, então subo nela e me deito em seu peito, seu braço nas minhas costas.

- Quanto tempo eu dormi ?

Miller faz carinho na minha cabeça me fazendo perder completamente a linha de raciocínio.

- Sete dias ... - Respondo meio em dúvida

Miller apagou na sala do trono, os médicos reais cuidaram dele porém suas feridas infeccionaram e ele teve febre muito alta, foram dias muito intensos.

- Suas costas ainda doem muito?

- Um pouco. E os seus ferimentos - Ele toma meu queixo em sua outra mão e ergue minha cabeça para examinar, ainda tenho muitos hematomas e alguns cortes

- Estou bem - Informo

- O que eu perdi ?

- Nada muito interessante

Isso é pura mentira, tem muita coisa acontecendo, por exemplo o seu povo lá fora está meio revoltado, querendo saber do seu rei, e o castelo está protegido apenas com os soldados que restaram e faziam parte da rebelião. Seu tio quase escapou com a ajuda de um soldado leal a ele - foi aí que decidimos mandar para casa todos aqueles que não fossem da causa -. Mas isso não é assunto para agora

- Como está minha mãe? Keyse? - O tom de voz de Miller muda para preocupação

- Estão todos tentando superar o ocorrido, mas estão bem

- Isso é um alívio
Entre mortos e feridos, salvaram-se todos - Digo por fim, me lembrando de Robert

Meu melhor amigo, morreu nessa guerra, ele morreu para essa guerra. Ele me traiu pela família e morreu pela mesma. E apesar de tudo, ele me amava e eu o amava.

- Sinto muito - Diz Miller

Não o respondo, porque não sei o que dizer.

★★ Miller ★★

Em frente ao espelho, finalizo o nó da minha gravata e me coloco a caminho da sala do trono. Hoje faremos uma gravação para dar algumas notícias à população.

Sai da cama há dois dias por teimosia, mamãe e Rachel quase me amarraram na cama, porém eu precisava cuidar das minhas coisas, cuidar do meu reino.

Nesses dois dias me reuni com os regentes, fizemos algumas mudanças nas leis, contratei mais soldados e arrumei algumas papeladas.

Passo em frente a cozinha, sinto o cheirinho da janta a ser preparada.

- Boa tarde, dona Marta - Digo entrando na cozinha

- Vossa majestade - Cumprimenta ela fazendo uma breve referência

- O que vai ser para o jantar? - Pergunto me escorando no batente da porta

- Strogonoff de frango - Responde a baixinha sorrindo - Como o senhor me pediu

- Rachel vai amar - Digo empolgado

- Sim - Vejo os olhos da senhora se encherem de lágrimas

- O que foi dona Marta ? - Pergunto indo até ela

- Minhas crianças cresceram - Diz fungando

- Aaah , dona Marta - A puxo para um abraço - Agora preciso ir - Termino soltando-a, Marta sorri enxugando as lágrimas em seu avental, sigo meu caminho.

★★★★★★

- Onde estava ? - Pergunta Rachel quando entro na sala do trono, ela está vestindo um vestido preto com detalhes dourados, da cor da realeza

- Acabei me distraindo no caminho, minha piratinha

Rachel caminha rapidamente até mim e deposita um beijo em minha boca antes de começar a ajeitar minha gravata

- Podemos começar ? - Pergunta o cameraman

- Sim - Respondo

Vou até o trono, me sento ali com a coroa na cabeça, ao meu lado esquerdo está mamãe e do lado direito está Rachel e Kayse

- Ao vivo - Diz o cameraman

- Boa tarde povo de Panteliph, espero que todos estejam bem. Hoje venho lhes informar sobre as mudanças nas nossas leis...

Continuei o discurso, falei sobre como funcionaria o recrutamento dos soldados, de agora em diante só serão recrutados os maiores de dezoito anos. Os informei que estou tentando um tratado de paz com o reino contra a qual guerreamos a anos.

Minha segunda mudança foi no salário da população que trabalha para o reino, como as minas de carvão. A terceira está em andamento, estou tentando fazer um acordo com as distribuidoras de alimentos para aumentarem suas rotas. Estou começando a organizar também, com a ajuda de Rachel, uma ong para auxiliar aqueles mais pobres.

Finalizo o discurso agradecendo ao povo por tudo que já fizeram por esse reino.

A câmera finalmente desliga e eu relaxo no trono, Rachel se aproxima mais colocando a mão em meu peito e acariciando, seguro sua mão.

- Você foi perfeito, querido - Diz mamãe me dando um sorriso que a muito tempo eu não via

Mamãe anda mais sorridente, mais leve, mais feliz, desde que meu tio saiu de nossas vidas.

Me levanto, acompanho as três mulheres da minha vida para fora da sala, mamãe e Keyse vão na frente e eu e Rachel vamos atrás, seu braço na parte de dentro do meu cotovelo

- Hoje a noite - Começo a dizer, ela me escara com atenção - Se arrume, fique mais linda do que já é. Vamos jantar, só nós dois.

