Lounge do Comandante

Havia uma aérea externa como uma varanda bem planejada pelo paisagismo. Os vasos de plantas estavam bem distribuídos entre as mesas altas com banquetas confortáveis, e o vento circulava com bastante sutileza bagunçando poucas mechas do meu cabelo. Sentia a mão de Rafael sobre a minha cintura, conforme ouvia o Capitão engrandecer suas aventuras em alto mar entre a roda de amigos e alguns passageiros. Com certeza aquela profissão necessitava de muita qualificação para exigir tanta responsabilidade, não nos deixando dúvidas, que era uma das mais respeitadas e merecia ser prestigiada.

Um senhor de pele escura e poucos fios brancos no cabelo bem cortado, no qual dizia ser o antigo Comandante da companhia, participava da conversa com muita empolgação. O velho de estatura alta estava com o físico em forma de acordo com sua idade aproximada dos sessenta anos. Sua disposição mostrava que a juventude ainda existia no seu interior com muito vigor. Simpático, ele também colocava suas experiências expostas e todos admiravam atentamente aquele homem de muitas palavras, ou melhor os dois aventureiros com muitas histórias para contar.

Os petiscos de camarão e os drinks eram servidos constantemente, satisfazendo os convidados durante aquela conversação. Portanto, meu olhos não se contentavam com o pouco caso que Jacob fazia. Ele estava estranho.

— Como você se chama mesmo, rapaz? — o senhor ex Comandante chamou minha atenção, quando apoiou a mão no ombro daquele que me fazia companhia.

— Rafael. Senhor...?

— Mccoley. Jamie Mccoley. — concluiu e nos cumprimentou. — Já pensou em realizar o casamento no navio, Rafael? — o homem me olhou e sorriu mais extrovertido, no momento que pegou um drink da bandeja de Jacob.

Os olhos castanhos do tripulante cruzaram com os meus, porém desviaram rapidamente enquanto eu maneei a cabeça negativamente:

— N-não, nós não...

— Com certeza — Rafael me interrompeu. —, essa será uma das possibilidades. — me segurou firme na cintura, na expectativa de manter meu silêncio.

— Casamento? — a mãe dele pronunciou pasmada quando ouviu e sorriu para o marido por conseguinte.

Meu rosto ardeu indignada. Por mais que meu semblante tenha demonstrado aversão, eu preferi me calar e fingir tamanha falsidade. O Capitão era um homem que merecia respeito, e eu não iria apontar deselegância numa festa tão esnobe.

— Eu peço licença, senhores. — mostrei um sorriso forçado. — Preciso ir ao toalete.

— É claro, senhorita. — o atual Comandante ergueu o chapéu quepe que usava naquela ocasião, assim como o velho Mccoley permitiu, quando liberou o caminho saindo de minha dianteira.

— Não esquece que depois vamos jantar. — Rafael segurou minha mão e demonstrou possessão num único olhar.

— Eu só vou, se você desmentir tudo o que disse até agora. — minha língua foi mais ágil que meus pensamentos.

Rafael arregalou minimamente os olhos e o silêncio regeu entre todos, porém ele se aproximou e sussurrou em meu ouvido:

— Eu disse que você era da família, lembra? Se não, não estaria num lugar como esse.

— Então meu lugar não é aqui. — encarei o negrume de seus olhos e ele não protestou. Retirei minha mão da sua e atravessei aquela sala privada com passos apressados.

Um rosto conhecido foi o que avistei quando passei pela porta. A ruiva metida que não via a tempo, estava com outros três homens e me encarou com o mesmo desgosto de sempre. Seu uniforme escuro era de uma oficial da segurança, deixando seu semblante mais autoritário diante da minha presença.

— Precisa de alguma coisa? — ela ergueu a ponta do nariz para falar.

— No momento sair daqui.

— Pois então fique a vontade. — estendeu o braço e sorriu com escárnio.

Pensei em revidar, já que minha cabeça estava virada numa bagunça, portanto, o ranger de uma porta no corredor foi o suficiente para deixar minha sanidade tomar consciência e virar as costas para aquela mulher. Escutei uma risada baixa vindo dela, porém preferi dar de ombros e continuar andando na penumbra daquele corredor. Eu não entendia o porquê dela não me aturar e também não me importava. Deixei de lado, pois minha cabeça estava muito cheia para lidar com o possível preconceito dela.

