10."Never Mind"
P.O.V. Sherlock
Minha cabeça doía, sentia meu corpo sedado e a boca seca. Tentei abrir os olhos, mas as luzes irritavam minha visão.
Cheguei a conclusão que a melhor opção seria ficar com os olhos fechados e tentar descobrir através dos sons aonde, exatamente, eu estava.
Me lembrava de estar no refeitório, minha visão era turva e eu não conseguia me equilibrar. Alguém havia falado comigo e me levado a algum lugar. Perdi a consciência e sentia apenas as pessoas me guiando e falando coisas que eu não entendia. Senti toda minha visão escurecer e meu corpo não pertencer mais a mim. Talvez aquela fosse a maravilhosa sensação da morte. Por que não me deixaram ficar com ela?
Agora eu estava na enfermaria de certo, uma vez que ouvia o som dos aparelhos e de algumas enfermeiras falando no corredor. Meu braço direito estava com uma agulha, creio que estava recebendo soro e medicamento em um outro furo um pouco acima do meu pulso.
Meu peito estava descoberto, sentia o vento bater em meu abdômen coberto de fios e aparelhos ligados próximos a meu coração.
O enjoo que sentia antes de perder a consciência havia passado, mas minha cabeça latejava e meu olho direito doía. Com muito esforço consegui abrir os olhos, minha visão ainda era turva mas conforme eu piscava, a imagem da sala ia ficando nítida e sentia minhas funções corporaes voltarem a normalidade.
"Ainda vivo." Pensei, já que minha boca estava seca demais para conseguir falar. Quando tentei pronunciar algo, senti a mão de uma enfermeira verificando minha pulsação.
"Olá Sherlock." Ela disse e pegou uma pequena bandeja com dois comprimidos. "Você nos deu um susto ontem em."
"Moriarty..." Tentei pronunciar, mas faltava saliva. "Água..." tentei falar mais alto.
A enfermeira ouviu ou pelo menos tentou entender o que eu estava falando. Ela demorou um pouco para pegar o copo e encher até a metade com água, quando o fez, tentei inclinar a cabeça para frente junto com meu corpo, já não sentia mais dor, um pouco cansado talvez, mas a dor não passava de um pequeno incômodo, talvez fosse o efeito dos sedativos.
Dei alguns goles na água e devolvi o copo, de início foi difícil convencer meus músculos a engolirem a água, provocando uma enorme dor na garganta quando as primeiras godas passaram.
"Amanhã já vai poder voltar para às aulas no período da tarde. Seus exames estão um pouco alterados, mas nada que os medicamentos e uma boa alimentação não resolvam." Aquela enfermeira falava animada demais para alguém que não gostava verdadeiramente do que fazia a anos.
Ela era uma das mais antigas da Harrow School, June, era seu nome. Era alta, 41 anos aparentando ter um corpo de 35 anos, mas as olheiras e algumas marcas ao redor do pescoço e mãos, até algumas palavras que saiam de sua boca, demonstravam o desgosto com o trabalho.
Viera de família de classe média alta e como todos os pais querem cargos altos a seus filhos, ela foi obrigada a cursar medicina, mas como não tinha paciência para hospitais, preferiu se acomodar em uma área menor e apenas o fato de trabalhar na Harrow School, já trazia orgulho a família. Realmente a vida é uma merda e me pergunto o motivo de viver, sendo que mesmo conseguindo nossos objetivos, iremos morrer e nunca mais seremos lembrados, pelo menos não do jeito que esperamos.
Tudo não passa de uma grande idiotice e dias e mais dias de tédio em nossos próprios corpos, que somos obrigados a aturar e conviver com os defeitos que nele contém. O meu, no caso, tem muitos defeitos, um deles é meu cérebro, que não acompanha meu corpo, muito menos o mundo em que fui condenado a viver.
"Olá Holmes." Um dos médicos chefes veio para a sala em que me encontrava e fez um gesto para que June saísse da sala.
"Senhor Philips" tentei falar, minha voz já ganhava força.
"Estava tentando se matar? As aulas nem começaram direito e já está batendo carteirinha na enfermaria." Ele falava alegre também, como se aquilo fosse curar meus problemas.
"Moriarty..." tentei pronunciar. Mas será que deveria falar o que realmente aconteceu? Afinal, não era a primeira vez que Moriarty me agredia ou zombava de alguns gostos meus como o fato de tocar violino ou de criar deduções e pensar de um jeito diferente, principalmente o fato de nunca prestar atenção nas aulas e sempre estar entre os primeiros.
Mas as coisas estavam passando dos limites, depois das últimas férias de verão em que ele resolveu ir para a casa de campo da minha família em Walmisgate, uma pequena aldeia situada no distrito de East Lindsey em Lincolnshire ao norte da Inglaterra.
