Anilina

Olá, olá cerejinhas! Como estão?
  Esse capítulo demorou para sair não acham? Na verdade, a maior parte dele estava pronta há alguns meses, mas como escrevi direto no papel foi um pouco complicado encontrar tempo e lugar para digitalizar.
  Aproveitem ⏳

  Por muitas vezes ouvi escritores dizerem que quando nos aprofundamos em uma história os personagens ganham vida, praticamente decidem suas falas. Parecem adolescentes que se acham espertos o suficiente para decidirem suas vidas.

  Achava loucura, até Alastor passar a me fazer pedidos e a me dizer coisas também, não da forma como os escritores contavam nas entrevistas, mas de uma forma literal.

  Quando Alastor deu seu primeiro sinal, indicando ser algo mais que uma fantasia tomei a decisão de mandá-lo embora.
 

† Quarto Flashback - Anilina †


  Minhas mãos estavam cansadas de realizarem o mesmo movimento. Mexendo e mexendo a massa cor de abóbora, parando vez ou outra para checar o celular.

  Estava aproveitando o tempo sozinha em casa para tentar cozinhar algo comestível. Apesar de meus talentos questionáveis para culinária meus bolos eram os melhores, pelo menos era isso que costumavam me dizer.

  Não estava sendo um dia bom. Me sentia mal por não ter ido à igreja com meus pais. Meu irmão nunca ia e achei que não precisava ir também. Em meu íntimo sentia um sutil incômodo, consciência pesada é o nome.

  Não sentiriam minha falta. Na vida dos meus pais eu era como um travessão em meio as aspas, sinalizando de forma escandalosa a imperfeição de um diálogo desorganizado. Estariam melhor sem mim?

  Eu não era nem de longe a filha preferida ou o tipo de garota perfeita que eles gostariam de ter em casa. Era apenas "Valentina" a menina ingrata e irresponsável. Pelo menos eu estava tentando ser melhor.

  Pensei em desabafar com Alan, mas sabia que ele estaria jantando com a avó àquela hora. Eram nesses momentos que sentia falta de Alastor, fazia algumas semanas que não conversávamos. E quando me encontrava com ele a conversa logo morria, por várias vezes brigamos um com o outro.

  Insistia que não precisava mais dele, as coisas estavam boas, se encaixando.

  Alan fez muito bem a mim. Ele me ajudou a notar pequenos detalhes da minha vida e personalidade que ficavam encobertos por tanta mágoa e arrependimento. Estava bem comigo mesma, nada mais parecia ser tão ruim quanto eu fazia parecer.

  Consegui fazer alguns amigos na escola, até passei a ser mais paciente e aberta com meus pais. Descobri que era mais parecida com as pessoas do que imaginava, e mesmo não tendo a mesma visão do mundo ou pensando da mesma forma, notei que aquelas pessoas com quem tinha contato todos os dias também tinham seus problemas, medos e inseguranças.

  Eu não era melhor que ninguém. Pena ter demorado tanto para perceber.

  Naquela noite, alguns minutos antes dos meus pais chegarem, enquanto tateava cegamente a bancada em busca da anilina alaranjada escutei um sussurro ao pé do ouvido.

— Eu estou aqui.

  Congelei no mesmo lugar. Quem estava ali?
  Maldita voz aveludada, maldita voz de Alastor.

  Me virei lentamente, temendo o que encontraria, mas, para meu alívio e preocupação, não havia ninguém.

  Achei que estava ficando louca, Alastor havia estado ali e falado comigo? Me senti sufocada, eu não poderia contar a ninguém, estava proibida de falar com as paredes desde os 6 anos. Meus pais me internariam se soubessem que andava vendo "coisas" outra vez.

— Tina, chegamos — anunciou minha mãe abrindo o portão, ela sempre falava isso quando chegava.

— Quem mais poderia ser? — revirei os olhos, esqueci o ocorrido e continuei batendo a massa.

  Meu pai se aproximou me dando um beijinho, observando o que eu tanto mexia. Murmurou um sonoro "huuum" em satisfação.

