O namorado
Conhecer a família do rapaz foi meio esquisito. É normal ficarmos sem graça nas primeiras vezes, isso, primeiras *sessenta* vezes. Isso acontece, não é impressão só minha. Provo porque, no encontro com eles naquela manhã:
1°. O olhar estranho dos pais do garoto. No primeiro instante, somos analisados dos pés à cabeça e nem sempre é por mal. Não sou pai e muito menos mãe, é óbvio então que aconteça aquela análise inicial.
A mãe do Benício ficou meio quieta quando ele me apresentou:
— Ó mãe, esse é o Charles. — Seco, jeito natural dele...
— Conheço. — Ela diz quando dou aquele beijo no lado da face dela. O padrasto aperta a mão com mais amistosidade, mas nem por isso dá conversa, pois ainda estou sob análise.
2°. Falta de assunto no horário do almoço. A gente tem todo o tipo de assunto que existe pra falar nesses momentos, pra dar aquela quebradinha no "iceberg". Mas tudo o que rola é um almoço silencioso onde até duas crianças te olham e não falam nada. Às vezes alguém puxa o samba de enredo:
— Isso é linguicinha de frango ou mista?
— Mista.
— Boa.
— É.
3°. Ficar sem atitude nenhuma. Tem gente que se enturma fácil e eu sou um desses. Porém quando se fala em "namorado" eu fico errado. Sei que tem aquele que vai dizer (pra me humilhar): "ah, eu me senti à vontade, até usei o banheiro na maior cara de pau", ou: "eu já fiquei SUPER à vontade, a família dele me adorou e queria me adotar".
Mas eu não conseguia agir. Queria fazer igual na casa da mãe, levantar e para colocar meu prato na pia, pra ser honesto, senti mais vontade foi de repetir. Precisava mijar depois das três latas de cerveja, mas tava com vergonha de pedir licença. Queria um palito de dente, quando escovar os dentes seria a minha prioridade. E o que fazer com aquela sonolência que dá no domingo quando a pança tá cheia? Ou quando os assuntos abordados por educação dão tédio e a gente tá louco pra vazar, mas tá com receio de levantar da mesa e interromper. Isso sem mencionar o banho que não tomei, parecia que todo mundo ali sabia. Gente que agonia monstro!
Isso aconteceu naquele dia e eu só fazia era orar para que o restante da família do Benício anunciasse que ia sair ou que iam deitar depois do almoço pra eu ir embora... mas o padrasto do guri começou a puxar cada vez mais assuntos: governo Temer, brasileirão, reforma da previdência e querer tirar dúvidas sobre as horas que ele faz na empresa e que educadamente precisei dizer que não sabia como o sindicato dele tratava.
4°. Rejeitar algo que a gente gosta muito (sem querer).
— Charles, aceita um sorvete de sobremesa? — A mãe dele larga um potão de napolitano na minha frente e eu digo de não, por timidez. (snif, snif)
— Não, mas agradeço, estava tudo ótimo, dona... é... Carl...
— O nome dela é Cláudia. — Murilo, irmão do Benício me corrige.
Não houve luxo, mas eu me senti almoçando num restaurante de grã-finos, eu estava tímido como há muito tempo não rolava e só relaxei quando o pessoal se distraiu e avisei o Benício que precisava ir pra casa. Ele não se ofereceu pra ir comigo dessa vez e só no carro que me toquei que eu deveria ter convidado.
Se isso já é um namoro, começou num repente. Gosto dele e estou torcendo mais que qualquer pessoa para que dê certo. Mas antes eu preciso me situar, conversar com ele, porque com tesão envolvido não se pensa muito bem.
Como eu imaginava, Douglas não me ligaria, pois naquela cabeça tem uma informação: "Charles não é bombeiro, mas apaga meu fogo". Com o fogo apagado há poucos dias, ele não tem porque me procurar.
Benício por outro lado, está em casa, sei onde deixei e sei que se eu ligar e chamar pra vir aqui ou darmos um passeiozinho, ele topa.
Tomo meu banho, relaxo mais ou menos meia hora e sinto saudade do metaleiro. Aquele moleque que vai ser o mais complicado dos namorados, porque em nada combinamos. Ou não. Quem sabe é tudo o que preciso. Já me sinto meio idiota e inseguro. Tive o Davi e Douglas que me deixaram esquivo e agora posso pisar na bola com o Bê por culpa desse medo.
— Oi gatinho... — Ligo sem medo de ser feliz e ele carinhosamente diz:
— Oi.
— Ih, já senti que o velho Benício baixou nesse corpo gostoso.
— Tá sozinho?
Epa!!!
— Claro! Te disse que precisava fazer umas "coisas" e tomar um banho. Tô pronto pra você de novo.
