No Clássico e de Branco
As crianças brincavam no tobogã, enquanto a música alegrava as pessoas em volta da piscina. O som não era o meu favorito, porém aquilo era o de menos, pois a vergonha passou a dominar quando eu comecei a tirar a roupa. Os olhares alheios pousaram em meu corpo quando retirei peça por peça, deixando totalmente amostra a tatuagem de uma fênix na lateral da cintura, decorrendo no quadril até a coxa. As outras tatuagens faziam companhia uma com as outras, espalhadas por todo o meu corpo como obra de arte. Eu não tinha problema com o meu corpo e nem com as tatuagens, todavia, a pequena peça que me cobria era cor de rosa, e neon. Aquilo era o problema.
Prendi meu cabelo ondulado num coque frouxo e assentei em uma das espreguiçadeiras vazias que tinha por perto. Estiquei meu corpo e relaxei na sombra do guarda-sol, respirando o ar puro que emanava do oceano. Talvez aquele era o momento para colocar meus pensamentos em ordem. Assim eu esperava.
Sobre uma mesa arredondada ao lado, meu iPhone vibrou arrancando minha paz. Tentei ignorar mas o aparelho insistiu. Continuei não dando ouvidos, e me permiti fechar os olhos e curtir aquela música pop difícil de aturar.
— Com licença. — olhei para o dono da voz masculina e meu coração errou uma batida, quando avistei o rosto moreno do tripulante que já conhecia, segurando uma taça de margarita sobre uma bandeja. — Mandaram lhe entregar. — colocou a bebida sobre a mesa.
— Quem? — ajeitei meu corpo na espreguiçadeira sentindo meu rosto corar tão ligeiro, quanto as indagações que surgiram sobre o porquê desse homem me atrair tão facilmente.
— Me desculpe, senhorita, mas não posso dizer. — sorriu ladino e deu dois passos atrás, deixando escorregar suas pupilas sobre meu corpo antes de sair.
Fiquei por um tempo observando o físico daquele homem, um moreno alto com um corpo bem trabalhado, e admirado. Depois de piscar um par de vezes, eu olhei envolta a procura da pessoa que teria comprado aquela bebida. E nada. Nada de anormal. Segurei a taça e lambi o sal na borda, sentindo a tequila descer ardida na garganta depois que bebi pelo canudo. Antes que eu pudesse ajeitar novamente meu corpo na espreguiçadeira, eu avistei Rafael se aproximando em minha direção. Frouxei os ombros e supliquei mentalmente por paz.
O que mais iria acontecer?
— Por favor, conversa comigo. — ele chegou mais perto e sentou nos pés da espreguiçadeira.
— Rafael, não temos mais nada pra conversar, a não ser que tenha acontecido algo muito grave. — beberiquei mais uma vez a margarita.
— Você terminou e não me deu ouvidos, nem minhas mensagens respondeu.
— Por favor, não complica as coisas. — apoiei meus dedos na testa.
— Rosa — sentou mais perto. —, minha família está no navio e quer te conhecer.
Franzi a testa e meus pensamentos se perderam no subconsciente. Só o que conseguia fazer era ficar com a boca entre aberta e observar seus olhos negros diante dos meus.
— C-como assim?
— É comum meus pais fazerem cruzeiros, então aproveitei seu sonho de navegar pelo Caribe e tornar possível esse encontro de vocês. — ele esperou por uma resposta, porém o que recebeu era minha aflição. Eu estava sem reação com os olhos estagnados. — Eu poderia até conhecer tua mãe em Belize, como você sempre quis. — passou seus dedos na minha bochecha. — Rosa, está me ouvindo?
— Estou. — pisquei uma sequência de vezes e segurei a mão que acariciava meu rosto. Era muita informação de uma única vez.
— Não precisamos terminar assim. Tudo o que você queria, eu planejei realizar aqui. — sua voz penetrou meus ouvidos de uma forma suave, enquanto seus olhos pareciam encontrar meu interior. — Eu não quero perder você, Rosa.
Me mantive em silêncio. Naquele momento, eu desejei estar novamente ao seu lado como um casal.
— Eu não sei o que dizer. — me pus de pé e seus olhos vaguearam sobre mim. — Agora ficou tudo confuso.
