3 - É impossível trabalhar com alguém que você odeia

Luana Kim e Bruno Toledo tinham uma relação um pouco estranha.

Se conheciam do fundamental, quando eram melhores amigos. Uma dupla imbatível que passava os intervalos e as trocas de aulas criando teorias sobre Naruto e outros animes que viam. Em um jogo de verdade ou desafio, o lado errado da garrafa apontou para Luana, e ela escolheu desafio. O desafio foi dar um selinho em Bruno.

Depois daquele selinho, algo nasceu entre eles. Algo indefinível, complexo demais para ser uma coisa ou outra. Desde então, Bruno e Luana sempre se dividiram entre a amizade e o romance. Uma espécie de amizade colorida que, em alguns momentos, voltava a ser uma amizade comum e, estranhamente, o destino parecia querer os dois juntos. Fizeram o ensino médio na mesma classe, o curso pré-vestibular na mesma escola e passaram na mesma Universidade, no Rio. Ela em Medicina, ele em História.

Eles passaram dos limites quando Bruno descobriu que a namorada estava traindo-o. Sem rumo, completamente desolado, ele foi até a casa de Luana, em uma noite, e contou o que havia acontecido. Acabaram ficando bêbados e, em um movimento inesperado, dormiram juntos.

No dia seguinte, com dor de cabeça, Bruno levantou assustado, colocando as roupas com lágrimas nos olhos.

"Me desculpa, Lu. Não devia ter feito isso."

Luana tocou o seu ombro e sorriu, triste.

"Eu gosto de você, Bruno. E sei que você também sente alguma coisa por mim."

Ele olhou para o próprio colo e assentiu.

"Ela não gosta de você. Se gostasse não teria te traído!", Luana argumentou.

"O que eu faço?"

"Termina com ela. A gente...", ela agarrou o lençol. "...a gente sempre foi assim. Uma hora juntos, outra separados. Mas a gente nunca tentou ficar juntos de vez."

"Você quer dizer namorar?"

"Sim!"

"Mas eu...", ele encarou o quarto da garota. Os ursinhos, o material da faculdade na estante, a parede azul. Por sorte, as colegas de quarto não estavam. "...eu tenho medo de estragar nossa amizade."

"Bruno, a gente já fez tudo o que namorados fazem.", ela olhou sarcasticamente para o seu próprio corpo. "Estamos nessa há anos. Não precisamos estragar a amizade."

Ele assentiu novamente e sorriu, se jogando em cima dela. Ela riu, enquanto ele tirava a sua franja da testa suada.

"Então vai ser assim. Vou terminar com ela hoje."

"Chifre trocado não dói!", Luana brincou e ele deu um beijo demorado em seus lábios.

"Vamos fazer algo hoje? Pra comemorar o início do namoro?", Bruno sugeriu.

"Bora! Vai me comprar uma aliança?"

"Só se for de chiclete.", eles riram e voltaram a se beijar.

Aparentemente aquilo parecia o início de um namoro tranquilo. Talvez, depois da faculdade, eles se casassem no litoral. Talvez os pais não implicassem com o fato dele não ser coreano, já que ele é branco. Não era algo legal de se pensar, mas era realista.

No entanto, aquele início de namoro só foi o último gatilho para que o inferno na vida dos dois começasse. Um inferno tão grande que atingiria não somente eles, como as pessoas ao seu redor.

***

"Bruno tá namorando com outra pessoa, ficou sabendo amiga?", Agatha perguntou com desinteresse à Raquel, enquanto mexia no celular, esparramada na cama.

"Ué, ele não era louco pela tal de Pati?", Raquel deu pausa no vídeo meme que via no Facebook e correu para o perfil de Bruno.

"Humz aquela menina era meio doente, amiga... e tu não vai acreditar com quem ele tá namorando!"

"Pera.", Raquel abriu rapidamente o perfil do garoto e colocou a mão na boca, surpresa. "Ai caramba! A coreana?"

"Ai finalmente, esses dois são sempre chove e não molha."

Bruno era o primo mais próximo de Raquel e, consequentemente, um grande amigo de Agatha. Mas, apesar disso, ele sempre deu poucos detalhes de sua relação com a tal Luana. Até onde sabiam, Luana era apenas uma amiga, mas tanto Agatha quanto Raquel suspeitavam que havia algo além.

"Vou stalkear ela."

Raquel abriu o perfil de Luana. Já havia stalkeado a garota algumas vezes há alguns anos, mas não lembrava de ver nada interessante lá. Sabia que era de uma família oriental de classe média e tinha uns dois ou três irmãos.

Ela quase caiu da cama quando abriu a foto mais recente destes irmãos.

"Mas que porcaria é essa?!", ela gritou.

"Que foi?!", Agatha gritou de volta, com o susto.

"Agatha! Essa Luana é... meu Pai do céu, como que eu não reconheci ele?"

"Ele quem, nega? Por Deus, tá me assustando."

"Agatha, a Luana é irmã do tal Levi Kim!"

"O policial gostoso?", Agatha questionou.

"Sim?!", Raquel mostrou a foto dos três irmãos na formatura de ensino médio de Luana. "Esse aqui deve ser o irmão mais velho, essa é a tal Luana e esse é o Levi."

"Caramba nega, que genética boa!", a amiga riu. "Os dois são gatíssimos."

