Repertório de Miami
— Espera aí, Rosa!
Andava em passos apressados driblando turistas, até parar em frente dos elevadores e entrar em um deles.
— Eu não gosto que me ignorem! — Javier segurou a porta do elevador e entrou. — Principalmente tu.
— Por que ele veio, Jávi? — senti ardor nos olhos por tentar segurar as lágrimas.
— Ele insistiu.
A porta fechou e nós começamos a subir, sem ao menos apertar algum botão. Senti minhas pernas estremecer por causa da altura, reduzindo as pessoas lá embaixo cada vez mais na estatura.
— Você sabe que não podemos ficar
juntos. — sequei as lágrimas.
— E não estão juntos faz meses.
— Você entendeu. — cruzei os braços e ele suspirou, tomando um gole da cerveja que só naquele momento percebi que segurava.
— Se está te afetando é porque ainda tem sentimentos. — arqueou as sobrancelhas e fixou seus olhos verdes nos meus.
Eu não soube o que responder. Carlos Daniel foi muito importante, sim. Portanto, eu não queria aceitar ou admitir estar ainda apaixonada por ele.
— Você sabe que tem mais, além de sentimentos. — disse, depois de piscar um par de vezes.
A porta do elevador abriu e demos conta que estávamos no último andar. De cara para o mar, ficamos na borda com algumas pessoas e acompanhamos a lotação de turistas que andavam na direção da popa do navio.
— Mas você não tem certeza se ele é...
— Não importa! — interrompi.
— É claro que importa!
— Não, não importa. — tomei a garrafa de cerveja da sua mão e tomei um gole. — E chega desse assunto.
— Escuta aqui sua — pegou a bebida de volta e apontou o indicador para mim. — praga ambulante que eu chamo de prima. — parei de andar e segurei o riso. — O Carlos também é meu amigo.
— Então me deixa em paz. — dei de ombros e avistei os prédios de Miami. Eu sabia que Carlos era importante para eles, era meu também, muito mais que uma simples amizade por sinal. Mas o que acontecia era que eu e Carlos não podíamos estar tão próximos, e todos sabiam disso.
— Finalmente! — a voz de Maria me arrancou dos devaneios, levando consigo a minha atenção. — Demorou, mas conseguimos achar vocês.
O vento agitava o negrume do cabelo escorrido e curto de Maria Elena, sacudindo as duas únicas mechas brancas na frente do seu cabelo. Segurando duas champanhes, ela se aproximou juntamente de Sebastián, e eu, quase deixei meus olhos rolarem por objeção.
Irmão, pensei.
Lógico que era mentira. Sebastián era muito mimado para ter irmãos. Eu devia ter confiado na minha intuição.
— Tá na hora de se despedir de Miami. — Sebastián pegou uma garrafa das mãos de Maria, começou a remover o lacre e o arame. — E partiu Caribe! — saltou a rolha pro alto e espumou um pouco da bebida sobre a mão até no chão.
Não contive a sorrir, afinal era um momento para festejar. Recebi a garrafa e dei um gole, derrubando um pouco sobre o queixo. As boas risadas entre amigos indicaram que a diversão fluiria pacificamente, porém, ao invés disso, meus olhos encontraram entre uma goleta quem eu não queria ter visto. Carlos Daniel bebia a cerveja direto da garrafa, escorado na vidraçaria de uma grande janela. Meu sorriso se desmoronou lentamente, portanto, minhas vistas continuaram pregadas nele. Seus olhos eram algo que perdurou na minha mente. A cor âmbar que sempre me manteve aprisionada, como naquele momento.
— Carlos, não fica aí parado! — Jávi chamou sua atenção e ele me olhou como se pedisse permissão. — Vem aqui de uma vez, cara! — o verde dos olhos de Jávi me notaram de cantinho, ao passo que eu não consegui evitar em demonstrar adversidade.
