Capítulo 24


POR AMELIA

Martha sai da sala quebrando tudo. Algo de muito ruim aconteceu lá dentro. Posso sentir. Enquanto esperava do lado de fora, muitas coisas passaram pela minha cabeça, muitas possibilidades do que o pai de Cris possa ter feito com eles, uma última jogada para acabar com todo o dano que ele produziu ao passar dos anos.

Olho para Martha assustada, ela está fora de controle.

-O que está olhando vadia? Você conseguiu! Pescou o milionário, afinal de contas, não somos tão diferentes.

Não respondo nada. Sei quando provocar e quando não. Martha está histérica, um grupo de gente se reuniu para ver o que está acontecendo, mas ninguém faz nada para impedi-la. Ela se aproxima cada vez mais de mim e em um momento estou sentada na cadeira, em outro estou no chão. A vaca loira acaba de me puxar?

-Me solta sua doida! -Consigo sair do susto e grito para a vaca que mantém suas garras apertadas no meu braço. Não seria nada raro se estivesse saindo sangue.

-Isso tudo é culpa sua, sua puta desgraçada! Você roubou meu homem! Agora eu só tenho aquele chalé caindo aos pedaços! -A mulher me sacode para todo lado, e quando penso que não poderia piorar, ela me dá um tapa na cara.

Ela pode me gritar, me xingar, me humilhar, mas uma coisa que não vou permitir nunca é que me batam. Principalmente essa vaca loira sem noção.

Dou um soco bem dado no nariz dela e imediatamente ela me solta e coloca suas mãos no rosto, tentando conter o rastro de sangue que começa a cair, tomara que tenha quebrado esse nariz operado dela.

-O que você fez, sua louca? Você quebrou meu nariz! Você vai pagar caro por isso!

-Nada que outra cirurgia não resolva, querida. E se você colocar essas mãos sujas em cima de mim novamente, juro que não vai ficar só em um soco.

Martha me olha com fúria e parte para cima de mim novamente, mas antes que ela me alcance, duas grandes mãos seguram seus braços e a imobilizam. Percebo que é Joe, quando Cris aparece na minha frente assustado.

-Amélia! Você está bem? A Martha te machucou? -Ele vira meu rosto para um lado, para outro, olha meus braços, tudo. Eu não consigo responder, só consigo olhar para a cara de Martha. Ela parece que foi possuída por um espirito ruim. Seu rosto se contorce enquanto Joe tenta não a soltar. -Me responde, Amélia! Ela te machucou?

-Não, Cris. Ela tentou, mas eu me defendi.

-Percebi. -Ele diz olhando para o rosto ensanguentado de Martha. -Eu estava conversando com Joe e o advogado dentro da sala, quando escutei os gritos, fiquei tão assustado! Pensei que ela estivesse te machucando. -Cris me abraça apertado e escuto a risada de Martha detrás de nós.

-Aproveita querida, porque quando ele cansar de você, ele vai voltar para mim. Não se esqueça que fui seu primeiro amor, inclusive, ele ia se casar comigo, se não estivesse no lugar errado e na hora errada. Boa sorte para você.

-CALA ESSA BOCA, MARTHA. -Joe grita e tira a mulher furiosa de dentro do lugar. Cris não diz nada. Ele se despede do advogado e me leva para o carro. Voltamos como viemos, em silencio. Ele com seus pensamentos e eu com os meus. Eu sei que a Martha disse tudo aquilo para me fazer ficar com raiva, mas eu confesso que ver o Cris ficando em silencio e não dando nenhuma resposta me deixou com um pouco de desconfiança. Eu sei que ele não quer vê-la nem pintada de ouro, mas ela foi o seu primeiro amor. Deus, eu vou ficar louca desse jeito!

Ele vira em uma rua que desconheço e de repente estaciona o carro em uma loja abandonada.

-Amélia, quero te pedir desculpas por hoje. -Sinto seus braços me puxarem e em um segundo estou sentada no seu colo, sua cabeça entre o meu ombro e pescoço. Como se tivessem vontade própria, minhas mãos vão parar na sua cabeça, alisando o cabelo sedoso e liso. -Eu não disse nada naquela hora, porque não queria continuar com a confusão, mas quero que você saiba, que eu não amo a Martha. Não mais. Ela foi parte do meu passado e você é parte do meu presente. Eu... eu não sei o que dizer para que você esqueça do que ela disse, eu só... eu não...me desculpe. -Ele se endireita e passa as mãos pelo rosto cansado.

-O que aconteceu para ela ficar tão brava? -Mudo de assunto. Não quero aumentar mais motivos para a minha paranoia.