— Oba, bolo de abóbora.

— Cor de abóbora e sabor de baunilha.

— E o que tem para beber, chefe Tina?

— Eu fiz limo...

— Valentina, quantas vezes já avisei para não derrubar café na cozinha?

— Mas eu nem tomei café.

— O que é isso então?

  Minha mãe apontou para alguns pingos na superfície do balcão. Me aproximei um pouco mais, no canto, como se tentasse passar despercebida, repousava minha caneca preferida, os dizeres "Nunca desista de tocar as estrelas" pareciam zombar de mim. Alastor esteve ali, Alastor falou comigo.

  Encaramos a caneca abismados. Não conseguia processar o fato de que Alastor realmente tinha estado na cozinha. Cogitei que alguém teria colocado o café e esquecido de tomá-lo, coisa que era bem comum, mas havia um importante detalhe que eliminava esse tipo de hipótese.

  Meu pai não entendia o forte cheiro de menta que o líquido exalava. Ele despejou seu conteúdo na pia. No fundo da caneca três balas transparentes estavam grudadas, elas também pareciam zombar de mim.

— Café e balas de menta? Que tipo de pessoa tomaria isso? 

  Ri nervosa. Ele era o único que poderia tomar um café assim. Não importa o quão louco parecesse, Alastor esteve ali.

  Na hora de dormir, pela primeira vez em meses voltei a imaginar meu garoto perfeito. Ele se materializou em meu pensamento, os cabelos úmidos, os olhos nublados.

— Ainda se lembra de mim, Valentina?

— Você apareceu.

— Não sou só uma ilusão? Talvez você esteja enlouquecendo.

— Você apareceu.

— Eu te assustei? — seu sorriso se alargou de forma maldosa, seus olhos me sufocavam.

  Os olhos brilhando de forma ameaçadora, reluzentes como a casca de uma barata molhada andando por uma parede de mármore.

— Alastor...

— Você não precisa mais de mim não é? Agora você tem o Alan.

— Meu anjo...

— Eu ainda preciso de você Tina. Eu te amo — riu sarcástico. — Não vai escapar de mim tão fácil assim.

  Olhos negros, profundos. Sorriso largo, maligno.

  Sentia que ele poderia me ler, saber o que se passava em minha mente, afinal, cresceu em minha cabeça.

  Queria poder pintar com anilina meus medos e inseguranças, me blindar contra um revoltado Alastor.


  Não demorou para que essa memória fosse afundada em meio as preocupações da adolescência. Alastor não apareceu mais e eu ignorei suas falas, continuei a me relacionar com Alan e meus novos amigos, o deixando descansar num canto longínquo do meu pré-consciente.

  Entretanto, nem tudo saiu como o esperado. Aos 16 anos mudei de cidade, perdi Alan e todos os relacionamentos que consegui construir.

  Meu mundo desabafou. Teria que recomeçar, me adaptar em um lugar completamente novo.

  Não culpei meus pais, não chorei ou me queixei como uma vítima*. Eu não queria mais ser o travessão entre aspas, talvez uma vírgula ou um ponto final. Apesar de não estar feliz, era bom ter meus pais como meus melhores amigos e mais confiáveis confidentes.

  E Alastor voltou, como se o tempo não tivesse passado. Eu o imaginava acariciando meus cabelos e me aconselhando, me prometendo um futuro melhor, enquanto tornava meu presente confortável.

  Mesmo agindo como se o tempo não tivesse passado eu sabia que ainda precisaria da anilina. Muito em breve ele saberia me controlar e me ler tão bem como eu fazia com ele.

É isso cerejinhas! Espero que tenham gostado.
Esse capítulo foi fácil de ser escrito, o grande problema foi manter o mesmo número de palavras dos capítulos anteriores.
Estamos entrando em uma nova fase, Alastor já dá seus primeiros alertas e Valentina está crescendo.
Apesar de a base da história já estar escrita estou curiosa para saber por qual caminho seguirei.
Até o próximo capítulo, espero não demorar tanto. Beijinhos caramelados ⌛

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