Respirei fundo e derrubei o olhar. Porque mesmo estando aborrecida, eu não podia impedi-los de se divertirem. Carlos Daniel se locomoveu um tanto hesitante e em poucos segundos estava ele na roda de amigos. Contrariada, eu me pus de costas e mudei meu campo de visão, passando a admirar a cidade de Miami se tornar tão pequena. Já estávamos em uma distância considerável, e meu coração batia loucamente por estar incomodada, frustrada. As conversas e as risadas me perturbaram constantemente, me deixando afetar por sua impetuosa presença, por isso, eu saí sem dizer nada.
🤘🏼🖤🤘🏼
As malas estavam em frente a porta da cabine, então as levei para dentro e deixei em um canto sem me importar com elas. Eu queria apenas deitar na cama e me permitir a passar raiva, afundando o rosto no travesseiro e apertando os dentes com furor.
Meu iPhone vibrou. De novo, e de novo. Meia hora depois, bateram na porta. Ergui a cabeça e encarei meu rosto no grande espelho na parede. Eu estava devastada.
— Rosa, abre a porta. — era a Maria. — Esqueci o cartão de bordo no quarto, então não consigo abrir a porta. — Larguei um suspiro carregado e assentei na cama. — Vamos, abre de uma vez. Não quero ficar plantada aqui igual uma...
Abri a porta.
— Cala a boca e entra de uma vez. — dei as costas e voltei a afundar o rosto no travesseiro.
— Parecendo morta assim eu te jogo no mar. — empurrou levemente meu ombro e eu fiz descaso. — Vamos lá, sua chata, reage porra!
— Me deixa, Marimar. — minha voz soou abafada, porém tive que olhar seu rosto e inevitável foi nós segurar o riso.
— Pelo jeito não está tão mal assim. — começou a desfazer a mala e selecionar roupas, arrumando-as em um dos lados no roupeiro. — Vai ficar deitada o dia todo no seu primeiro dia de cruzeiro?
— Só até quando me sentir melhor.
— Então é melhor te jogar no mar mesmo. — deslizou o polegar no iPhone e colocou Avril Lavigne em sua playlist.
— Ah, não. — usei o travesseiro de protetor de ouvidos. — Isso nem é rock. — resmunguei.
— Hey, hey, you, you. I don't like your girlfriend. — cantou com a voz aguda.
Me irritar era seu hobby favorito.
— Ta legal, o que você quer de mim? — levantei e peguei o iPhone dela. — Desliga, por favor. — alcancei o aparelho.
— Quero comer. — ignorou e começou a se despir. — São duas da tarde e não almoçamos ainda. — escolheu uma peça de roupa em uma das pilhas que guardou no roupeiro.
— E o que eu tenho a ver com isso? Desliga essa merda de uma vez. — assentei na cama.
— No way, no way. No, it's not a secret. — voltou a importunar com a cantoria.
Bufei e minhas costas encontraram o colchão. Pelo jeito, eu teria que suportar aquele som desprezível enquanto ela se produzia para curtir as férias. Vestiu um vestido preto e rodado, realçando suas curvas e destacando o pouco busto com tiras largas. Apesar de estar acima do peso, Maria Elena sempre foi vaidosa e atraente, chamando atenção facilmente por onde passava.
— Espero que mude de ideia e venha almoçar com a gente. — desligou a playlist e eu agradeci mentalmente.
— Ele vai também?
— Sim, e você vai ter que superar e suportar nosso amigo, Carlos Daniel. — deslizou o batom vermelho nos lábios carnudos.
Superar? Transtornei brutalmente os olhos e desejei a morte. Ele era o preferido.
— Bom, esperamos você no restaurante... — pegou a programação do dia acima do aparador e leu o panfleto por alguns segundos. — Restaurante Johnny Rockets, tá bom?
— Eu não vou.