— Rosa!

Ouvi a voz de Rafael no fim do corredor. Eu estava tão irritada que não esperei para escutá-lo. Virei no próximo corredor a direita e decidi adentrar na porta com a escrita: Acesso restrito. O local parecia uma passagem secreta para funcionários, porém não havia ninguém, me deixando com meus pensamentos enquanto acompanhava a sombra de Rafael transitar por debaixo da porta.

— Precisa de ajuda?

Dei um pulo de susto e me virei para o dono da voz masculina. Era Jacob. O moreno abriu um sorriso e deu um passo a frente, talvez se perguntando o que diabos eu estava fazendo por ali.

— Sabe que não pode estar aqui.

— É, eu sei. — minhas pupilas perambularam pelos cantos da sala e pousaram na fechadura da porta.

— Aconteceu alguma coisa? — com dois passos, ele se aproximou. — Precisa de ajuda?

— Não, eu... — meu IPhone vibrava. Era Rafael. — Só preciso de mais um tempinho por aqui. — abri um sorriso amarelo. Naquele momento eu senti vergonha por estar me escondendo feito uma criança.

— Está fugindo de alguém, não é? — ele presumiu.

— É, eu tenho essa mania de fugir de uma discussão. — abaixei a cabeça e passei a mão pelo tecido da saia.

— Mesmo do seu futuro marido? — buscou meu olhar para o seu sorriso zombeteiro.

Ele havia entendido tudo.

— Futuro marido!? — ri em escárnio e encostei as costas na parede, ao mesmo tempo que ele desfrutou do riso também. — Olha, eu não vou mentir que, eu queria muuuito conhecer a familia de Rafael e aceitar um possível pedido de casamento. Mas... — olhei fixamente para ele. — Se isso fosse a meses atrás.

— E o que mudou? — ele se posicionou bem ao meu lado e escorou o ombro na parede.

— Eu criei uma nova percepção. — fiquei de frente pra ele e meus olhos escorregaram para os lábios abaixo do bigode fino. — Parece que ele força as coisas, me sufoca, me manipula... Pelo menos é assim que me sinto. — desviei e voltei a escorar as costas na parede, quando percebi brotar em seus lábios um sorriso ladino. — Me desculpe, eu não devia estar aqui e estar te falando essas coisas.

— Se isso te fará bem, o mínimo que eu posso fazer é escutar. — sua respiração remecheu não só os fios de meus cabelo, como também os pêlos que se ergueram pelo atrito de sua voz. — A não ser, que não queira mais conversar.

— E o que eu poderia fazer aqui com você? — meu rosto corou entregando meu pensamento libidinoso que surgiu repentinamente.

— Não seria lisonjeiro dizer a você. — sorriu e não contive o riso.

Virei novamente de frente para ele e encarei seus olhos castanhos na espera do próximo passo. Ele por sua vez, aproximou o rosto e esperou por meu consentimento. Olhei para o semblante do bartender e me perguntei se era o que eu devia fazer. Por mais que no início de tudo eu pretendia procurar diversão depois de terminar com Rafael, naquele momento parecia que eu devia satisfação e respeito para meu ex namorado.

Ex namorado.

Pisquei um par de vezes e comecei a rir pela situação que me encontrei. Parecia uma louca paranoica cheia de turbulências mentais.

— Tá legal, e agora o que está acontecendo?! — me acompanhou na risada, mesmo sem compreender.

— Por um acaso você está incluso no meu pacote de diversão? — estreitei os lábios para segurar o riso e ele franziu a testa. — Porque sempre que estou prestes a explodir por stress, você aparece.

— Com certeza, eu não estou no seu pacote de diversão. — começou a rir. — Mas poderia estar, não acha?

— Talvez... — admirei seus olhos e mais uma vez me afundei na minha própria consciência.

Seus dedos tocaram minha mandíbula e eu redrobei a consciência quando ele acariciou meu pescoço e me levou para seus lábios. Senti seu beijo deixar meu corpo esvair toda aquela tensão, instigando sensações mais prazerosas conforme uma de sua mãos pressionou minha cintura e a outra segurou meu pescoço, nos deixando sem uma fagulha de espaço entre nós.

— Desculpa, eu... — disse assim que me separei de seus braços. — Eu não devia ter feito isso.

— Não devia?