— Confuso por que? — se ergueu.
— Porque... porque... — larguei a margarita na mesa e avistei o tripulante servindo bebidas para os passageiros. — Porque eu não tava esperando por isso.
— Mas é como você queria!
Sim, era como eu queria. Portanto, não havia mais só o Rafael. Eu estava realmente confusa. Peguei a margarita mais uma vez e bebi tudo em poucos goles, abandonando a taça na mesa logo em seguida. Deixei Rafael para trás e andei até a piscina, mergulhando na água gelada para sentir se esvair toda aquela tensão que me percorria. Nadei até o outro lado e emergindo da água, eu sentei na beira da piscina e olhei para Rafael. Na sua direção também estava o bartender, limpando uma mesa enquanto seus olhos acompanhavam o movimento de meus dedos passando pelos fios de meu cabelo encharcado.
A tensão retornou quando Rafael assentou em meu lado e mergulhou os pés na água. Jogou suavemente meu cabelo para trás e me levou pela nuca até seus lábios. Pensei em protestar, porém nada mais fazia sentido. Por isso, me deixei levar pela trama que a vida estava traçando e permiti que o beijo acontecesse.
— Isso quer dizer que está tudo bem entre nós? — deslizou sua mão em meu braço até segurar minha mão.
Engoli a saliva e desviei seu olhar para a diversão das pessoas. O bartender não estava mais em nenhum lugar, porém fui capaz de encontrar Carlos Daniel com meus amigos andando entre os turistas.
— Eu não sei mais no que pensar. — acompanhei os passos deles e Rafael olhou na mesma direção.
— O que ele está fazendo aqui? — disse num tom meio irado.
— Também fui pega de surpresa.
— É por isso que quis terminar comigo?
— Isso não tem nada a ver uma coisa com a outra. — irritada, eu me ergui e decidi voltar para a espreguiçadeira, ignorando meus amigos que haviam chegado.
— Oi, Rafael. — Maria o cumprimentou, antes que ele pudesse ir atrás de mim.
Ajeitei meu corpo na espreguiçadeira e me permiti observar Jávi conversar com Rafael, ambos fazendo esforço para o diálogo acontecer. De longe eu percebia os olhos de Rafael encarar Carlos fazer pouco caso de sua presença, sentando no único lugar que fazia sombra na beira da piscina. Olhei para Maria e ela franziu a testa como se me perguntasse o que eu estaria fazendo com Rafael se já tínhamos terminado o namoro. Ou talvez era a cor extravagante do meu biquíni. Pois bem, eu sempre dizia que ex era ex e que rosa era só em meu nome. Eu não me reconhecia mais.
Rafael deixou meus amigos e veio até mim, assentando na espreguiçadeira ao lado que a recém tinha sido liberada.
— Deve ser uma tortura ficar perto deles.
— Não diria tortura, mas sim gostos diferentes. — se ajeitou na espreguiçadeira e eu deixei meus olhos examinarem sua pele tão clara ser afetada pelos raios do sol. — Pra você parece ser uma tortura, porque geralmente não desgruda deles.
— Eu só tô querendo ficar sozinha.
— Então eu peço desculpas, porque eu não consigo ficar longe de você. — ficou por um tempo admirando meus olhos, decorrendo em meu corpo. — Meu Deus...
— Eu sei, cor de rosa é horrível.
— Não. — abriu um sorriso. — Você está linda.
Abri um sorriso minimamente e voltei a olhar meus amigos se divertirem na piscina. Carlos estava quieto demais, levando as vezes o seu olhar para mim, mas se recusava mostrar o quanto estava afetado, deixando se levar pelas brincadeiras de Sebastián ao mergulhar na piscina.
🤘🏼🖤🤘🏼
O sol estava quase se pondo enquanto eu fiquei em uma varanda cercada pela vidraçaria alta, assistindo a diversão das pessoas com a música ao vivo que acontecia no deck da piscina em dois andares abaixo. Fiquei tão concentrada que acabei nem percebendo, por um tempo, que havia mais alguém ao meu lado.
— Você fica mais bonita de preto. — a voz masculina buscou minha atenção consigo. Era o bartender.
