8. "A letter"

P.O.V. John
  

   O sangue escorria pela boca, seu corpo estava assustadoramente pálido, o tremor estava sendo controlado, mas parecia que morreria a qualquer momento.

    Aquilo me fez tremer, lembrei de meu pai e no quão pálido ele estava antes de morrer. Agora Sherlock adquiria a cor mórbida dele, a diferença era que Sherlock estava com um belo olho roxo e parecia estar tendo o começo de uma overdose.

      "O que está olhando?" Ouvi Patrick dizer ao meu lado. Ele havia acabado de chegar com um prato de sopa, que aparentava ser de legumes, e colocou próximo ao meu braço apoiado na enorme mesa do refeitório.

    No momento não respondi, a imagem do menino pálido e sufocante no fim do grande salão, me tirava toda a atenção. Eu precisava ajudá-lo, eu iria ajudá-lo.

   Levantei, empurrando abruptamente a cadeira de madeira e já me direcionava para Sherlock, que parecia estar em suas últimas horas de vida. Mas antes que pudesse equilibrar meu pé para dar o primeiro passo, um senhor de cabelos grisalhos, vestido com uma camisa social vermelha e calça social preta, apareceu na porta do refeitório e correu em direção a Sherlock, como se ele já soubesse o que se passava com aquele aluno, imaginei ser um dos inspetores.

    No mesmo instante, senti uma mão enlaçar meu pulso e uma força me puxar em direção a cadeira, me fazendo sentar no mesmo lugar que estava.

    "Aonde pensa que vai?" Harry estava a minha frente, de pé com um olhar de quem iria matar alguém por ter mexido em seu diário.

    "Bem... Eu..." Era idiota, nenhuma palavra saia naquele momento. Sabia que por alguma razão os meninos daquela escola mantinham distância de Sherlock, todos pareciam servir as ordens de Harry, e por alguma razão todos obedeciam. E eu não queria ser o rebelde que mudaria essa regra.

    "Esqueça Sherlock Holmes." Disse ele olhando fixo para mim, eu tremia por dentro, mas por fora meu rosto era de serenidade, a última coisa que queria era irritar Harry. "Vá buscar sua janta, ou irá dormir com fome esta noite." A voz de Harry, junto com sua expressão haviam mudado de autoritária para reconfortante em menos de milésimos.

   Resolvi não fazer mais perguntas e segui para o pequeno balcão onde estavam as comidas. Prometi a mim mesmo durante o trajeto, que não olharia para trás para ver Sherlock, mas tudo aquilo era mais forte, eu precisava ver se o senhor de cabelos grisalhos havia ajudado.

    Virei discretamente a cabeça para o lado da sala onde se encontravam Harry e Patrick, para ter certeza de que eles não veriam minha ação, os dois estavam conversando com Anderson, que se sentara perto deles.

   Ótimo, eles estavam distraídos. Rapidamente virei parte do corpo para olhar Shelrock, que como havia imaginado, tentava pronunciar algumas palavras para o senhor agachado ao seu lado. Sherlock ameaçou vomitar enquanto balbuciava alguma coisa, imediatamente o senhor pegou Sherlock pelo braço, de modo que seu braço esquerdo ficasse por cima do ombro do inspetor e seus pés tentavam se apoiar de maneira paralela no chão, até o senhor levar Sherlock para fora.

    Olhei ao redor da sala, todos comiam, conversavam e riam. Era como se aquela cena nunca houvesse existido, e se alguém havia visto a tratara como a coisa mais normal do mundo.

     Olhei os dois caminhando até a saída do salão. Tentei esquecer tudo aquilo, talvez Sherlock estivesse sendo levado para a enfermaria e tudo ficaria bem.

    Fui para o balcão em que estava servindo as comidas. Havia sopa de legumes, algumas carnes cozidas e legumes refogados. Peguei um pouco de sopa e uma fatia de bolo de limão, que estava na parte das sobremesas. Minhas mãos tremiam e um enjoo começava na boca do estômago. A imagem de Sherlock passava na minha frente.

     Ao sentar na mesa, Patrick conversava animado com Anderson, que ao me ver sentar olhou animado para mim.

    "Seja Bem vindo a Harrow School, John."  Deu um tapinha nas minhas costas.

    "Mas você é novato também, não é?"  Disse para ele, tentando sorrir amigável.