— Vai sim, porque eu já salvei todas as músicas da Avril Lavigne e estou louca pra ouvir juntinho com a minha melhor amiga. — deu uma piscadela e saiu antes que eu pudesse protestar, me restando a pegar o travesseiro e lança-lo com força na porta.
🤘🏼🖤🤘🏼
Olhava para a sandália em meus pés, enquanto eles se moviam ligeiramente. Por mais que não estivesse apressada, eu não conseguia andar devagar. Eu estava ansiosa, nervosa. Não era para ele estar aqui. Portanto, eu não iria permitir que a sua presença fosse destruir o meu cruzeiro. Avistei o letreiro do restaurante e engoli a saliva. Passei as mãos na saia xadrez em tons acinzentados e ajeitei a franja ondulada acima das sobrancelhas avistando-a pela tela do celular.
O restaurante era temático dos anos cinquenta, com bancos vermelhos e estofados como um Diner norte-americano. O rock n'roll estava presente na voz de Elvis Presley pelo jukebox, e os quadros e flâmulas faziam parte da decoração relacionados ao anos dourados. Algumas mesas se destacavam pelos bancos parecerem traseira da carroceria de um cadillac antigo. E foi ali que encontrei meus amigos.
Pensei que não pudesse andar devagar até naquele momento, me aproximando com cautela quando os risos cessaram assim que colocaram os olhos na minha presença. O silêncio regeu e eu sentei no único lugar vago, na frente de Carlos Daniel. Séria e de nariz empinado, eu mantive a postura encarando aquele homem que devia evitar.
— Bom, nós já fizemos o pedido. — falou Jávi, depois de pigarrear.
— Devo me retirar e deixar vocês a vontade? — olhei para meu primo sentado ao lado de Carlos.
— Eu só quero dizer que vai ter que pedir também — falou quase que pausadamente. —, carniça do meu coração.
Levei meu olhar para aquele que estava em minha frente e Carlos estreitava os lábios para não sorrir, me fazendo recordar de todas as vezes que achou graça dos apelidos carinhosos que Jávi colocava em mim.
— Deve estar se divertindo muito, não é mesmo? — perguntei com tom autoritário para Carlos.
— Você devia fazer o mesmo. — ergueu o caneco e bebeu o Chopp, deixando o pulso a mostra para meus olhos notar a pulseira prateada que eu o havia presenteado.
Ele ainda usava.
— Eu estava muito bem até você chegar.
— Estava mesmo? — deu outra goleta. — Acho que o teu namorado não pensa o mesmo.
— Bem que eu suspeitei que era você que estava me vigiando. — peguei o caneco de Sebastián que estava ao meu lado, e sequei a bebida em frações de segundos. — O que eu faço da minha vida não te diz respeito.
— E eu digo o mesmo. — também secou a bebida do seu caneco.
— Eu queria fazer esse cruzeiro muito mais do que você! — enalteci a voz.
— Rosa, minha prima amada. — Jávi chamou minha atenção num tom sarcástico, pois a garçonete estava com os lanches prestes a pôr na mesa. — O que, você vai, pedir?
— Por que você está aqui? — Ignorei e continuei minha discussão.
— Ai, ela também vai querer um hambúrguer artesanal e uma porção de batatas fritas. — Maria proferiu.
Eu permaneci a encarar o par de olhos cor de âmbar a minha frente, e ele fazia o mesmo. O cabelo castanho claro estava bagunçado e mais alto no meio da cabeça de um jeito moderno, por estar todo posto para um dos lados e deixando visível a outra lateral que era raspada com frequência.
— Até onde eu sei, qualquer um pode comer aqui. — Carlos passou os dedos no ondulado do cabelo.
— Estou me referindo ao navio. — apertei os dentes ao falar.
— Pergunto o mesmo.
— É o meu cruzeiro! — me pus de pé.
— Devo chamar a segurança? — a garçonete proferiu, e Sebastián me puxou pelo braço.
— Não será necessário, não é Rosinha do meu jardim? — Jávi me olhou com descontentamento, então eu voltei assentar.