Neste tão maravilhoso verão, meus pais vieram junto com Mycroft me buscar para irmos para Walmisgate e conheceram Moriarty, por infelicidade ou por sorte ele se tornou amigo dos meus pais e minha mãe passou a dizer que ele era boa companhia para mim, já que eu não tinha amigos. Não pude compreender o que ela dizia. Ela estava mesmo gostando de Moriarty? Um menino que sempre me esnobava e fazia a cabeça de todos para acreditarem que eu era um monstro. Ou ela estava fazendo aquilo apenas para me provocar?
Meu pai como sempre, apoiava minha mãe em suas decisões e por um momento, pelo menos pensava que seria apenas naquele verão, achei que meus pais estavam adotando Moriarty.
Mycroft sempre permanecia calado diante das decisões dos nossos pais, mas era nítido que ele não apoiava essa agregação de Moriarty, desde então passou a redobrar sua atenção sobre mim.
Eu e Mycroft nunca nos demos bem como irmãos, creio que se fossemos sócios um do outro a situação seria bem melhor. Ele sempre conseguia se infiltrar em grupos do governo e quando fez 15 anos conseguiu uma vaga de estágio em um dos cargos mais cobiçados do Reino Unido, ninguém nunca soube no que ele trabalhava, mas se tornou uma das pessoas mais influentes e após essa ligação de meus pais com Moriarty, passou a usar seu poder para me manter a salvo.
Hoje minha vida se encontrava um verdadeiro tormento, meus pais cada vez mais se aproximavam de Moriarty, sentiam dó de sua história e o fato de seus pais terem o abandonado, eu era como um agregado na família e meus pais estavam a ponto de colocar Moriarty no testamento.
Desde então ele não saia do meu pé, me xingava e de vez em sempre ou quando encontrava uma oportunidade, me violava. Ora puxava alguns fios do meu cabelo, passava por mim e me arranhava ou me batia com alguma coisa que estivesse carregando, ora insistia que eu desse meus trabalhos para ele ou minhas provas para que se desse bem nas matérias.
Mas nos últimos meses aquilo já estava passando dos limites, estava ficando cada vez mais violento. Passou a me pegar desprevenido, em lugares sem movimentação ou sem câmeras. Ele me socava, arrancava pedaços da minha pele com as mãos ou algum tipo de instrumento cortante e algumas vezes ameaçava me agredir sexualmente, mas nunca tendo chegado a fazer nada desse porte.
Agora eu tinha a chance de falar o que realmente acontecera, que Moriarty me puxara no corredor e me levou para a escada próximo ao refeitório, sem motivo algum, me dando um soco no rosto e muitos mais na barriga. Eu havia perdido o equilíbrio e caído alguns degraus, mas com muito custo consegui me segurar no corrimão. Senti o sangue escorrer da minha boca, havia batido com o queixo na madeira da escada. Antes que conseguisse me levantar, senti meus braços sendo puxados para trás e meu corpo imobilizado.
Moriarty estava em cima de mim pressionando meu corpo contra a escada, logo senti algo perfurar minha veia, minha visão ficou turva e uma ânsia cresceu no estômago. Havia aplicado uma dose de Morfina misturada com Heroína.
Rapidamente ele fugiu e eu tentei levantar e caminhar até o refeitório, minha visão escureceu e agora estou aqui. Lógico que Moriarty era esperto, injetara um coquetel de drogas para que todos pensassem que eu havia tido o começo de uma overdose.
"Sim..." o médico voltava a falar.
"Esqueça" disse, agora com certa força na voz. "Eu estou bem." Disse, quando era óbvio que estava todo destruído. É incrível como as pessoas sabem mentir afirmando que está tudo bem, tentando adequar-se às regras da sociedade que exigem coisas inúteis de você e sua obrigação é apenas sorrir e dizer que está ótimo, quando o que mais você quer é morrer.
"Amanhã venho assinar sua liberação para frequentar as aulas." Doutor Philips me encarou com ar de reprovação. "Você sabe que não pode usar drogas aqui. Eu sei que pedir para você parar com isso não vai resolver a situação, mas tente, é para seu próprio bem."
Não respondi, apenas o examinei com o olhar. Por que ninguém nunca faz a as perguntas ou observações corretas?
"O que tem Moriarty?" Ele fez a pergunta afastando-se da cama. Finalmente ele fez a pergunta que eu esperava e era minha deixa para contar tudo que eu passava, mas não fiz, não iria fazer diferença, nunca faz. "Vocês são amigos, não são? Sempre os vejo juntos." Continuou ele. Havia começado a fazer a pergunta certa, mas como as pessoas apenas vêem e não observam, sua pergunta foi para um dos caminhos mais obscuros possíveis.