"Com milhões de pessoas nessa cidade, meu primo vai namorar logo com a irmã do meu arqui-inimigo!"

"E o que você vai fazer em relação a isto?", a amiga arqueou as sobrancelhas, com ar de espertinha.

"Nada, oras. Por que eu faria algo?", Raquel respondeu com desinteresse.

"Amada, quer maior prova de que o destino tá querendo vocês dois juntos?", ela brincou.

"Agatha, menos! Levi me odeia. E eu também não gosto dele."

"Como assim? Achei que vocês estavam se dando bem..."

"A gente tava..."

Acontece que, no segundo dia, algo que Raquel não esperava acabou acontecendo.

Ela se levantou empolgada por mais um dia. Com um leve tédio precoce por ter de ficar na ronda policial, mas empolgada, de uma forma irritante, por fazer isto com Levi. Justamente isto que tornava irritante. Kim era uma figura difícil de compreender. Parecia uma boa pessoa mas, ao mesmo tempo, vil. Humilde, mas arrogante. Complexo, mas bem simples em alguns pontos. Raquel sabia que havia conhecido ele há apenas um dia, mas o garoto parecia ser o tipo de gente que, nem em mil anos, seria possível compreender. Talvez se a Nasa o estudasse...

Fora o fato do desgraçado ser extremamente bonito, o que tornava impossível não ficar pensando nele.

Mesmo com os inevitáveis contrastes de Levi Kim, Raquel queria mesmo se tornar amiga dele e tinha esperanças que conseguiria. Se não fosse o evento inesperado quando chegou na delegacia.

Raquel estava guardando as coisas no armário do vestiário, quando sentiu um baque e um barulho forte no armário à sua esquerda. Ela se sobressaltou e virou para trás, topando com Levi, apoiando a mão no armário, a milímetros de distância dela.

"Ah, é você Kim? Bom dia!"

Quando ela tentou se esquivar, Levi fechou o lado direito com o outro braço, cercando-a.

"Ué..."

Levi aproximou tanto o seu rosto com o dela, que o coração de Raquel quase parou de tão rápido que bateu. Se não fosse os olhos cerrados e a clara expressão de ódio, diria que ele iria beijá-la.

"Você não me engana, Bacci.", ele sussurrou.

"O-o quê?", ela gaguejou.

"Levou os créditos pela prisão dos moleques.", ele falou em um tom normal desta vez, mas cortante.

"Como assim?", ela arqueou as sobrancelhas.

"A voz de prisão saiu no seu nome, no sistema."

Raquel piscou algumas vezes, tentando entender o porquê disso ter deixado Levi tão irritado.

"Tá, mas que diferença faz? Nós dois prendemos eles. Seu nome vai estar lá também."

"Não, não está!", ele soltou os braços.

"Mas, Kim... isso é só sistêmico e..."

"Epa, Não vem com essa, Bacci. Nem se atreva dizer que é só sistema! Eu tô tentando seguir carreira aqui e você ficar papando os meus casos não vai ajudar em nada!"

"Epa digo eu, Kim! Eu não 'papei' nada!", ela fez aspas com os dedos. "Eu nem tô sabendo disso! Mas, se te deixa tão feliz, eu vou lá falar com a Ana Paula."

Levi segurou o pulso dela e sussurrou em seu ouvido, provocando alguns arrepios em sua coxa.

"Já disse que não confio em você, Bacci. Então não adianta bancar a espertinha."

Raquel puxou seu pulso com força do toque dele e o encarou sem medo, mesmo com a diferença enorme de suas alturas.

"Levi, posso ser bem sincera? Eu estou cagando pra você e essa sua competição. Eu cheguei ontem e só quero trabalhar em paz. Pro inferno, você e esse seu plano de carreira."

Raquel passou por ele, dando um encontrão forte em seu ombro. Sentia o sangue fervendo de raiva e vergonha pela situação. Sentiu-se burra por achar que o dia seria tranquilo e temeu, por pensar que seus dias de trabalho seriam um inferno com um parceiro desses.

"Você não pode deixar ele te intimidar, Quel!", Agatha cruzou os braços. "Você é merecedora de estar lá tanto quanto qualquer um!"

"Mas não tá sendo fácil, sabe amiga? Ele não brigou mais comigo, mas mal olha na minha cara. Ronda policial é uma chatice que só... com ele é ainda pior."

Fazia somente uma semana que Raquel trabalhava naquela delegacia e muitíssimas vezes já pensou em desistir do cargo. Mas, toda noite, enquanto jantava com os pais, via como os olhos deles brilhavam de orgulho quando ela contava sobre o seu dia. Aquele brilho se intensificava quando a viam de farda.

Ela levantou-se cansada para trabalhar no domingo. Quando chegou à delegacia, Carlinhos assobiou, chamando-a para sua sala, junto com Levi.

"Meninos, o Ferriello e a Kátia estão doentes. Vocês dois hoje vão dar reforços no bloquinho da avenida paulista. Tão precisando de gente lá."

"Nossa, já? Faltam umas três semanas pro carnaval ainda!", Levi franziu o cenho.

"Cada ano que passa, eles começam mais cedo. Preciso de vocês lá em uma hora, ok?"

Raquel suspirou, só de imaginar como seria o dia apartando brigas de bêbados pelados com a desagradável companhia de Levi Kim.

Deu outro suspiro, quando viu a expressão de desagrado de Kim, quase tão evidente quanto a dela.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top