   "Mais ou menos..." Anderson riu, olhou para Patrick e Harry, os três riram. Aquilo me deixou um pouco desconfortado, mas logo Anderson voltou a me encarar e explicar parte de sua história naquele colégio.

  "A verdade é que já sou um aluno antigo dessa escola. Estudo aqui desde os 10 anos, mas minha família é dona de uma multinacional e sempre viaja para assuntos de negócios, então é difícil eu ir para casa ou eles virem me visitar. Mas no ano passado eles tiveram que viajar para a América do Sul."  Anderson parou um segundo, para arrumar a franja que caia em sua testa. "Eles acharam melhor eu ir com eles, fiquei um ano fora da Europa e agora estou de volta." Falou como se fosse uma das pessoas mais importantes da instituição.

    " Oh, então acho que sou o único novato." Tentei descontrair e diminuir a tensão dos meus ombros.

   "Logo vai se tornar um de nós." Harry disse, levando uma colher cheia de sopa a boca.

   Todos da mesa conversavam, mas eu permanecia calado, apenas olhando para o prato. Como era uma merda socializar e tentar fazer amizade em um ambiente completamente diferente. Em Lacock era tudo mais fácil, eu tinha alguns amigos, tinha um grupinho pequeno onde conversávamos e estudávamos todas os sábados.

     Mas aqui era tudo diferente, todos já tinham suas turmas e agora para entrar em uma eu teria que adentrar em uma bolha de pessoas que já se conheciam a anos e eu era um mero intruso. E além de tudo, deveria manter distância de um menino maluco, que me parecia ser uma boa pessoa.

    Permaneci encarando meu prato, que estava da mesma maneira. Eu não estava com fome, meus pensamentos apenas se direcionavam na imagem de Sherlock destruído, até um menino alto, de cabelos negros curto, passar próximo a mesa em que eu estava. Meus novos amigos o olharam e fizeram um sinal com o rosto, que apenas eles entenderam.

    "Você irá dormir no nosso quarto de agora em diante." Anderson disse olhando para mim.

   "Mas eu já tenho um quarto." Não entendia aquela euforia para que eu mudasse de quarto, minhas coisas já estavam no outro quarto e Sherlock não era tão mal assim.

   "Não questione ou as coisas ficarão feias para você,  NOVATO." A última palavra veio como um aviso de perigo da parte de Harry.

    "Seu companheiro de quarto está na enfermaria, talvez passe alguns dias lá." Anderson, que agora tinha a palavra, parou e me encarou mais a fundo. "Ele sempre está por lá, por isso que nunca fica ninguém com ele no quarto. Estamos oferecendo nosso dormitório e esperamos que você não recuse."

    Se já estava com medo de tudo aquilo, uma vez que eu precisava me enturmar, não me restava aceitar aquela proposta.  Se todos viviam bem, sem a presença de Sherlock, porquê eu não viveria?

    "Ce-certo, hoje mesmo levo as coisas para o quarto de vocês." Pude ver um sorriso surgir no rosto de Harry e Anderson, como se o plano estivesse dando certo, ao contrário de Patrick, que permanecia comendo sem dizer uma palavra.

    A janta continuou, o máximo que consegui colocar na boca foram duas colheres de sopa, mais o líquido do que os legumes. Meu estômago revirava e meu corpo suava.

    "Quer ajuda para pegar as coisas John?" Patrick apoiou a mão em meu ombro, estava tão distante que mal vi sua aproximação. "John? As suas coisas? Quer ajuda?" Ele repetiu as perguntas separadamente, me encarando como se eu estivesse passando mal e ele estivesse disposto a me levar para a enfermaria.

    Realmente eu não estava bem, Patrick talvez estivesse realmente preocupado com minha fisionomia e eu gostaria de ir para a enfermaria e ver o estado de Sherlock.

   "Oh! Me desculpe." Tentei me recompor. "Sim, se não for te atrapalhar." O mais correto era não aceitar a ajuda, me mudar sozinho e refletir sobre o que estava acontecendo. Mas era bem provável que pudesse desmaiar no meio do caminho e Patrick parecia ser a pessoa mais capacitada para me ajudar naquele momento.

   Fomos em direção às casas com os dormitórios, já estava de noite, o céu estava estrelado e a lua exaltava seu brilho.

    "Posso te fazer uma pergunta?" Disse a Patrick, quando estávamos mais afastados do casarão que era a escola.

   Ele apenas me olhou e balançou a cabeça em afirmação.

