Faaala meu querido!



Cara, depois de quase um ano esperando esse rapaz me ligar, ele me liga! Louvarei, eu louvarei... Dou aquela fingida básica pra não demonstrar *muito* minha surpresa.

— Faaala, meu querido! Ué, tudo tranquilo contigo, Benício?

— Tô atrapalhando alguma coisa?

— Tu não atrapalha, nem pensa uma coisa dessas... Só tô um pouco surpreso, não esperava uma ligação sua. Fiquei preocupado, sério.

— É que você sempre me diz: qualquer coisa me liga.

— E é pra ligar mesmo. Fico feliz que tenha lembrado de mim. Pode falar, meu querido, sou todo (seu) ouvidos.

—Eu queria conversar sobre uma coisa chata que tá acontecendo aqui na minha casa. Dá vontade de morar com o meu pai. Sumir. Sabe aquela vontade de chutar tudo? Tá tudo errado comigo. Eu não tenho com quem conversar, não tem muita gente com vontade de conversar comigo. Só se junta gente à minha volta pra se meter e falar do meu jeito... Só críticas...

Benício desata a falar e o tom de sua voz é meio choroso, demonstra que ele tá bem magoado com algo ou alguém.

— Cara, quer dar uma volta? Eu te busco e levo em casa. Não é por nada, rapaz, mas tu és um cara muito fechado e precisa extravasar um pouco. Vamos sair, tomar uma cervejinha. Ainda tá meio cedo... ou tu escolhe um lugar calmo e conversamos. Fora do ambiente profissional é sempre melhor.

— Amanhã à noite então.

YESSSSSSS!

— Não vai fazer nenhuma besteira até lá né?

Ele ri baixinho.

— Não prometo.

— Olha, olha. Não querendo ser insistente, mas sendo, vamos agora... vá lá e se arrume, ponha uma bermuda, uma havaiana e bora caminhar na areia.

— Não... eu tenho as pernas muito brancas, não uso bermuda.

— Deixa de ser fresco. — Acho a maior graça do que ele me disse. — Chego ali em cinco minutos, avise quem tiver que avisar.

— Cinco? Ah, eu não sei, cara...

— Quatro minutos e quarenta e sete segundos, quarenta e seis, quarenta e cinco...

...

Benício aceita e vou busca-lo em sua casa, ou melhor, no apartamento onde ele vive com sua mãe, padrasto e dois irmãos menores, duas pestes que infernizam pra vir junto.

Não que eu tivesse planejando levar o carinha pra praia, mas o clima calorento estava pedindo um lugar mais fresco e o estado irritado dele, pedia um lugarzinho mais calmo onde pudéssemos conversar sem interrupção. Ele aceita usar uma bermuda e mostrar os cambitos. Brancos? Muito! Mas as canelas são peludas e os pelos bem escuros. Ahh já viajo nisso...

— Fala, rapaz. Tira esse óculos pelo menos pra sair. 

— Se eu tirar, não vejo nada. Tenho quatro graus de miopia e tenho astigmatismo também.

— Uia, então isso daí é aqueles fundão de garrafa? Deixa eu ver como fica. Tás é louco, rapaz, cheguei a ficar zonzo. Mas o que aconteceu? Fala o que sentir vontade de falar. Sem pressão hoje, entendeu?

— O problema é que na família, todo mundo se mete no meu jeito de ser, não tenho muita liberdade. Sempre fui mais fechado, ateu e porque gosto de umas coisas diferentes, ficam fazendo pressão com coisa de igreja. Dizem que o que gosto é tudo errado, ter tatuagem é coisa do diabo. Fora outras coisas que... ai, deixa quieto.

Noto um rubor no rosto dele. Sempre sorrio ao ver, pois acho um charme isso. Benício é vasto, mas contido e eu adoraria desvendar o que tem por trás da fachada "cinzenta" que o representa.

— Em casa, você viu né... tá um inferno...

— Não diz isso. Crianças são assim mesmo, uns "anjinhos".

— Não é por isso... Minha mãe e o marido dela estão pra se separar, aí ele fala mal dela pra mim, ela fala mal dele. As crianças estão meio largadas, ficam berrando, brigando, se eu não der banho neles, ficam sujos, se não der comida... entendeu? A minha mãe tá meio surtada, fica empurrando os dois pro marido dela e ele, como vai sair de casa, não liga mais pra nada.

— A tua mãe deve estar estressada com o fato de ficar com três filhos, trabalhar fora, dar conta da despesa... e tu... meu querido, agora é o socorro dela, o homem da casa.

Ele recoloca o óculos e respira antes de prosseguir.

— Outra coisa que eu tava com vergonha de falar, é que acho que ganho muito pouco, o seu Hercílio não reconhece e a tia que namora com ele, falou quando me conseguiu esse trabalho e não acha legal eu ficar pedindo aumento porque ele já me deu a oportunidade.

— Ah tá. Manda ela trabalhar de graça. Mulher caridosa só pode! Faça-me o favor. Dizem que é melhor ouvir isso do que ser surdo. Enfim, se a tua tia mistura as coisas, não faça o mesmo que ela. Tens teu valor e se ela fica cabreira porque pensa que deves trabalhar quieto só por gratidão, manda cagar no mato. Não deixa interferir, é tua vida profissional.

— Sim... — O queixo dele treme, mas o olhar é duro. Parece que lhe custa muito para manter-se assim, no pedestal do seu universo solitário.

— Sobre o salário, raramente o patrão vai te dar um aumento, mesmo que ele saiba que tu mereça. O reajuste, eles são obrigados a dar todos os anos, mas aumento, promoção, essas coisas, somos nós que temos que pedir. Falo isso por experiência de quem começou bem de mansinho, igual você. O "não" tu já tens... Chega e conversa com ele. A conversa vai alertar, que tu não tá feliz com o salário e ele precisa de você...e eu também.

