Oi.

Praia Brava (Itajaí-SC)

****

Na segunda, que batizei como dia de fé, Benício entra na sala mancando, calado e sem me dar um "bom dia". Então eu puxo o coro e ele responde assim:

— Oi.

— E como tá o pé, melhor?

— Nada. Tá meio infeccionado.

Sinto uma baita culpa por ter ficado irritado quando imaginei que ele não viria ao trabalho. Se ele ganhou atestado é porque precisava repousar e agora tá desse jeito por minha causa. 

— Tô me sentindo culpado. — Falo e ele dá um *mini* sorriso.

— Ah tá... porquê? Um colega pisou no meu dedão sem querer.

Ai, isso doeu no meu saco. Tadinho. Dá vontade de dar uns beijinhos nesse dodói. Já odeio esse colega dele. Peraí, colega?

— Teu colega? — Pergunto sutilmente e ele ignora, senta e liga o monitor. —  Então... tu ficou de molho no final de semana? — Preciso perguntar, até porque sinto um estranho ciumezinho, sim, bem pequeninho, mas que incomoda feito picada de micuim.

— Aham. 

Pra segunda-feira ficar ainda melhor, faço uma seleçãozinha de rap, pagode e pro Benício não pôr o fone de ouvido, eu coloco um som do Boney M., esse ele deve gostar, porque não colocou. Rá!

Ou não o trouxe.

— Charles, que raio de banda é essa? Isso daí o meu vô escutava. — Opa! Até se manifestou.

— Raio??? Isso é Boney M., e tu me disse que gostava de músicas dos anos 70... 

— Eu curto Judas, Jethro Tull, Kiss, Led Zeppelin... Até jovem guarda dá pra aproveitar alguma coisa, mas não essas de disco, nem sei, não curto não.

— Oxi... Mas essa daqui, ouve... Gloria Gaynor... é anos 70. — Já percebi que, embora nosso gosto musical não combine de forma alguma, é um assunto que nos aproxima e ele sorri com mais vontade. E... gente, que sorriso bonito. Benício tem pouca barba e fica muito menino sorrindo. — Tem um troço que tu vais gostar, Sambô!

Coloco aqueles clássicos de rock que tem uma versão de samba. Ele ouve uma e já se manifesta.

— Estragaram a música. Curt Cobain deve estar de bruços no caixão.

— Meu Deus! Hahahaha. És um sarro, rapaz. Um chato que a gente aprende a gostar. —  Ele ri também. Vermelho feito um vinho tinto. Adooooro isso! — Tu é um cara difícil de agradar. Pra mim que gosto de "brasileirismo", essas bandas internacionais são tudo meio parecidas. Deixa eu ver se é legal essas que tu disse...

No player, eu procuro e ele me ajuda a escolher um tal de "gefrutal" nem sei como se fala, mas escreve Jethro Tull e o som é de louco, bom, mas barulhento e depois não sai da cabeça: ♫Aqualung. Hey Aqualung... Aqualung, my friend...♫ queria saber tocar uma guitarra pra extravasar a euforia da música. Mas Zeca Pagodinho é melhor! Consigo cantar a letra, me concentro e meu dia fica alegre. Rock é muito barulhento.

Mas valeu a pena porque interagi com meu colega. Embora não sinta por ele atração de espécie alguma (iludido) fico cabreiro por ele ter comentado que um amigo pisou o pé dele. Quem será? Será que é bonito? Será que é só amigo??? Preciso investigar isso. Nada demais, que fique bem claro.

...

A vaidade masculina é páreo pra vaidade feminina. É sim! Me deixe.

Eu já quis deixar o cabelo crescer pra fazer um penteado black power, mas demora uma eternidade pra crescer e meu pixaim é muito fechadinho, diferente dos meus três irmãos, puxei o meu pai que não é o mesmo deles.

