Capitulo 12

Saio da sala em silêncio. Preferi assim, todo o desejo que estava sentindo por Cris, se esvaiu com esse infeliz comentário. Eu não sei o que deu na sua cabeça pra ele dizer isso, mas as palavras entraram no meu coração perfurando como se fossem adagas sendo empurradas sem dó. 

Ele me magoou e eu vi uma parte dele que não conhecia. Na verdade, eu não conheço Cris em nada. Ele ficou somente três dias na minha casa e eu vi só a parte que ele quis mostrar.
Vou direto ao banheiro e me sento no último cubículo como sempre, só que dessa vez não é pra pensar, é pra chorar. De raiva, de tristeza e de impotência. 

Choro por quase uma hora e as lágrimas continuam vindo como cascadas infinitas.
Passam quase duas horas, até que alguem entra no banheiro, e faço o possível para ficar em silêncio, aguentando os soluços e secando as lágrimas que ainda insistem em cair.
A pessoa cantarola uma canção qualquer enquanto lava suas mãos depois de fazer suas necessidades, mas de repente o banheiro fica silencioso novamente e solto os soluços que segurei durante alguns minutos. 

-Oi? Tem alguém ai? -pergunta a desconhecida.
Não sei se respondo ou se me faço de louca.
-Eu já te escutei, você parece estar chorando, está tudo bem?
-E-eu estou bem. 

Decido responder, porque quem quer que seja, não vai desistir.
Eu não reconheço essa voz anasalada, deve ser alguma garota do andar de baixo.
-Pois para mim, você não parece nada bem...

-Olha moça, eu só quero ficar sozinha "tá" bom.
-Me desculpa, é que não gosto de ver ninguém triste... como você se chama?
-Amélia. 

Respondo simplesmente. Não estou a fim de papo com uma desconhecida, mas não posso ser mal educada tampouco.

-Amélia, a contadora?
De onde essa mulher me conhece?
-Sim, eu mesma.

-Eu sou a secretaria do senhor Swansen. Lembra de mim?
Ela diz rindo. Como não reconheci sua voz?
A mulher praticamente fala todos os dias comigo, pelo telefone claro, mas sua voz soava diferente. 

-Ah claro, lembro sim. -limpo o nariz com um pedaço de papel higiênico e dou descarga.- Desculpa, não reconheci sua voz.
Saio do banheiro e vou até a pia para lavar minhas mãos.
-Sabe, eu vi você saindo da sala do senhor Swansen quase correndo... está tudo bem?
Não, não está nada bem.

-Não foi nada, não precisa se preocupar.
-Eu vou fazer de conta que acredito, mas por favor, qualquer coisa me avisa? Eu não gosto de ver ninguém triste, sério.
-Huh, ok.
A mulher sai do banheiro e me deixa sozinha e confundida. Ela nunca falou comigo e também não sabia que ela era tão...legal?

*******

Estou trancada na minha sala, trabalhando como uma louca, a única vez que saí, foi para ir ao banheiro porque estava muito apertada e não aguentava mais segurar. Olho pela janela e levo um susto ao perceber que o sol já se foi e deu lugar a uma noite escura. Olho no relógio e já passa das oito. DROGA!

Saio pegando minha bolsa e minhas coisas, quase caindo pelo caminho. Se não me apresso, vou perder o último ônibus que passa às nove.

Não há ninguém no prédio o que me dá um pouco de medo, por isso tento sair o mais rápido possível. Como é que ninguém percebeu que eu não saí?
Chego na portaria e o guarda me olha desconfiado.
-Senhorita Amélia, não sabia que ia trabalhar até tarde hoje. - pergunta enquanto pega a prancheta para que assine.

-Nem eu, seu Jeremias. Nem eu.

-Bom, assine aqui a sua saída, o leitor de digitais vai ficar pronto amanhã.
Assino rapidamente e murmuro um boa noite ao homem. 

Corro o máximo que posso e que meus saltos permitem, mas ao chegar no ponto, vejo somente a parte traseira do bendito ônibus.