— Me busca pra ficar com você ou vou de Biz?
— Cinco minutos que já tô chegando.
Ele me quer, não dá pra deixar escapar. Benício me assustou. Eu queria um Benício da vida há muito tempo. E eu achei o meu.
...
Conheci o Benício há dois anos, porém, depois de um ano de coleguismo no trabalho e uma amizade morna, finalmente ficamos e nos engatamos...
Voltemos agora para aquele dia mesmo, em que quase transamos, ele demonstrou ciúmes, apresentou pra família e me beijou quando entrou no meu carro. Isso! Beijou-me praticamente em público, mas sem o público vendo.
Acho que eu tinha que treinar mais pra não me espantar com tudo que ele fizesse. Mas pensem comigo, foi quase um ano trabalhando com uma criatura que não falava se eu não puxasse assunto e de repente é namorado, da noite para o dia. Eu chamando de namorado, mas será que ele sente-se assim: namorado do Charles?
— Ei, quando foi que tu namorasse esse tal de Douglas? — Disparo de uma vez.
— Porque tá falando disso? Ainda sai com ele?
— Não.
— Você disse que sai.
— Sexual casual. Olha... eu não sairia com ele se tivesse um namorado, não traio, entendeu? É casual mesmo. Eu e tu começamos muito rápido esse lance, eu ainda tô meio atrapalhado. Mas não se preocupa que se ele me procurar, não rola mais... não rola com ele.
— Acho bom, porque não sou palhaço.
Eita sô!
— Calma moço! Vamos com calma. Eu respeito a pessoa com quem eu estou.
— É que sou inseguro. Desculpa.
— Somos parecidos, sou bem possessivo também. Mas é sério, não vou sair com ele enquanto estiver contigo.
— Faz tempo.
— O quê?
— Que namorei um cara com esse nome, foi o primeiro, aí ele só dizia: não se ilude comigo.
Não quis falar nada, mas essa é a prova que é o mesmo Douglas.
— Ainda sente alguma coisa por ele?
— Claro que não, isso faz nove anos, eu tinha dezesseis. Corri atrás dele até os dezenove.
— Então nem fala esse nome que também não falo.
Vou resumir os momentos da primeira semana de namoro. Sim, namoro, namoro, porque ele disse claramente várias vezes:
— Agora que a gente namora — Um sorriso me deixa ereto, ereto é apelido, eu tinha uma rocha incandescente dentro da cueca. — posso dormir lá amanhã à noite? (sexta-feira)
— Hummm, claro.
— Tá. — Ele responde sempre econômico nas palavras. Concentra-se no que está fazendo e nada de anormal acontece em nosso ambiente profissional. Seu ramal toca e alguém solicita sua presença, ele passa por mim preocupado. — Seu Hercílio me chamou, o que será?
— Tomara que seja o aumento que tu pediu pra ele na segunda. O velho tem mil coisas na cabeça, deve ter lembrado só hoje.
— É. Tomara. — Ele alivia o semblante e vai. Eu estranho não saber o motivo, porque tudo que se refere a funcionário, o patrão me chama pra discutir. Certamente é o aumento, penso eu.
Benício demora uns vinte minutos e comenta algo que me deixa sem chão:
— Seu Hercílio me deu o aviso prévio. Vou ter que cumprir os trinta.
— Como assim!!!
Nem espero ele me responder e saio da sala, puto, sem pensar direito que estava prestes a interferir numa questão entre meu colega e a empresa, diminuo o ritmo e antes de bater na porta do homem, estou mais calmo e com mais argumentos.
Seu Hercílio parece me aguardar e com uma expressão pouco amistosa joga na minha cara que já fazia algum tempo que queria dispensar o Benício.
— Não tem nada a ver com o fato de vocês terem se envolvido. A Paula disse desde o começo que ele era problemático.
— Olha, seu Hercílio, eu tenho consciência plena de que sendo dono da empresa, o senhor decide o que quiser, mas não entendi duas coisas: como o senhor soube que eu saí com o Benício e porque contratou, se a Paula mesmo que indicou uma pessoa "problemática"?
— Sendo tia, a Paula percebia que ele tinha um comportamento esquisito desde muito novo. Quando ia visitar, ele se escondia no quarto e não queria conversa com ela. Ela que sempre foi atrás de tentar tirar ele do seu canto e quando eles conversavam acabavam discutindo. Toda vida pegou no pé por causa das roupas que usa, sempre de preto, teve que brigar com ele para não fazer uma tatuagem, ouve músicas estranhas, não conversa.
— Quanta ignorância dessa criatura! O senhor vai me desculpar, mas que mulher metida. Não tem nada de errado com ele e se ele se esconde dela é porque é uma criatura insuportável.
— Acho bom não falar dela, Charles.