-Erick simplesmente deixou tudo para mim e meu irmão, além do que a lei exige, o resto deixou para uma instituição que apoia a causa LGBT, para Martha, deixou um chalé caindo aos pedaços. Pelo visto ela não gostou muito.

Não consigo evitar o riso que acaba saindo. Aquela vaca não merecia nada, mas isso é muito melhor.

-Bom, parece que seu pai surpreendeu a todos nós. -Beijo sua testa enrugada. -Eu sinto muito, meu amor. Parte desse problema todo, é porque estamos juntos e ninguém na empresa pode saber. Se você estivesse solteiro, não teria que ir à audiência porque ela não poderia te ameaçar...

-Amélia, entenda que a Martha ia dar um jeito. Ela sempre consegue o que quer. Ela é assim, uma cobra, preparada para dar o bote.

-Bom, pelo menos o pior já passou. Você cumpriu o prometido, veio até a audiência, não podia adivinhar o que seu pai faria, ela já não pode nos prejudicar.

-Não é tão simples. Ela vai tentar algo, eu sei que vai. Temos que ter muito cuidado. Por isso eu te trouxe até aqui, precisamos conversar.

Essas duas últimas palavras trouxeram um arrepio pela minha coluna.

Me desvencilho do seu colo e me sento novamente no banco do carona. Cris não me olha, ele mantém a vista em algum ponto na sua frente. O rumo que essa conversa está tendo, está me deixando com medo.

-Amélia... nós... vamos ter que terminar. -Viro minha cabeça de repente. Nem percebi que estava com ela encostada no vidro da porta.

-O-o que você quer dizer com isso? -Sinto que minha garganta seca e que meus pulmões não estão bombeando ar suficiente.

-Pelo menos por um tempo. Entenda, por favor. Não quero te colocar em perigo. Nem ao seu emprego. Se alguém na empresa descobre que estamos juntos, ambos estamos na rua. E não quero que você fique com uma má reputação por minha culpa. Menos ainda que Martha te persiga, achando que você teve algo a ver com tudo isso... eu... pensei nisso enquanto estávamos vindo. Eu não sei o que faria se algo acontecesse com você. Por isso prefiro que nos distanciemos por algum tempo. Pelo menos até a poeira baixar.

Uma lagrima escorre pela minha bochecha e esse aperto no peito aumenta. Não digo nada. Não há palavras que expressem o que sinto nesse momento. Cris entrou na minha vida tão rápido, quanto saiu. E novamente estou só.

Abro a porta do carro e praticamente pulo fora dele. Escuto Cris gritando atrás de mim, mas não consigo parar de correr. Sinto meus pulmões ardendo pelo esforço, mas continuo. Acabo chegando em uma pracinha e me sento em um banco encardido. Respiro fundo e nesse momento, as lágrimas correm livres, como se estivessem esperando o momento correto para abrir as comportas. Uma senhora se aproxima e pergunta se está tudo bem, assinto com a cabeça e ela se vai. Como alguém pode causar tanto dano por dinheiro? Martha é tão egoísta, diabos!

Pego uma pedra e a jogo sem rumo. Ela acaba batendo em um poste fazendo um barulho metálico, chamando a atenção de alguns pedestres passando por ali. Observo um casal de mãos dadas e uma pontada de inveja se instala no meu peito. Porque eu não posso sair assim com Cris? Se for preciso, peço demissão. Não. Cris ficaria furioso comigo se fizesse isso. Droga! Sempre penso nos outros, antes de pensar em mim. O que vou fazer? Droga! Droga! Droga!

Coloco minha cabeça entre os joelhos e choro. Como vou ir todos os dias para a empresa e ver Cris sem me desmoronar? Como vou olhar para ele sem poder tocá-lo ou beijá-lo? Ele entrou na minha pele e entalhou seu lugar no meu coração. Agora vai ser difícil me acostumar de novo à minha vida antes dele. Devo passar pelo menos meia hora nessa posição, quando sinto uma mão tocar meu ombro. Levanto a cabeça rapidamente na esperança de seja Cris mudando de ideia, mas me surpreendo ao ver que é Alex quem está de pé diante de mim.

-Amélia? Você está bem? Estava passando e te vi sentada aqui sozinha. -Ele parece estar preocupado de verdade. Ele sinaliza o lado vazio do banco, um gesto silencioso, pedindo permissão para se sentar. Assinto com a cabeça e ele toma o lugar ao meu lado.

Ficamos em silencio durante alguns minutos, quando ele decide falar.

-Eu queria me desculpar pela minha atitude o outro dia. Eu não tenho nenhum direito de discutir com o seu namorado. Pior ainda ir na sua casa sem avisar.