— Pode me trazer mais um Chopp, por favor? — pediu Carlos, antes que a garçonete pudesse se retirar.
— Pra mim também, obrigado. — Sebastián chacoalhou o caneco vazio.
— Então é assim? — larguei uma risada irônica. — Vamos ficar aqui bebendo e fingindo demência?
— Rosa, pelo amor de Deus. — Maria apoiou seus dedos na testa.
— Fica quieta ou vão te expulsar daqui. — Jávi me ralhou.
— Eu sei que são amigos, Jávi. — me ergui novamente. — Acontece que nenhum de vocês pensaram em como eu iria me sentir.
— Isso não é verdade. — Jávi fez menção de se erguer, porém Carlos chamou a atenção de todos com o ranger do banco ao se levantar primeiro.
— Eu só acho que não precisamos nos afastar por causa do nosso... — pensou com pesar, porém completou ao dizer: — Parentesco.
— Eu não quero ficar perto de você. — fui ríspida, portanto passei a sentir ardor no fundo dos olhos como o pesar no interior de meu peito. — Combinamos que seria assim.
— Não, você quis assim.
— É incesto! — ergui a voz mais uma vez e ele negou com a cabeça. — E você — apontei o indicador. —, sabia que era meu primo de primeiro grau o tempo todo e escondeu isso de mim.
— O tempo todo não. — se defendeu e Jávi se ergueu pedindo silêncio. — Eu me apaixonei por você antes mesmo de descobrir.
— E decidiu esconder de mim, até que eu mesma descobrisse sozinha. — olhei para Javi me recordando do dia que vi os dois se abraçando e compartilhando alegria por serem primos.
— Porque o que eu sinto é maior que um grau de parentesco.
Sente?
Esperei por um tempo para poder ouvir mais de sua voz. Mas não, ele se manteve calado com os olhos fixados na lágrima que tinha deixado escapar.
— Com licença. — girei meu corpo e olhei para a dona da voz. Acabei franzindo a testa por reconhecer a ruiva metida que antes vi no terminal, acompanhada de dois seguranças. — Vou ter que pedir que a senhorita deixe o estabelecimento. Está importunando os passageiros. — seu semblante cínico parecia gostar da ideia de me expulsar dali.
— Eu já ia sair mesmo. — encarei a ruiva e passei pelos seguranças, deixando meus amigos para trás. Sequei as lágrimas e ignorei olhares alheios até passar pela porta do restaurante. Com alguns passos, eu parei na frente de uma vitrine com trajes de banho em cores vibrantes como o rosa neon, enquanto acompanhei a ruiva passar com aqueles seguranças.
— Deviam proibir a embarcação de rebeldes. — ela frisou quando viu minha face através do reflexo na vitrine.
Pensei na minha defesa, mas agilmente decidi me calar. Estava muito nervosa e não queria correr o risco de ser desembarcada no próximo terminal. Além do mais, meu iPhone tinha acabado de vibrar notificando uma mensagem. Era Rafael.
Não faz isso comigo, Rosa
Eu preciso de você
Suspirei e movimentei as pontas dos dedos na lateral de minha cabeça. O stress já estava afetando meus neurônios.
— Rosa, você está bem? — Sebastián se escorou na vitrine com um palito nos dentes.
— Te mandaram aqui?
— É que agora é minha vez de ir atrás de você. — retirou o palito dos dentes e eu deixei meus olhos rolarem.
Era só o que me faltava.
Virei as costas e adentrei aquela loja. Decidi escolher um biquíni e mudar minha forma de pensar, começando por uma peça de roupa. Eu não ia ficar parada e remoer antecipadamente pelo o que eu acreditava que poderia acontecer. Eu iria mudar.
🤘🏼🖤🤘🏼
Girlfriend.
— Avril Lavigne.
Don't be cruel.
— Elvis Presley.
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