Senti meu rosto corar e agradeci com um sorriso. Retornei a olhar para a multidão e escorreguei minhas mãos no tecido leve do vestido que acentuava minhas curvas de uma forma mais sexy.
— Você também não fica nada mal com roupas escuras. — observei o homem pelo canto dos olhos que sorriu. A camisa social preta realçava os músculos por debaixo do tecido e seu tórax era um pouco visível por alguns botões abertos.
— Jacob. — estendeu a mão e eu o segurei.
— Rosa, muito prazer.
— O prazer é todo meu, Rosa de preto. — fixou seus olhos verdes nos meus, me arrancou mais um sorriso. Eu já estava acostumada a ouvir piadas sobre meu nome e estava tudo bem. — Uma Rosa de rosa também não fica nada mal.
Sorri e mordi o lábio inferior. Ele se referia ao biquíni. Senti o ardor percorrer pelo meu rosto, e ele percebeu.
— Posso te pagar uma bebida? Uma margarita talvez.
— Foi você!? — arqueei as sobrancelhas ao retomar o olhar nele. O homem balançou a cabeça com sinal positivo em resposta. — Tá bom, eu aceito.
Mais atrás tinha um bar com poucos fregueses, então nos direcionamos até lá e ocupamos as banquetas estofadas sob a bancada com luminárias. Jacob cumprimentou seu colega com uma piscadela e pediu o drink que me prometeu.
— Você não terá problemas estando aqui comigo?
Eu sabia que tripulantes não podiam se envolver com os passageiros. Era uma norma dada por seus superiores.
— Eu sou mais ardiloso. — abriu a garrafa pet de água gaseificada, depois que o outro bartender deixou as bebidas na bancada. — A essa hora a maioria dos oficiais devem estar lá embaixo na apresentação. E também avisei ao Rh que uma parente estaria a bordo, então não terei problemas.
— Uma parente? — neguei com a cabeça aos risos.
— É o que alguns de nós se submetem a fazer quando encontram uma moça bonita pelo navio. — abriu aquele mesmo sorriso ladino de sempre, enquanto eu sentia meu rosto fervilhar. — Ainda mais quando se tem olhos verdes e o cabelo azul, deixando-a mais ousada e misteriosa.
Inevitável foi segurar o sorriso e tentar esconder a cor rubra que sentia arder no meu rosto. Fazia muito tempo que não ficava naquela forma. Pelo jeito, ele era bom nisso. Ele era um libertino bem atrevido.
— Você não bebe? — olhei para a garrafa em sua mão ao mudar de assunto.
— Hoje não, porque ainda vou ter que trabalhar até tarde da madrugada. — tomou um gole da água. — Vai sair pra festejar?
— Talvez... um pouco. — beberiquei a margarita. — O dia de hoje foi bem exaustivo.
— Está se referindo ao namorado?
— Eu não tenho namorado. — balancei o canudo na taça. — Não mais.
Ele sorriu mais uma vez e voltou a olhar para o colega que parecia estar bem curioso. Jacob se aproximou e colocou uma mecha de cabelo atrás de minha orelha, levando sua boca até o pé de meu ouvido.
— Então se você quiser — murmurou e meus pêlos se ergueram instantaneamente. —, pode ir um dia desses comigo em uma das festinhas que os tripulantes fazem as escondidas. — endireitou seu corpo e eu fiquei sem jeito, igual a uma adolescente de quinze anos.
— Vou pensar com respeito. — segurei o riso por segundos, porém ele dificultou e sorriu ainda mais.
Mantemos o diálogo por um longo período de tempo e os aplausos indicaram o fim de uma música muito famosa, fazendo nós cair em si que realmente os minutos haviam passado muito depressa.
🤘🏼🖤🤘🏼
Tocava músicas aleatórias para agradar todos os gostos e o deck estava decorado de uma forma bem descontraída, com cores e tudo que remetia dias felizes de férias, como também um telão gigante que fazia parte da área da piscina, rodando vídeos aleatórios para acompanhar cada música. A festa era temática e todos vestiam branco, ao contrário de mim e meu grupo de amigos que vestiam preto. Como sempre dizíamos, nós era os Do Contra.
— O que deu que está com uma carinha mais animada? — Jávi perguntou, quando reduziu os seus passos e andou do meu lado deixando os outros na frente com Carlos Daniel.