   "Quem é aquele garoto que apareceu no meio do jantar e fez sinal para vocês?" Percebi que havia sido entrometido demais. "Quero dizer... se não puder falar eu..."

  "Moriarty." Patrick praticamente vomitou aquele nome. "Ele é um dos alunos mais antigos daqui, foi adotado pela escola."

   "Como assim, adotado?"

  "Os pais de Moriarty são traficantes, a mãe dele é uma drogada sem limites, nem lembra que tem um filho no mundo. O pai dele é um dos chefes do contrabando, é outro que está cagando para o filho."

  "Mas se eles são assim, por que tiveram um filho?"

   "Moriarty foi um erro, fruto de um estupro." Aquelas palavras de Patrick me assustaram. Já escutara várias histórias sobre as maluquices da classe alta ou a burguesia britânica. Mas nunca pensei que essas maluquices estariam todas concentradas em Londres.

   "Sua mãe estava completamente drogada, sem reconhecer ela mesma ou controlar seu próprio corpo. O pai dele a prendeu, ele estava dominado por um coquetel de drogas estimulantes."

   Patrick parou um instante ao chegarmos em frente à porta do meu dormitório, me analisou para ver se eu estava bem com tanta informação e continuou.

   "Bem... como você já pode imaginar, a mãe de Moriarty o detestou desde o momento que soube da gravidez, dizendo que ele seria um carma em sua vida. Tentou abortar várias e várias vezes, mas o destino queria que ele viesse ao mundo." Patrick bufou. "Quando ele nasceu mandaram ele para morar com os avós, mas após a morte deles os pais se viram obrigados a colocá-lo em um internato. Quando fez 9 anos veio para a Harrow School."

   "Mas se os pais deles não se importam com o próprio filho, como ele está aqui? Estuda através de bolsa?"

   "Nunca ele conseguiria uma bolsa nessa escola. Os pais dele apenas pagam as mensalidades como obrigação e para manterem o filho longe, nunca vieram vê-lo e Moriaty nunca toca no nome deles."

   "Mas eles estão em Londres?"

    "Não. Não sei exatamente aonde estão morando, talvez em algum lugar do Oriente Médio, mas não tenho certeza."

   "Por que vocês olharam para ele daquele jeito? Por que Sherlock estava daquele jeito? Moriarty tem algo haver com isso?"

   "Me desculpe." Patrick abaixou a cabeça. "Já te contei coisas demais, vou acabar encrencado."

    Patrick tremia, resolvi me contentar com as explicações, que pelo jeito pareciam ser restritas e ele estava indo além do limite para conta-las a mim.

    "Fique aqui, não vou demorar muito" disse a ele, inclinando-me para trás e abrindo a porta para entrar no quarto.

    Tudo estava do mesmo jeito de quando havia saído, pelo visto Sherlock não passara por ali desde quando tentou ver minha trajetória de vida.

    Tentei agilizar o processo, peguei minhas duas malas que estavam praticamente intocáveis. Coloquei algumas camisas que havia jogado na cama e coloquei dentro da mochila, ajeitando a bengala que estava do mesmo modo de quando cheguei na escola.

    Peguei o notebook, visto que no quarto em que iria todos os aparelhos já estariam sendo usados. Com a pressa de guardar as coisas, lembrei que havia guardado uma blusa em uma das gavetas, apenas para identificar que aquela seria minha gaveta.

     Em meio a minha agitação, acabei por abrir a gaveta errada. Com o susto do erro, abri e a fechei imediatamente, com o impacto uma caixa de remédios caiu próximo a meus pés.

    Abaixei para pegar e guardar em seguida, para minha surpresa a gaveta estava repleta se remédios, pílulas, plantas, cigarros e alguns saquinhos com pó, que imaginei ser algum tipo de droga.

    Sherlock era um completo drogado e a última coisa que eu precisava era de mais um drogado com problemas em minha vida.

    Guardei a caixa, mas um pedaço de papel ficou a mostra. Peguei dois envelopes que estavam submersos na imensidão de drogas e pílulas. Um envelope estava inteiro, já o outro era uma folha amassada, usada como rascunho mas com um texto legível.

   A curiosidade era tamanha, abri a carta, que estava em bom estado.

   "Aguente firme irmãozinho e tente não morrer até o verão."

   "John?" Patrick me chamou do corredor. Guardei as cartas no bolso da calça, peguei as malas e a mochila e fui de encontro a Patrick.







Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top