 Alan que é gêmeo com Jonatan, tem cabelo comprido, me diz como que pode? Rasta, irmandade! Ele tem uma fabriqueta de pranchas de surf e bodyboard, e anda do jeito que quiser, coisa que já não posso. Jonatan raspa a cabeça e eu vou na mesma onda. Dona Terezinha ama cabelo liso, que não fica bom, na minha opinião. Já a Bruna é um espetáculo, se eu fosse mulher, queria ser a minha irmã. Mulher bonita que se valoriza, não é magra, tem corpão e peitos grandes. Se veste bem, anda de salto alto e tem cabelo grande, só que os cachos dela são diferente dos meus, é totalmente contra o alisamento do cabelo afro, faz um tal de relaxamento. Fica poderosa!

Só sei que gosto de me arrumar. Ganho um salário bom e ando bem vestido. Me acho bonito e adoro me olhar no espelho. Quinta à noite,  vou tocar com eles no rancho hoje, mas nem é pelo cachezinho, é pela diversão e a paquera. Semana com feriadão (2017 teve uma porção) é coisa que brasileiro ama. Sou brasileiro, logo amo!

Valdizão vem me buscar de CG, porque meu carro ficou na revisão e no posto de gasolina ele pede pro cara:

— "Suja" o tanque, põe dexxx conto. (R$10)

— Porra, vou comprar uma moto. Dez reais no meu carro não faz nem cócegas.

— Ah, essa é bem econômica, me leva onde preciso. Trabalho, diversão... somos só eu e a Suzi, então tá bom assim. Só é foda quando chove.

— É essa parte é complicada. Ei, Valdizão, tá tudo certo com vocês?

— Oh Chalito... tá tudo numa nice. Minha preta tá me esperando, te deixo no rancho com os rapazi e vou buscar ela.

— Poxa, agora fiquei sem jeito. Te tirei da rota.

— Família, bicho... somos família.

Tá vendo? Pra quem é cheio de frescura perde essas coisas da vida que só a simplicidade trás.

O baile tava alegre. Só tocamos as melhores das melhores. Sei lá quem tava de aniversário, pediu Raça Negra e pelo menos uma cinco músicas deles, a gente cantou. "Te amo, mas vivo a fugir desse amor, não dá pra ficar cara a cara..."

Animação, cerveja de graça que o pessoal mandou pra nós e muito flerte. Eu foquei num baixinho da bunda grande que tava de calça apertada. Ele devolveu cada olhada, cada sorriso, olhar no olhar, no banheiro rolou boca na boca e pegada no pau. Um amasso gostoso, sabor de bebida doce no beijo dele. Uma ereção imensa do lado de cá e aquela carência que quase me fez levar ele pra casa.

Mal voltei pro palco, enxergo ele num chamego com outro boy. Ah, já me dá um asco. Gente, que dificuldade em achar um cara pra namorar gostoso. Canso só de ficar. Perdi o Bruninho e agora fico chupando o dedo porque ele deve ter achado um cara bacana. Merece mesmo.

Isso tudo na véspera do feriado, quinta à noite. Sexta é outro dia e meio desanimado eu vou sozinho espairecer na praia. Tem bastante gente que veio pra aproveitar esses três dias, coisa que não me incomoda. Estou bem tranquilo mesmo, compro uma cerveja *cara pra cacete* e sento na sombra de uma barraca.

O cheiro da praia é uma mistura de sundown, mar, milho verde de um carrinho, churros de outro carrinho. Os sons de várias falas, vendedores ambulantes, ondas... isso tudo me dá um sono e me acosto na mureta pra fechar os olhos por uns minutos.

Acordo num salto! Dormi quase trinta minutos ali. Engraçado é que a gente sempre se assusta quando isso acontece. Meus belos olhos escuros flagram uma pessoa conhecida que nem imaginava que encontraria por aqui.

Douglas.

Claro que encontraria, ele é um tipinho ostentador que gosta de falar para o mundo que mora perto da praia. De óculos escuros, posso fingir que não o vi. Mas não adianta, porque ele me viu. Sozinho, ele sempre se achega.

— Opa... resolveu se misturar? — Ele me pergunta.

— Me misturo bastante... — Falo me levantando.

— Já vai? Vem ficar lá com a gente.

