O Trote (Part. 2)

Christian 

- Miles, abre a porta, preciso pegar umas roupas! - eu reclamava enquanto o meu amigo fazia cena. 

- Por que não pede para a América? - ele perguntou e eu lembrei que contei por auto o que aconteceu no hotel. 

- Qual é, Miles, sério mesmo? Ontem eu dormi aqui, lembra? - questionei. 

- Ontem foi ontem, hoje é hoje!

- Você está irritado? De verdade? - perguntei novamente. 

- O que você acha? 

- Eu saberia se abrisse a porta. 

Miles ficou em silêncio por um momento. Eu conseguia entender o motivo da sua irritação, nós sempre estávamos juntos compartilhando todas as histórias da nossa vida. Menos essa, nunca contei a ninguém sobre os problemas com a minha família e o fato de ter pedido ajuda para a América e sumir, não me faz um bom amigo. 

- Eu achei que amigos vinham primeiro. - Miles disse quando abriu a porta. 

- E vem, sempre vem. 

- Então?

- Você não sabe suturar, sabe? E iria me encher de perguntas que eu não poderia responder. 

- E agora? Você pode? 

- Posso. - respondi e sentei na cama. 

Não contei tudo, pois não achei necessário. Miles tinha uma péssima relação com o pai e não quis trazer isso a tona com os meus problemas. Falei para ele sobre o meu avô e como ele criou meu pai e meus tios, não foi nada convencional, eu diria. Por fim, contei sobre os ataques do meu pai. Meu amigo ouviu tudo atentamente, não disse uma palavra enquanto eu lhe descrevia os acontecimentos. Ele sempre foi muito bom em ouvir e eu tinha esquecido disso, tinha esquecido que o meu melhor amigo é o melhor cara que já conheci. 

- Clay, filho de uma puta! - América gritou dentro do hospital - Pega a droga dessa caixa. 

Olhei para trás e vi ela e Joana, cada uma com caixas de doces nas mãos. Clay foi até a América e pegou uma das caixas. Ele tentou sorrir e falar algo, mas ela o ignorou. 

- Poderia não gritar em um hospital? - perguntei. 

- Poderia calar a boca? - ela retrucou. 

- O dia vai ser longo. - Joana disse. 

Depois que vestimos os alunos com as fantasias, designamos eles para a ala infantil. Cada grupo ficava responsável por algum tipo de brincadeira e nós, que estávamos organizando, ficamos carregando caixas, ajustando roupas, discutindo... e pedindo desculpa por quaisquer transtorno. 

Clay e eu levamos tudo para um depósito que ficava próximo a cantina, lá era onde Carla pretendia fazer o juramento com os novos estudantes. Começamos a desempacotar os presentes das crianças a mando da América. 

- Fiquei sabendo que você quem comprou esses presentes, é verdade? - Clay perguntou.

Ele não era muito de falar, principalmente comigo, então achei estranho essa curiosidade. 

- Na verdade, foi a empresa do meu pai. - falei. 

- Tanto faz. 

- É.

- Gosta da América? - Clay perguntou e eu tossi. 

- O quê?

- É uma pergunta simples, gosta dela?

- Claro, ela é uma boa amiga. - falei. 

- Vamos, você não me engana, vejo como olha para ela. 

- E se eu gostar, o que você tem a ver? - perguntei enquanto abria a caixa com um canivete de bolso. 

- Nada. - ele disse e amassou alguns papéis. 

Continuamos calados. Clay fazendo a parte dele e eu a minha, o tempo que passamos ali parecia uma eternidade. Do corredor eu conseguia ouvir a risada das crianças, pareciam estar se divertindo, fico contente que toparam fazer isso. 

- Não vai dar certo vocês. - Clay disse. 

Ótimo, isso estava começando a me irritar. 

- Por que diz isso?

- Intuição. Eu e a América estamos conectados, passamos horas nos falando. 

- Não foi o que pareceu. - falei. 

- Nada é o que parece.

- Gente, vamos começar o juramento. - Moly entrou na sala falando - Já acabaram? 

- Sim. - Clay respondeu e saiu. 

- Mas que diabos?! - perguntei para mim mesmo. 

Quando cheguei ao Campus, já conhecia alguns amigos como o Miles, Piter e a Lana, por influência do destino acabei conhecendo América e suas amigas. Não busquei por outras pessoas, para mim, era o suficiente. Mas em algumas aulas sentei próximo ao Clay e tentei conversar com ele, para a minha sorte, só ouvia a voz dele quando precisava de algo. Então resolvi parar de tentar. E mesmo assim, nunca o vi conversando com alguém por muito tempo, principalmente a América. 

Carla reuniu todos os alunos no centro da cantina e os colocou em fileira. Ela estava encarregada do discurso, já que de nós, ela tem a melhor oratória. 

- Repitam comigo! - Carla disse. 

"Eu juro, por Apolo médico, por Esculápio, Hígia e Panacea, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue:

Estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém, só a estes.

Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém.

A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva.

Conservarei imaculada minha vida e minha arte.

Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado; deixarei essa operação aos práticos que disso cuidam.

Em toda casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução, sobretudo dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados.

Aquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto.

Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça."

Isso foi nostálgico. Todos estavam eufóricos e contentes. O som dos aplausos invadiu a cantina e isso arrancou um sorriso meu. 

O clima mudou totalmente quando América e Moly começaram a atirar bexigas cheias de tinta nos alunos. As duas estavam com uma cesta cheia delas e mais pessoas começaram a atirar bexigas também. Os calouros começaram a correr e a cantina que estava limpa, agora era uma mistura de cores diversas e risos aleatórios. 

- Isso vai dar um problemão. - falei me referindo a sujeira.

- Nada, eles limpam. - América disse e passou a mão suja de tinta no meu rosto.

- Ei! - reclamei e ela correu.

Passei pela guerra de bexigas e me bati em algumas cadeiras. América tinha parado para jogar mais tinta nos calouros e foi aí que eu a agarrei pela cintura.

- Acho que você me pegou. - ela disse sorrindo.

- Está gostando disso, não é?

- Depende do que você estiver falando. - vi seu sorriso malicioso.

Passei a mão suja de tinta no rosto dela e ouvi reclamações. Acredito que todos estávamos nos divertindo.

América se inclinou e encostou os lábios no meu. Bejei-a de volta e percebi que ela sorria.

- Aí. - falei - Você e o Clay? Muito amigos?

- Clay? Quem é Clay? - ela perguntou.

- Nossa turma, olhos negros, cabelo grande, boa pinta.

- Ah! O Clay? Somos colegas, eu acho, mas nunca falei muito com ele. Algum problema?

- Não, mas parece que ele está a fim de você.

- Ah. - ela disse - Ele tem uma paixão platônica por mim, já tinha percebido isso.

- Devo me preocupar?

- Sente-se ameaçado?

- Não. - falei e dei um beijo nela.

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