— Não, não foi isso que eu quis dizer. — passei a mão no cabelo e suspirei fundo. — Só não sei se era o momento.

— Então eu que te peço desculpas. — pigarreou e se afastou um passo.

— Imagina... — cocei o alto da cabeça. — É só porque ainda penso que devo explicações a ele, mesmo quando não há mais um compromisso.

— Se não quer mais nada com ele, porque não fala de uma vez?

Porque... porque... Porque ele está mostrando esforço para dar certo?! Porque ele está lutando por mim?!

— Eu vou resolver isso de uma vez. — esfreguei os dedos na lateral da testa e suspirei fundo. — Eu tô ficando louca.

— Não diga isso. Você só está confusa. — segurou minha mão e me puxou para perto de si, depositando mais uma vez, um beijo intenso em meus lábios.

🤘🏼🖤🤘🏼

Onde você tá?
Vem logo, estamos te esperando.

...

Eu faço o que tu pediu, mesmo não gostando.

Estou chegando.

Adentrei no restaurante de alto padrão, minutos depois de mandar mensagem para Rafael. A iluminação proporcionava um local mais aconchegante, como luzes indiretas e destaques para a decoração. A música acústica circulava com sutileza, porém eficaz em minimizar as conversas e o volume de ruídos dos pratos. O homem alto com postura elegante, teoricamente com o titulo de maitre, me recebeu muito simpático e me guiou entre as mesas circulares ocupadas pelas mesmas pessoas esnobes do coquetel de antes. Rafael e sua família estavam acomodados no fundo do restaurante e automaticamente eles abriram um sorriso ao me ver. Menos Rafael.

— Que bom que chegou, Margarida. — a vó dele, Yolanda, bateu no estofado da cadeira entre ela e Rafael. — Sente aqui.

— É Rosa. — achando graça, eu assentei na cadeira que mais parecia uma poltrona e notei os olhos dos pais dele fixados em mim como se tentassem entender o meu sumiço, porém eles mantinham o sorriso no rosto.

— Um bom jantar para a família. — a voz do maitre nos distraiu, antes de se retirar.

Endireitei a postura e olhei para o cardápio. Pelo jeito o jantar estava mais apurado por parecer a noite dos frutos do mar.

A única coisa que diferenciava da noite passada, era a lagosta que se destacou como prato principal, acompanhado do frescor do bom vinho rosé. Fora isso, eu ainda me sentia deslocada, sem assunto, sorrindo amarelo quando o diálogo se direcionava a mim. Rafael estava mais contente, se infiltrando nas conversas mais sorridente, e eu me sentia mal por estar no meio daquela família supostamente enganada. Meu coração se apertou por sentir que poderia estar decepcionando aquela gente, por mais que eu soubesse que foi Rafael quem começou tudo aquilo.

Eu devia tomar uma atitude e decidir o nosso futuro de uma vez.

— E seus amigos, Rosa, como estão? — Carmen bebericou o vinho, chamando nossa atenção para si. — Podemos marcar um almoço em que todos fiquem juntos.

Presumi que a explicação de Rafael, foi que saí com antecedência para estar com meus amigos. E era claro que ele não contaria a verdade sobre nosso relacionamento. Ainda.

— Estão bem. — bebi a bebida e senti o aroma e a boa qualidade do vinho rosé descer sutilmente pela garganta. — Podemos pensar em uma ocasião, sim. Assim que eu os ver de novo — tomei outro gole. —, já que eu não estava com eles.

— A não? — ela largou a taça na mesa e franziu a testa. — Rafael disse...

— É, eu disse. — ele interrompeu e apertou os dentes.

Rafael estava bem incomodado.

— Mas que cara feia pra quem está pensando em se casar. — a vó largou um comentário zombeteriro, porém teve efeito contrário em mim e Rafael, causando uma troca de olhares no minuto seguinte.

— Acontece que, dona...

— Agora não. — ele me interrompeu quando segurou minha mão, pois a sobremesa era servida pelo garçom. Por causa disso, o silêncio regeu alarmante até o último prato da torta de limão ser servido na nossa mesa.

— Entendo que faz pouco tempo que estão juntos pra pensar em casamento. — Carmen quebrou o silêncio, depois que o garçom virou as costas. Em consequência, ela recebeu uma fraca cotovelada de seu marido e uma expressão irônica de meu rosto.