Não sei onde eu tava com a cabeça ou usei a debaixo pra pensar, porque segui o cara até um grupo de pessoas que ele apresentou como sendo seus parentes. Uma tia dele estava tricolor, rosa onde ainda bronzeava, branca numas partes porque usou maiô no dia anterior e vermelho nos ombros e costas. Depois de me cumprimentarem, essa tia dele que puxou conversa comigo, justo porque? Por curiosidade sobre o sobrinho dela + eu. Ahhh, logo vi que dois caras não me olharam direito da cara.

— O pai dele não pode nem ouvir falar disso. Eu não vou dizer que apoio, mas não me meto.

— Têm pessoas e pessoas, opiniões diversas. — Disparo. — A senhora quer falar sobre a orientação sexual do Douglas.

— Não tenho nada contra, mas acho errado.

— Errado? Douglas é uma pessoa de bem. O que tem de errado em ser gay?  

Ela fica sem jeito e não responde. Olha para o mar, depois para o Douglas e pela primeira vez, entendo o que acontece com ele: medo de assumir e afirmar o que ele é, perante a família preconceituosa. Difícil de acreditar que isso é possível, mas é o que acontece com esse rapaz. Fora o medo de arrumar um namorado, se apaixonar e ser pressionado por este a tomar uma postura perante às pessoas. Pode ser que Douglas seja esse tipo de cara.

Se olhar dessa forma, é um grande passo dele, afinal, coincidiu de nos encontrarmos da praia e ele me levar para junto de seus parentes, sendo que poderia ter dado as desculpas que sempre dá e ter caído fora. Eu teria ido embora e talvez continuássemos a nos encontrar por aí, na minha casa, na dele ou no costão da praia onde ele gosta de ir pra relaxar.

Ele volta do mergulho sorrindo e olhando-me nos olhos. Sinto vontade de abraçar e beijar esse cara, Douglas me atrai muito, é quente e amoroso quando está sob efeito do calor da paixão e sozinho comigo, porque em público cuida-se com as palavras que possam lhe trair.

— Douglas, dá uma olhadinha nas minhas coisas, por favor... vou cair na água pra dar uma salgada no corpinho.  

Entrego pra ele a chave de casa e o boné, coloco meu chinelo debaixo da sua cadeira e tiro a camiseta. Noto uns olhares indiscretos para o meu peito, barriga e a minha região pélvica. Imagina na bunda, que não consigo ver. 

Dou uns três mergulhos e volto pra perto dele. Douglas se mantém de cabeça baixa ou olhando para os outros lados, ignora-me quando puxo assuntos e me dá umas cortadas. Pra não me magoar mais ainda, pego minhas coisas e a camiseta que jogo sobre o ombro, me despeço e vou embora.

...

Meio dia, dona Rochelle, me convida pra rangar e a tarde, tiro um cochilo ruim com um ventilador que não ajuda muito, o vento quente me deixa indisposto. Sinto-me num marasmo e uma vontade de conversar com alguém. A cada pouco, Benício vem na minha cabeça. Quase que faço a merda de ligar pro cara. Sabe-se lá o que posso estar interrompendo. Ele nunca deixa muito claro o que faz no final de semana e só falou de namoro uma única vez. Claro que não vou ficar perguntando. Depois, ele sabe que sou gay, se eu ligar, pode ficar cabreiro, porque tem desses... tem mesmo. Falo porque já conheci.

Tem casados e namorados que reclamam que relação é uma prisão semiaberta, mas ficar sozinho não é tão bom assim. Tô a fim de me amarrar, pelo que deu pra vocês notarem. Ou pelo menos ter alguém que não queira somente trepar as escondidas e jamais sair em público. Se bem que tô topando até sair com Douglas sem compromisso e hoje ia adorar receber um sinal verde dele.

Pra tirar a preguiça ruim do corpo, resolvo tomar um banho de água fria e quando termino de tirar a roupa, o celular toca, nada de vibra call, é um toque desgraçado de barulhento que coloquei, caso algum dia esse cara me ligasse...

Não creio... ele me ligou... ELE LIGOU!

— Alôuuu! — Falo todo faceiro e ouço do outro lado:

— Oi.

*********

Oi pessoal!!! Tá calor demais, tô derretendo, ahhhhhhh. 

Beijos, beijos e dignidade já! (LeãoLobo)

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