— Quantos anos o senhor me conhece? Sabe da minha vida, conhece minha mãe, sabe o que o Alan passou quando jovem e ficou inconformado com a ignorância dos policiais e agora tá fazendo o mesmo com o seu funcionário. Tá despedindo uma pessoa, porque sua namorada implica com ela? Não avalia o profissional? No caso dele, parece que nunca.
— É mas...
— Acho que tá errado, me desculpe. Não vim pedir ao senhor pra mudar de ideia quanto a demissão, mas para que não seja tão influenciado por uma mulher que tem menos da metade da sua idade e experiência. Daqui a pouco ela invoca comigo e o senhor me despede.
— Isso nunca!
— Nunca? Tá deixando ela interferir, como que não?
— É mas o guri é estranho.
— Em que sentido. Ele é quietão, mas faz o serviço dele, faltou umas vezes lá no começo e não se comunicava, mas mudou bastante. Se for por ser estranho, nem todo mundo precisa ser igual. Gente estranha ou esquisita precisa trabalhar, se vestir, estudar. Eu que convivo com Benício no dia a dia, merecia ser consultado antes disso. Eu trabalho com ele.
— Sim, mas é melhor assim. Vocês se envolveram... isso afeta um pouco a empresa.
— Porra, mas a fofoca é um troço dos infernos. É por isso então? Me disse que não era.
Não aguentei, sai daquela sala e bati a porta na cara do homem. Vontade de mandar a Paula tomar no cu e o seu Hercílio pra puta que pariu. Esse velho é um banana. Benga murcha! Eu tô furioso. Volto para minha sala, encontro o Benício inexpressivo, normal dele, mas quando me vê, abre um sorriso.
— Nem vem Charles, se ele voltou atrás, agora sou eu que não quero.
— Não, meu lindo, ainda não voltou atrás... mas foi injusto.
— É.
— É, o quê?
— Ele disse que tá meio fraco de serviço e que sou novo, por isso tava me dispensando.
Porra, ainda mentiu pro guri, porque não tocou a real?
— Nem vou falar nada, senão eu vou socar esse homem e depois tomar um processo.
— Eu fiquei chateado na hora, mas vou procurar outro lugar pra trabalhar, o que ganho de salário aqui, ganho em outra empresa.
— É isso aí!
— Mas a gente continua né? — Ele me pergunta todo corado, ai que fofinho! — Amanhã, vamos sair normal?
— Sim, vamos sair normal.
O dia passa meio de arrasto, porque fiquei bem chateado com a situação. Benício na hora do almoço cansou de demonstrar indiferença quanto a sua demissão e deixou uma lágrima escapar. Fingiu estar tudo bem, pois não é do feitio dele se abrir demais... só se eu tiver paciência. Deixei ele na sua e não tocamos no assunto durante a tarde. Passei a ter a impressão que seu Hercílio ia voltar atrás nos próximos dias, era só discutir com a namorada como é comum acontecer.
Quinta-feira passou de arrasto na garupa de uma lesma de muletas e sexta amanheceu chuvosa, mas deu um dia gostoso pra trabalhar. No ar condicionado não tem verão, né.
Tivemos o que a rotina nos traz e mais uns perrengues que fazem a gente orar com força e finalmente às dezoito horas chegaram e entraram em nossas almas aflitas... Benício se espreguiça sorrindo e eu pratico meu auto controle pra não dar um abraço nele ali mesmo.
— Bora! Vamos passar um findi juntinhos e colados?
— É.
— Avisou a sua mãe né?
— Avisei... — Ele responde irritado. — Eu já tenho vinte...
— Sim sim, já sei, já sabe se limpar sozinho quando vai no banheiro. Mas tu mora com a mamis, então avisar é questão de respeito.
Vermelho? Roxo!
Benício trouxe uma mochila de roupas, pensa. Tá parecendo aqueles meninos que ficam com o pai no final de semana. Já sinto como se ele fosse tão meu. Isso deve ser por nossa convivência profissional diária. Hoje ele está tendo a oportunidade de ficar de boa na casa de alguém e está bem mais solto e falante. Nem toco no nome da sua tia e o motivo ridículo que levou seu Hercílio à dispensá-lo. Vamos curtir gostoso um final de semana caliente, nos curtiremos bastante e o lado de fora que se exploda. Vamos ser felizes, pelo menos agora.
***********
Oi Pessoal querido. Não sou de demorar, vocês já sabem como sou, mas essa semana não pude cumprir infelizmente, nem consegui dar atenção aqui. Desculpem, por favor. Vou me esforçar para escrever mais umas páginas agora no final de semana e amanhã acho que posto mais um capítulo já.
Um abraço carinhoso e muita alegria no final de semana de vocês♥
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