-Drogaaaaaaaa. Mil vezes droga!

Sento no banco do ponto e fico ali alguns minutos, xingando praticamente tudo e todos.
Quando minha vida resolveu dar essa reviravolta toda? Primeiro Pat me faz cuidar de um "menino" que no final não tinha nada de criança. Depois resulta que esse era o meu chefe e por último, transo não só uma, mas duas vezes com ele, e uma delas no seu próprio escritório.
Oh meu Deus! Será que a tal secretaria escutou alguma coisa? 

Agora estou envergonhada. Como me deixei levar assim? Eu não sou esse tipo de pessoa. Sempre fui calculista. Demorei meses para me entregar a Alex, e acabei engravidando de Jonah. Não me arrependo disso, mas preferia que meu filho tivesse tido outro pai.
Passo quase meia hora nessa minha crise existencial, até que um carro que conheço bem, para justo na minha frente. 

-Não sei se você sabe, mas é proibido estacionar em um ponto de ônibus.
-Entra no carro Amélia, vou te levar pra casa.
-Obrigada Senhor Swansen, mas eu passo. -tiro meu celular da bolsa e começo a fuçar nele, ignorando o homem parado na minha frente.

-Vamos mulher, não seja teimosa! Essa hora é perigoso você estar aqui sozinha.
-Olha, como você mesmo disse, não somos nada... então porque a preocupação?
-Porque primeiramente eu não deixaria nenhuma mulher sozinha em um ponto de ônibus a essa hora da noite, ainda mais se fosse uma funcionaria minha...-bufo com a palavra funcionaria, por mais que saiba que é exatamente o que sou. - e segundo, e-eu queria me desculpar pela minha atitude de hoje. Eu não queria dizer aquilo Amélia, eu não sei o que me deu... eu só... ando estressado ultimamente.

-Ah, e você quis dar uma "desestressada" e aproveitou que estava por ali não é? Mas não se preocupa não, já entendi o recado. 

-Amélia por favor, não seja cabeça dura, vamos! Entra no carro!
Eu não quero estar no mesmo carro que Cris, porque sei que se ele me tocar, toda minha raiva vai se esvair. Olho para o celular na minha mão e como se uma luz se acendesse na minha cabeça, uma ideia me ocorre.

Procuro seu nome na lista de contatos e aperto o botão de chamada, ignorando a um Cris curioso e com o cenho franzido no processo.

-Alô, Rafa? Oi... desculpa te incomodar uma hora dessas, é que sai mais tarde hoje a noite e quando cheguei no ponto o ônibus já tinha ido... sim, era o último. Será que você poderia me dar uma carona pra casa? Se não for te incomodar? Sim? Obrigada Rafinha, te devo essa.
Desligo o telefone e vejo raiva pura no rosto de Cris. Também uma pitada de surpresa. Eu disse, há muitas coisas sobre mim que ele não conhece, e uma delas, é que sou teimosa pra burro.

Ele me olha uma última vez e o que vejo nas orbes cor de mel quase me tira o fôlego. A mágoa presente no seu olhar era quase palpável. Eu quase me arrependi do que fiz, quase. Afinal, quem me tratou como uma qualquer hoje, foi ele mesmo. Agora que aguante. Nos fizemos um acordo de que seria somente sexo casual, mas até mesmo nisso, é preciso respeitar o outro.
Eu desvio o olhar e ele entra no carro batendo a porta tão forte, que foi um milagre não ter quebrado o vidro.
Alguns minutos depois, Rafa aparece todo sorridente e até abre a porta do carro para que eu entre.

-Obrigada Rafinha, você me salvou hoje! -coloco o cinto de segurança.
-De nada Mel, você sabe que sempre pode me ligar a qualquer hora que vou te socorrer!
Ele diz rindo e mostrando suas covinhas fofas. Elas devem ser as responsáveis por conquistar as namoradas da sua longa lista.