— E se tu falasse?

— Ah meu querido, tu pede e eu reforço.

— Ai Charles, não sei.

— Cara, tu fala primeiro. Precisa parecer que tu quer ganhar mais.

Ele concorda com a cabeça e falamos mais um pouco sobre a família dele, a minha e esses problemas que achamos que só nós temos.

— Olha, Benício, fugir de um problema é besteira, ele fica te esperando lá na esquina, te acha de volta e fica furioso contigo, porque foi abandonado. — Explico e ele ri alto. Já disse e repito que o sorriso desse cara me atrai. O olhar tímido foge do meu e sob os cílios bonitos, o verde escuro se perde no nada. Benício limpa o rosto onde uma lágrima teimosa faz um trilho brilhante. Não duvido nada que esse cara seja meio depressivo, então apelo para a brincadeira. — Ei, tu já assistiu Sexta-feira 13?

— Sim, claro... porque?

— Imagina que teus problemas são o Jason. Tu usa um barco, trem, avião, ônibus, táxi, mobilete pra fugir dele e o desgraçado caminhando... te alcança. Sobre o problema tu já entendeu, né não adianta fugir.

— Eu sempre fui problemático. — Diz rindo.

— Tu não és tão problemático, és mais problematizador, olha, eu nem sei se tem essa palavra, mas é isso mesmo.

— Tá... — Ele olha para os pés quando me responde. Parece envergonhado. — Me comporto feito moleque né?

— Tu tens vinte e cinco, pode ser moleque sim. Tem homem de cinquenta que pede colo às vezes. Olha o seu Hercílio, quando tem os problemas com a tua tia, vem chorar no meu ombro. Somos todos moleques, Benício.

— Te odeio menos. — Ele me diz segurando um riso.

— Bobão. Ei, tá com sede?

— Tô.

— Vou pegar um cerva, ali no quiosque, quer o que?

— Coca.

— Gelo, limãozinho...

— Pode ser.

  — Ah, hoje bebe comigo. Vais tomar uma cerveja sim.

— Tá. 

Esse é meu Benício. Voltou ao normal, então está tudo bem outra vez. Não forço a barra, porque ele buscou meu ombro e não, o meu colo. Mas percebo que ele tinha algo mais para me dizer, só que o olhar foge quando ele percebe que algumas barreiras estão indo por terra. Não é um cara simples de conquistar ou desvendar. Logo o prazer é maior diante de sua companhia.

....

Já no sábado, no esquema de sempre, almoço gostoso na casa da minha mãe. Benício recusa o convite pra ir conhecer a dona Rochelle, mas promete que um dia me acompanhará.

Vida de solteiro às vezes é enfadonha. Ai que desperdício é ficar na cama roncando num sábado de sol. Mas eu fico e estando da fase onde a solidão grita alto dentro da gente. Douglas é uma boa opção, porém estou me fazendo de difícil e ele me liga, querendo dengo.

— Fala...

— Charles, vem fica comigo aqui, tô em casa.

— Ah, se queres mesmo me ver, hoje tu atravessa a cidade e venha ficar comigo. Tô um pouco cansado disso, Douglas. Quem gosta faz um esforçozinho, tu não achas?

— E se eu for?

—Então vem.

Enfim... eu e Douglas somos carentes. Dessa vez ele vem e me abraça na porta da minha casa. Deita a bochecha no meu peito e ali fica, ganhando um cafuné no cabelo. Só mais tarde quando estamos largados no sofá, resolvo que está na hora de puxar algum assunto. Ele chegou há meia hora e mal me cumprimentou. Gosto desse cara, gosto muito. Ele é boa pessoa, um cara correto, mas para relacionamento é terrível. Não quero e nem vou mais me iludir, a gente fica enquanto tiver fogo pra queimar.

— Tua família já se "pirulitou" pro Rio Grande?

— Já foram. Eu sinto saudade, principalmente da dinda.

— Aquela que falou comigo?

— É. Ela é uma das poucas que sabe e meio que ignora...

— Tua família é "cabreira" contigo, acho isso foda. Douglas, desse jeito tu vais viver infeliz. Tu já vive sozinho, se sustenta e não deve nada pra eles, tua vida íntima é tua, meu querido.

— Nem todo mundo tem a tua sorte.

— Sorte? Douglas, sorte é ganhar na loteria sem jogar. O resto é o que tem que ser! Onde não tem estrada, a gente abre uma trilha com o facão.

— É fácil falar...

— Verdade, é muito fácil falar. Mas eu não fico só nisso. Eu faço. Quando eu te disse que rolou o apoio da minha mãe, foi porque eu fui muito firme e se ela não me quisesse mais por perto, eu ia embora. No teu caso, tu já mora em outro estado. Tens rabo preso com alguém?

— Não, Charles... — Ele funga. Ah, meu ponto fraco. Não posso ver alguém chorando que arrego fácil.

— Dorme aqui... nunca quisesse dormir aqui, hum?

— Deixa eu ficar?

— Sempre deixei, basta tu querer.

E finalmente, ele aceita passar uma noite até o cantar do galo, abraçadinho comigo. Espero que quando eu acorde, não esteja sozinho, pois isso já me aconteceu antes e justamente com esse cara.

******  

Oiiii Pessoal! Eu tava sumido, mas era por uma causa nobre, hehe... nem vou falar que era porque tava só comendo, bebendo e passeando, nem falo.

É isso, beijos e mais beijos♥

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