"Doutor Philips, esqueça." Repeti recostando a cabeça. "Pode me deixar sozinho, por favor?"
O doutor não questionou, apenas me olhou sério e saiu pela porta.
Fiquei alguns minutos recostado no travesseiro, observei os medicamentos que estavam sendo transferidos para meu organismo, analisei os aparelhos e meus batimentos cardíacos. Tudo estava correndo bem e era óbvio que eu poderia receber alta hoje mesmo, mas por precaução me liberariam apenas amanhã, então eu mesmo iria me dar alta.
Retirei cuidadosamente os aparelhos colados ao meu corpo, vesti minha roupa, que havia sido colocada em uma pequena sacola atrás da cama de hospital, era o velho e antigo uniforme da Harrow School, mas em uma versão mais amassada e suja.
Esperei o horário das aulas da tarde começarem, momento em que os corredores ficam mais vazios e os inspetores estão reunidos para as reuniões das atividades suplementares, para poder sair da enfermaria.
Observei cuidadosamente os dois lados do corredor, sai ainda um pouco cambaleando, estava bem, mas meu corpo parecia estar um pouco adormecido e fraco para caminhar.
Dei alguns passos me segurando entre as enormes paredes do corredor, sentia minha barriga dolorida e a cabeça latejar. Fui em direção aos dormitórios, o quarto permanecia igual, mas parecia mais vazio, as coisas de John não estavam mais lá.
Era estranho, por um momento senti um certo arrependimento por não ter conversado com aquele menino antes dele ter se juntado a turma de aniquiladores de Moriarty.
"Então minha diversão voltou?" Ouvi aquela voz nojenta se aproximar. Moriarty estava na porta do dormitório com um sorriso irônico. "Só não te dou as boas vindas porque já estou atrasado para a aula." Se virou, mas antes de sumir no corredor deu alguns passos parra trás e disse. "Seu coleguinha John já está no grupo, acho que o time cresceu." Riu alto, fez um gesto de beijo com os lábios no ar e saiu.
Queria desmaiar, desaparecer e seria exatamente isso que faria, nem Moriarty nem ninguém me perturbariam mais, iria colocar um fim a essa palhaçada.
Fui apressado para minha gaveta, onde tinha alguns comprimidos e narcóticos. Assim que abri, notei imediatamente que havia sido remexida e só podia ser John. Ele abrira a carta e lera, provavelmente durante a noite no quarto dos meninos.
Ótimo, agora ele já sabia de parte do meu sofrimento e não deveria se preocupar em me ajudar, se ele era como os outros, com toda certeza usaria isso contra mim.
Peguei alguns medicamentos e ingeri no mínimo umas 5 pílulas que continham Paracetamol e Abuprofeno, substâncias suficientes para causar o começo de uma overdose, quando tomada em grandes quantidades e era esse meu ponto, morrer e acabar com tudo aquilo.
Engoli todas, creio que acabei com as duas caixas contendo 30 comprimidos cada. Peguei duas agulhas e um pedaço de borracha para amarrar no pulso, tinha que correr, uma náusea começava se formar, os remédios estavam fazendo efeito.
Com as seringas em uma mão, peguei alguns saquinhos com cocaína e heroína, uma colher e uma pequena garrafa de água, segui apressado para um dos lugares mais desertos do colégio, o Memorial da Harrow School, uma sala que mais lembrava uma galpão com blocos de cimento enormes e uma lápide no centro do lugar, que mais parecia uma sala circular, escrito "In Memory of the Sons Harrow who died in the Great War."
Cheguei quase desfalecido, o efeito estava mais forte do que pensei, já estava com tonturas e uma forte dor no lado superior da barriga.
Encostei a cabeça na lápide, minhas mãos tremiam, mas consegui pegar a borracha em uma das mãos e passei-a em volta do meu bíceps esquerdo e apertei com força para que as veias ficassem visíveis.
Peguei a heroína e amassei com a mão, de modo que ficasse parecida com pó, coloquei o conteúdo na colher e dissolvi em água, colocando o líquido em uma das seringas. Fiz esse mesmo procedimento com a cocaína e a injetei primeiro.
Imediatamente senti meu coração pular, minha corrente sanguínea estava frenética, um fio de sangue escorria do meu braço. Recostei mais na lápide, fechei os olhos, o suor escorria pela testa, sem pensar duas vezes injetei a heroína.
Todo o frenesi que sentia haviam sido amenizados, de repente minha visão escureceu, senti as funções do meu corpo me abandonarem e antes de perder a consciência, ouvi uma voz me chamar e um menino loiro me cutucar, John gritava meu nome desesperadamente e a última coisa que consegui ver fora seu rosto desesperado e alguém adentrando atrás dele logo em seguida.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top