Digo o endereço da minha casa e ele dá a partida no carro, costurando as ruas como se fizesse esse percurso todos os dias. Conversamos amenidades e escutamos música no caminho e quando vejo, ele já está estacionado na frente da minha casa.

-Bom, senhorita Mel, entregue sã e salva na sua residência. -sorri novamente e pisca pra mim.
-Obrigada Rafa, não sei como te agradecer, sério!
Ele aponta o dedo na bochecha e me olha todo moleque.
Eu dou um beijo na onde ele apontou e quase caio na gargalhada com a cara de surpresa que ele faz.
-Se eu soubesse, tinha te trazido pra casa antes!
-Não se emociona, que hoje você merece, mas só por hoje!
Rafa faz uma carinha de triste e eu até ficaria com dó se não soubesse a fama que o menino tem.
-Boa noite mocinho, até amanhã! E obrigada novamente.

-Eu não sou mocinho nenhum não viu! Sou é homem! E de nada Mel, você sabe que apesar das brincadeiras, você é minha amiga, e sempre que puder vou te ajudar.
Uau! Por essa eu não esperava. Acho que a iludida no caso era eu. 

Não consigo não rir da situação. Entro na casa ainda rindo, tiro meu sapato e o deixo ao lado da porta mesmo, subo as escadas e vou direto ao banheiro. Preciso se uma ducha urgente. Tiro minhas roupas e me preparo para tomar o merecido banho quente, quando a campainha toca.
Coloco um roupão e desço as escadas novamente. Com certeza esqueci algo no carro do Rafa e ele voltou pra me devolver.

-O que foi que esqueci Rafa? -pergunto ao mesmo tempo em que abro a porta.
Fico imóvel e totalmente sem fala ao ver que o homem parado do outro lado, não é nem de longe o que me trouxe pra casa.

-Cris? O que está fazendo aqui?
Ele está com uma sombra nos olhos que nunca tinha visto. Algo... selvagem.

-Você beijou ele? 

-O quê

-Você beijou ele, Amélia? Ou será que fez outras coisas? -ele diz olhando para meu roupão.
Não entendo o que ele quer dizer até que a ficha cai: ele pensou que eu beijei o Rafa? Pior, que eu transei com ele? 

-Você só pode estar louco!
Grito tentando fechar a porta na sua cara, mas ele mais forte do que eu e segura a porta aberta ao mesmo tempo em que consegue entrar na minha casa. Eu dou um passo para trás e ele fica parado no mesmo lugar. Ainda me olhando com o que parece ser furia.

-Me responde caramba! Você... Você transou com ele Amélia?
-O que eu faço ou deixo de fazer não é da sua conta! Afinal, não somos nada não é mesmo!
Ele segura o estômago como se tivesse levado um soco, até se dobra um pouco parecendo chateado e eu não entendo o porquê!

Esse homem me confunde, um dia diz que não temos nada, no outro vem me perguntar essas coisas. 

Não sei o que pensar, nem o que sentir.
-Por favor Amélia... só...me responde.
Ele ofega e se encosta na parede.

Decido dizer o que aconteceu antes que esse homem tenha um troço.
-Não, Cris. Eu não transei com o Rafa, ele só me trouxe, eu agradeci e ele foi embora.
Aperto meu roupão e Cris suspira aliviado, escorregando até chegar no chão. 

Observo sua postura e vejo um menino, não o homem empresario. Ele apoia os cotovelos no joelho e segura sua cabeça entre seus antebraços. Essa imagem vai ficar na minha mente por muito tempo. A sua expressão de dor e de mágoa.   

Sento ao seu lado e viro seu rosto pra mim. As lágrimas que vejo descendo pela sua bochecha me partem o coração. 

-O que aconteceu com você Cris?

Estou quase chorando também porque consigo sentir a tristeza no seu olhar vazio.
Eu nunca na minha vida imaginei que pudesse ver um homem assim tão influente, derramando lágrimas na porta da minha casa.
Cris não diz nada, olha para frente como se estivesse organizando os pensamentos.
Passam vários minutos até que ele começa a falar.

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