Eu não tinha como evita-lo completamente, mas também não iria deixar que sua presença estragasse com o meu cruzeiro.
— Digamos que me distrai um pouco dos problemas.
— Sinto cheiro de macho. — jogou seu braço em meus ombros e eu concordei com a cabeça. — Ui, meu Deus, tem um terceiro a bordo nesse coração!
— Jávi! — parei de andar e avistei os seus olhos verdes. — Fica quieto que ninguém pode saber.
— Por que? — franziu a testa. — O que tu aprontou, estrume?
— Ele é um tripulante. — murmurei.
— Ah, não! Você deve estar louca pra ser desembarcada, só pode! — enalteceu a voz e eu pedi silêncio com o indicador sobre os lábios. — Já não basta o amor proibido de você e o Carlos Daniel?
Olhei para Carlos ao longe, e meu olhar decaiu com pontadas em meu coração. Puxando de meu consciente as milésimas vezes que imaginei em como tudo seria diferente se não fossemos primos.
— Nós só conversamos por alguns minutos. — pisquei um par de vezes ao sair de meus devaneios. — E você já o conhece. — ele franziu a testa. — É aquele que nos guiou para dentro do navio.
— Humm... então devo concordar que seria bom arriscar e investir nele, carniça sortuda. — me puxou pelo braço e retomamos a andar.
Todos os locais estavam festivos por causa disso, passeamos pelo interior do navio onde a música clássica se fazia presente nos instrumentos musicais e nas vozes mais potentes. Em cada canto havia alguém tocando ou cantando, como um festival de músicas clássicas.
Um pianista solo tocava November Rain de Guns n' Roses, num piano abaixo do grande lustre feito de cristais no centro do salão principal. Paramos para admirar o instrumentista atuar de forma constante na leitura das partituras e no dedilhar agilmente pelas teclas. Era algo que deixou todos boquiabertos pela execução de tanto talento.
— When even friends seem out to harm you. But if you could heal a broken heart... — cantei baixinho, imaginando o guitarrista Slash balançando o volume de seu cabelo com uma cartola, fazendo aquele show que sempre foi acostumado nos anos oitenta.
— É incrível, não é?
Olhei para o lado e avistei Rafael todo vestido de branco, inerte diante daquele pianista.
— É... — com poucas palavras, eu movi as pupilas para o canto dos olhos para notar Carlos cabisbaixo com as mãos se movendo dentro dos bolsos. Ele estava nervoso.
Rafael segurou minha mão e me puxou levemente para fora da roda de curiosos. Deixei ser levada sem ao menos ouvir mais de sua voz, até ser guiada em poucos metros para algumas mesas na frente de um pequeno restaurante italiano.
— O que vai fazer? — perguntei, quando percebi que nos aproximamos de uma mesa lotada por pessoas que desconhecia. — Rafael, não. E-eu... — me atrapalhei pra dizer, pois eu não estava preparada. Eu fui pega desprevenida.
— Mãe, pai. — ele entrelaçou os dedos nos meus, enquanto eu arregalei meus olhos. — Essa é minha namorada, Rosa.
A mulher de cabelo levemente descolorido se ergueu e me olhou dos pés a cabeça. Eu era única com um estilo excêntrico e que vestia preto entre eles, talvez pelo navio todo também. Portanto, abri um sorriso forçado enquanto a mulher veio ao meu encontro e me abraçou.
Minha atenção foi levada para os aplausos que anunciaram o fim da canção do pianista, deixando minhas vistas pousarem naquele olhar âmbar de Carlos. Em meio das pessoas, ele me observava. Eu o olhava. O homem que aparentemente seria meu primo, se moveu e andou em minha direção deixando meus sinais vitais desordenados com a cada passo que nos aproximava. Meu coração pulsava na garganta.
Rafael apertou meus dedos nos seus e a conversação de seus parentes pareciam inaudíveis para mim, pois minha concentração estava apenas em Carlos Daniel. Seus olhos fixaram nos meus no momento que ele passou por mim, me deixando pra trás com Rafael e sua família. Talvez, a partir daquele momento, Carlos me deixaria para sempre.
🤘🏼🖤🤘🏼
November Rain, piano instrumental.
November Rain.
— Guns n' Roses.
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