Minha piratinha sorri, isso me deixa louco, tenho vontade de ajoelhar agora mesmo.

- Tá bom, vossa idiotice real. Estarei pronta

- Combinado então

Dou um beijo rápido em seus lábios e me separo delas, indo para as masmorras.

★★★★★★

As masmorras ficam numa torre no canto direito do castelo, para chegar temos que subir vários degraus, o que me faz chegar no topo ofegante, ainda não me recuperei de tudo.

A cela que eu busco está lá no fundo, temos uma fileira de guardas guardando o caminho até lá. Paro na frente de um deles.

- Boa tarde soldado ... ?

- Roger - Responde o mesmo fazendo uma referência

- Boa tarde, soldado Roger. Você poderia me emprestar sua espada por um instante ? - Pergunto apontando para a arma embainhada em sua cintura

- Claro, majestade

O soldado desembainha a espada e a entrega para mim

- Muito obrigado

Sigo o caminho até a cela, quando paro em frente a pessoa lá dentro me encara com ódio, o soldado mais perto destranca o cadeado e eu adentro o lugar.

- Achei que iria me deixar aqui para morrer aos poucos - Diz uma voz nas sombras

- E perder a oportunidade de fazer isso com minhas próprias mãos ?

Lachlan se levanta com dificuldade e se aproxima até onde suas correntes permitem, quando sai da escuridão consigo ver seu rosto por completo e sinto ódio dele.

- Como anda aquela rebeldezinha pela qual você se apaixonou - Pergunta ele um tom desafiador, tranco a mandíbula e reprimo a vontade de soca-lo

- A rainha vai muito bem, obrigado por
perguntar - Respondo, ele desata a rir como um psicopata

- Rainha ? Aquela mulher? Só pode ser piada - Olho para ele curioso - Uma rainha deve ser quieta, obediente, aquela ali se você sair da linha cinco centímetros arma uma revolta contra você

- Toda rainha é assim - Retruco

- Sua mãe não era

- Primeiro, tire o nome da minha mãe dessa sua boca imunda. Segundo, minha mãe é exatamente assim. - Meu tio me encara atento - Vou te contar uma história. No dia do baile, eu mandei Keyse para junto dos rebeldes e enquanto eu estava aqui sendo torturado por você, mamãe pagou detetives de sua confiança que acharam o paradeiro de minha irmã.

"Com isso, minha mãe se aliou aos rebeldes para te destronar, eles armaram um plano que desta vez você não ficou sabendo, bom, o resto você já sabe."

Meu tio ficou em silêncio

- Ah, me lembrei de outra coisa. Mamãe
também nos contou que nunca se deitou com você e que por isso, Keyse é filha de meu pai. Isso fez com que dentro dela crescesse um ódio tão grande por você, ela finalmente estava livre a culpa de te odiar

- Olha só, você descobriu tudo - Deboche meu tio, não ligo, não mais

Puxo o relógio de bolso para checar as horas

- Bom, vamos acabar com isso logo. Tenho mais o que fazer - Digo descontraído

- Precisa ir se deitar com aquela rebelde imunda ?

Em três passos estou colado nele, enfio minha espada em sua barriga

- Isso foi por tudo que você fez comigo - Digo puxando a espada e a enfiando de novo - Por tudo que fez a minha irmã - e faço a mesma coisa - pelo que fez a minha mãe - repito o movimento, seus olhos me olham mas já não me enxergam - Por ter encostado um dedo na minha mulher, prometi que isso teria volta e estou cumprindo. Espero que não se arrependa das suas últimas palavras.

E então me afasto, o antigo rei cai no chão. Morto.

★★★★★★

- Oi, tudo bem aí? - Pergunto ao vento- Espero que sim

Me agacho e coloco as flores sobre o túmulo

- Então, sei que é estranho eu vir aqui do nada, mas eu queria te pedir uma coisa

Passo a mão na lápide para tirar a sujeira, havia chovido bastante nos últimos dias. As palavras entalhadas ficaram mais visíveis.

Robert Bentik
Um ótimo amigo, namorado e pai
Sentiremos sua falta eternamente

Haviam muitas flores murchas ali, fiquei sabendo que Alice trás uma por dia desde o enterro - que não fora a mais de uma semana -.

- Eu queria te pedir a mão de Rachel, quero sua benção para me casar com ela ...

Fico em silêncio esperando a resposta que obviamente não vem

- Eu prometo cuidar dela, de Alice e do neném. Serei um ótimo marido e um tio muito coruja - Digo, um sorriso triste brota em meus lábios - Serei para essa criança o tio que eu nunca tive.

Fito o túmulo por mais alguns instantes. Uma brisa gelada bagunça meus cabelos.

- Descanse em paz meu amigo

E então vou embora.