— Oito meses deve ser pouco mesmo. — parti a torta com uma colherada e saboreei o gosto cítrico no chantilly.

Ela franziu a testa e provavelmente ficou se perguntando o porquê de seu filho nunca ter apresentado a namorada antes.

— É difícil entender, eu sei. — engoli a torta, depois de arrancar mais um pedaço. — Menos a parte que Rafael sempre teve vergonha. Por causa disso, eu terminei o namoro dois dias atrás.

Os pais dele piscavam os olhos diversas vezes ao notar o filho inerte para os pratos.

— Como assim, Rafael?! — a vó perguntou e ele olhou para todos na mesa.

— Isso mesmo que ouviram. — respirou fundo. — Não há mais namoro e muito menos casamento. — bebeu toda a bebida da taça em um único gole.

A família ficou observando tudo com desgosto. Era aceitável. Portanto, eu não podia fazer mais nada, minha consciência já não pesava tanto.

— Fui eu quem começou tudo isso, então a culpa é toda minha. — ele continuou.

— E minha. — busquei o olhar de Rafael. — Nós não podia mais enganar ninguém. E nem a nós mesmos.

Carmen abandonou a sobremesa quando se ergueu e decidiu se retirar da mesa. O marido engoliu o último pedaço as pressas e ajudou Yolanda a se erguer para sair atrás de sua esposa.

— Então, é assim que vai ser? — os olhos negros rodeados pelo tom carmim encontraram os meus mais uma vez, assim que ficamos sozinhos.

Eu não soube o que responder. Rafael pensou, engoliu a saliva e decidiu sair, me deixando para trás.

🤘🏼🖤🤘🏼

— Olha, Jávi, esse não é seu quarto. — fiquei parada entre a batente da porta, enquanto ele entrou na minha cabine e retirou o calçado.

Jávi não estava tão bêbado assim para errar de quarto, porém comecei a duvidar quando ele começou a retirar a roupa.

— Ah, não, Jávi! — fechei a porta e apoiei os dedos nos olhos quando notei ele só de cueca. — Pelo amor de Deus!

— Ah, tu sabe que dessa fruta aí — remecheu o indicador para cima e para baixo na minha direção. —, não provo nem morto.

Estreitei os olhos e frouxei a mandíbula. Estava tão cansada de tudo o que aconteceu nessa noite, que discutir com meu primo estaria longe de acontecer. Eu me conformei rapidamente com a ideia dele dormir aqui, então não vi outra alternativa a não ser tirar a minha roupa também.

— Eu também não sou obrigada a ficar olhando pra você desse jeito. — rindo, joguei um pijama nele e vesti outro. — Então veste isso.

Jávi olhou duas vezes para o pijama preto e cheio de estrelinhas que segurava em suas mãos, e depois notou o meu.

— Foi o mais discreto que eu achei. — segurei o riso.

— Ah, é? — ele olhou para o meu todo cinza e começou a rir. — Bom, melhor que dormir pelado com você. — se obrigou a vestir e deitou em baixo do cobertor.

— O que aconteceu? — deitei ao seu lado e deixei a luz baixa da luminária acesa. — Brigou com Sebastián?

— Maria Elena vai dormir com ele na minha cabine. Achei que já soubesse.

— Que merda, Jávi. — me virei de frente pra ele.

— Tá tudo bem, nós já sabíamos que ia dar nisso.

— Mas e o coração?

— Ele aguenta. — ajeitou seu corpo e puxou mais a coberta. — Agora dorme, se não vou cantar aquela canção de ninar que tu ama.

— Não. — aos risos, eu balancei a cabeça negativamente.

— "Hush, little baby, don't say a word. And never mind that noise you heard." — ele engrossou a voz para cantar o trecho de Enter Sandman, do Metallica.

— "It's just the beasts under your bed. In your closet, in your head." — cantemos em uníssono. — "Exit light. Enter night."

Cantemos mais um refrão e depois caímos na gargalhada.

— Agora vou ter bons pesadelos. — me virei de costas e puxei mais a coberta. — Como nos velhos tempos.

— Não é pra tanto assim. — riu e me contagiou.

— Boa noite, carniça. — desliguei a luminária do criado-mudo.

— Boa noite, carniça do meu coração.

🤘🏼🖤🤘🏼

Enter Sandman.

— Metallica.

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