-Não tem problema, de qualquer forma, Cris acabou de terminar comigo.

Só de dizer essas palavras, sinto meus olhos encherem de lagrimas novamente.

-Nossa, eu sinto muito Amélia, eu não sabia. Eu... droga! -Ele passa a mão pelo rosto, da mesma forma que Cris o fez, minutos atrás.

-Bom, já que estamos aqui, que tal você falar o que queria conversar comigo quando foi até minha casa. Preciso me distrair.

Mudo de assunto descaradamente, não quero falar de mim e Cris. Até conversar com Alex nesse momento, é melhor do que isso.

Ele me olha estranho, mas não discute.

-Bom, primeiro, eu quero pedir desculpas sinceramente por ter batido no carro do seu primo. Eu realmente não sabia que era ele. Segundo eu sei que isso não tem perdão, mas eu queria te explicar o que aconteceu e porque eu sumi quando você ficou grávida. Mas antes quero perguntar se você quer ouvir? Não quero te incomodar, ainda mais depois de saber que Cris...bem, você sabe.

Olho para o homem que Alex se tornou. Ele era tão imaturo, tão... Alex. Seu rosto era de menino, os olhos azuis tinham aquele brilho de desfio e aventura, o queixo angulado sempre bem barbeado e o nariz reto que combinava perfeitamente com o rosto, o cabelo sempre na altura do ombro e ele sempre vestia as melhores roupas e tinha o melhor de tudo. Era mimado e um pouco egoísta, hoje é todo um homem. Ele continua bonito como sempre, mas eu já não sinto aquelas borboletas no meu estômago cada vez que o via.

-Tudo bem, Alex. Como te disse, preciso me distrair.

Ele assente com a cabeça e começa a contar tudo, me levando de volta para o passado.

"-Bom, eu não sei por onde começar... você sabe que eu, er... te amava muito, né. Só que como você também sabe, mamãe não aprovava nosso relacionamento. Ela dizia que você era uma distração, que me faria esquecer dos meus objetivos e que só estava comigo pelo nosso dinheiro. Ela vivia dizendo que você acabaria engravidando para poder me fisgar e assim garantir o seu futuro. Eu sempre disse a ela que isso era mentira que ela estava muito enganada, que você não era esse tipo de pessoa. Que você era diferente. Mas ela me envenenou, entrou na minha cabeça, dizendo todos os dias que você me enganava para ficar rica. Quando você engravidou, eu contei a ela, queria que ela me dissesse o que fazer, como ajudar. Mas novamente ela esfregou na minha cara que isso era um golpe. No final eu acabei acreditando. Naquele momento me senti tão idiota. Nenhuma garota tinha se interessado em mim. Só no meu dinheiro. Aí você chegou com esse seu jeito meigo e humilde. Você me ganhou naquele dia em que nos conhecemos, sabia? Eu te amei imediatamente. Eu chorei naquela noite. A primeira vez na vida que eu chorava. Mamãe escutou tudo e depois de alguns minutos, entrou no quarto com duas malas e disse "-Você está indo neste momento para Londres. Aquela mulher não vai nos enganar. "

E eu fui. Contra meus instintos, contra meus próprios sentimentos, eu te deixei. Você e ao nosso filho. Quando Jonah nasceu, não tive dúvidas de que ele era parte de mim. Eu quis voltar naquele mesmo dia, mas eu estava envergonhado. Eu temia que você não fosse me perdoar e isso seria o pior do mundo. Eu terminei a faculdade, me tornei alguém na vida. E quando vi que estava perdendo o tempo precioso com o meu filho, com o nosso filho, decidi que já era hora de ser homem. Eu te liguei várias vezes, mas você nunca atendia. Então mais uma vez sob o veneno da minha mãe, decidi entrar na justiça pela guarda de Jonah. Eu sabia que não tinha esse direito, no momento em que os abandonei, mas eu me deixei levar pela raiva. Eu sinto tanto Amélia. Foi minha culpa ele ter morrido, e eu nem cheguei a conhece-lo..."

-Não foi sua culpa, Alex. Um caminhão desgovernado bateu no nosso carro. Eu não teria conseguido desviar. Levei anos para parar de te culpar e aceitar a realidade.

"Não precisa tentar diminuir meu sofrimento. Eu sei que tenho participação no aconteceu. O acidente foi no mesmo momento que te liguei. Eu escutei seus gritos, Amélia. Escutei você chorando. Eu estava aí. Você não sabe a impotência que senti em saber que nosso bebê estava partindo. Todos os dias sonho com ele. Mamãe me mandou fotos dele. Não sei como ela as conseguiu. Mas isso foi suficiente para me fazer sentir o que era ser alguém na vida. Ser melhor por alguém mais que não fosse eu mesmo. Eu... eu sinto tanto..."

Olho para Alex, e vejo que ele está chorando. Eu o entendo. Também me culpei por anos. Mas a ligação de Alex não teve nada a ver com o acidente. O policial conversou comigo meses depois. Ele me contou o que aconteceu.

-Alex, eu te perdoo. -Seguro na sua mão, mas ele a retira rapidamente.

-Eu ainda não terminei, Amélia. Não se precipite.

"No dia em que bati no carro do seu primo, eu tinha acabo de chegar na cidade. Fui na sua casa, queria te pedir desculpas por tudo, pensei que você estaria destruída ainda, -ele ri uma risada amarga- mas vi um homem entrando lá e percebi que você tinha refeito sua vida, e eu aqui fazendo papel de bobo novamente. Fui direto para um bar e bebi todas. Quando sai do bar já era tarde da noite, corri como um louco pela cidade, passei vários sinais vermelhos, quase atropelei uma senhora e em uma dessas esquinas, acabei, você sabe, batendo no carro do seu primo. Eu liguei para o hospital na mesma hora, eles chegaram rápido e nos levaram para a sala de emergência. Eu só fiquei sabendo que era o seu primo horas depois e que sorte a minha. Além de ser seu primo, também estava o seu cunhado. Mamãe pagou a fiança por ser pego dirigindo bêbado, mas eu só ia ser liberado depois. Pat quase conseguiu me bater. Não fossem algumas enfermeiras e um segurança para segurá-lo. Ele me disse algumas verdades que eu precisava ouvir e eu fiquei ainda pior. Amélia, eu estou tão arrependido por tudo..."

Eu o abraço porque sei que ele está falando a verdade. Sua mãe sempre foi uma megera, mas eu nunca imaginei que ela chegaria a esse ponto. Ainda assim, Alex decidiu ir embora, sem nem mesmo me perguntar o que havia acontecido. Mas com o passar dos anos aprendi a perdoar. A mim, a ele e também à mãe dele.

Meu celular começa a tocar e o pego rapidamente pensando ser Cris, mas quando olho no visor, é a foto de Pat e Joe chupando um picolé a que aparece.

-Alô? Está tudo bem Pat? -Escuto um farfalhar, eles devem estar em cama já. Joe teve alta a alguns dias e está sendo mimado por Pat.

-Amélia, onde diabos você está? -Meu primo grita do outro lado.

-Estou em uma praça conversando com um velho amigo. -Olho de soslaio para Alex, não quero que Pat saiba ainda que falei com ele, meu primo vai surtar, o conheço bem.

-Pois faça o favor de avisar quando desaparecer. Cris me ligou desesperado dizendo que você saiu correndo do carro e não apareceu mais, ele não conseguiu te encontrar. Ele me disse que vocês brigaram. Em dez minutos estou indo para sua casa para ver o que está acontecendo.

Ele desliga o telefone. Então Cris não disse que ele terminou comigo, deixou toda a bomba para mim. Covarde.

-Bom, Alex, tenho que ir. Pat já já vai chegar em casa e se eu não estiver, é capaz dele chamar a polícia. Foi bom finalmente conversar com você, como pessoas civilizadas. Finalmente fechei um ciclo que estava me causando muita dor. -Me despeço dele com um aperto de mão. Ainda não me sinto confortável para um abraço.

-Tudo bem, Amélia. Ficarei por mais alguns dias na cidade, quem sabe possamos tomar um café qualquer dia desses. Quero saber mais de Jonah. Se você não se importar, é claro.

-Não tem nenhum problema, vou levar algumas fotos para você ver também.

Ele me acompanha até o ponto de ônibus, e graças a alguma divindade, o meu chega alguns segundos depois. Me sento na cadeira fria de metal e vou pensando por todo o caminho. Alex mudou, disso não há dúvidas, mas ele já não tem aquele brilho. A morte de Jonah o afetou tanto quanto a mim, quiçá a ele ainda mais, pois ele não chegou sequer a conhecer o filho.

Depois de alguns minutos chego em casa e Pat já está parado na porta impaciente. Assim como prometeu ele chegou em dez minutos.

-Entra, Amélia. E se prepara, porque quero saber o que aconteceu e não venha querer me enganar, que sei que não foi só uma briga entre você e Cris.

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Boa noite amorecos, tal e como prometi, aqui está a outra parte do capitulo de ontem. Vocês vão me matar, eu sei. Mas nada nessa vida é por acaso. Demorei praticamente a tarde inteira para escrever esse capitulo, para que saibam o quanto foi difícil. Espero que gostem!!

Bjsssssss BF

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