20 - O dia que Levi Kim aprendeu a perder
Nas antigas histórias orientais, muito se falava de honra e sacrifícios. Pela família, pela pessoa honrada, pelo seu próprio povo… Daniel sempre pensou que tudo isso não passava de plot para a construção dessas histórias. Naquele dia, ele entendeu bem a parte de sacrifício. No entanto, sua honra valia menos do que lixo.
A sentença final determinou que eles eram inocentes. As provas que Daniel conseguiu, apesar de terem sido obtidas de forma não consentida pelo advogado responsável, o juiz considerou que, em prol da justiça, não poderia ignorar que os réus não passavam de vítimas.
Quando as últimas palavras do juiz foram ditas, com lágrimas nos olhos e euforia, Luana pulou nos braços do irmão. Chorou, amargamente no ombro dele e sussurrou.
"Seu idiota. Por que fez isso?"
Daniel riu, sentindo as próprias lágrimas lavando as dela. Mas não conseguiu responder. Por mais que a resposta estivesse na ponta da língua.
"Porque prometi te proteger.", ele pensou.
O plano foi mais fácil de se executar do que ele imaginava. Lucas também não se negou de segui-lo. A sua teoria de que, para prejudicá-lo, ele ajudaria, estava mais do que comprovada.
Discutiram os planos no pub, conforme combinado. O álibi deles começou com um falso problema no celular corporativo de Lucas. Ele acionou o T.I particular da empresa, afirmando que os microfones do celular haviam parado de funcionar. O plano era pegar o celular no dia da devolução do serviço.
"O Braga é racista pra caramba e os caras do T.I não conhecem o pessoal do escritório. Só vai ter o Braga na entrada no horário que eu marquei. Provavelmente ele vai só falar pro cara que quem pediu assistência foi o 'japonês'.", Lucas falou, enchendo o copo.
E foi exatamente isso o que aconteceu. O técnico não encontrou Lucas no escritório, e sim Daniel. Como não sabia quem era quem, apenas considerou que aquele era o tal Lucas.
"Como eles tem os códigos de acesso de todos os aparelhos corporativos, quando eles estão sendo reparados, mas não podem apagar nenhum deles por causa dos dados, eu posso pedir pra ele te passar o código de acesso temporário."
"Não precisa assinar um termo antes disso?", Lucas questionou. "Com a matrícula e tudo?"
"Sim. Mas eu posso pedir o código pra testar o aparelho antes de ir."
O que também funcionou. Daniel pressionou o técnico, dizendo que não poderia confiar que o aparelho estivesse bom antes de fazer os testes. Depois de uma certa relutância, o técnico permitiu. Daniel fingiu gravar alguns áudios no momento, mas encaminhou todos os áudios de Patrícia para o seu próprio whatsapp, através do de Lucas, apagando a conversa logo depois.
"E ninguém vai desconfiar.", Daniel prosseguiu. "Porque você me odeia. E eu te odeio. E porque seu celular está mesmo com problema nos microfones."
"E como sabe disso?", Lucas indagou.
"Tô de olho em você todos esses dias, Lim. Eu sei tudo."
Por fim, Daniel tinha razão. Ninguém desconfiou que Lucas tinha parte disso. Tanto que, na reunião que tiveram após a audiência, o próprio Lucas o atacou de forma impiedosa, assim como outros colegas de trabalho, deixando tudo ainda mais convincente.
"Você não devia ter feito isso, hyung."
Levi e Daniel estavam sentados na sacada da casa dos pais deles. Os mesmos tinham implorado para que os três filhos ficassem por duas semanas em casa. Sabia que muita coisa tinha acontecido com todos eles. Luana foi presa, Levi quase morreu e Daniel tinha perdido o emprego e, provavelmente, nunca mais exerceria a função. Eles precisavam de um tempo.
"Você sabe que eu não tinha opção."
Daniel jogava as pernas de um lado para o outro, suspensas no ar. Assim como fazia na infância deles e quase sempre matava a mãe de susto.
"Ele vai te processar, não é?", Levi questionou.
Daniel negou.
"Eu conversei com ele na última reunião. Julguei meu chefe errado. Ele tem um pouco de coração até."
Levi olhava para o sol alaranjado se pondo no horizonte. A poluição, de uma forma estranha, deixava a paisagem linda demais. Lembrou, sem saber, de quando sua mãe falava que Deus poderia fazer coisas feias tornarem-se lindas. Talvez fosse o caso. No sol e na situação deles.
"Sabe o que eu ouvi naqueles áudios?", Daniel olhou para o irmão. "Aquela mulher xingando nossa irmã. Falando coisas horríveis, sem se preocupar que aquilo pudesse voltar contra ela."
Levi olhou para ele.
"A pessoa que tentou te matar era um deles também. Quando eu escutei aquilo tive certeza absoluta que o que eu estava fazendo era o certo. Emprego e carreira? Eu encontro novos. Mas a minha família ninguém substituiria. Não ia deixar tirarem vocês de mim."
Luana se sentou entre eles, tão silenciosamente que ambos se assustaram. Ela os abraçou, cada um em um dos lados de seus braços. Ficaram ali em silêncio por um tempo, apenas desfrutando da presença um do outro.
"Eu sempre quis abrir uma startup.", Daniel falou, cortando o silêncio.
"Sério?", Luana perguntou, sorridente.
"Sim. Sempre odiei ser advogado. Acham que sou velho demais pra voltar pra faculdade?"
"Acho.", Levi disse e começou a rir, quando Daniel deu uma chave de braço nele.
"Eu acho uma ótima ideia! Você poderia criar um aplicativo de namoro que preste."
"Ué e o Bruno?", o Levi questionou.
"É só uma ideia, Levi. Só uma ideia."
Daniel falava em tom de brincadeira, mas a ideia era séria. Quem sabe o que ele poderia conseguir recomeçando?
***
Mais um episódio de polícia 24 horas. Levi estava deitado no sofá de barriga para baixo, enquanto Raquel pegava mais um pacote de pipocas de microondas recém estouradas. Ela empurrou as pernas dele para cima e se sentou, jogando-as para baixo novamente, em seu colo.
Levi virou-se sorridente e pegou um punhado da pipoca. Era a primeira vez em semanas, desde que teve alta, que conseguia ficar sozinho com Raquel. A sensação de alívio fazia o seu corpo quase vibrar com a euforia.
O episódio era um de seus preferidos. Adorava ver os vagabundos Zé droguinhas se desdobravam para inventar desculpas que justisticassem o flagrante. Mas, enquanto Levi focava em Polícia 24 horas, Raquel não conseguia parar de pensar que os dois estavam ali sozinhos, novamente.
Desta vez, Raquel não tinha medo. Não tinha vergonha, talvez um resquício de insegurança. Mas este resquício não era o suficiente para aplacar a determinação dela.
Ela não sabia como começar. Não tinha prática nenhuma. Pensou se deveria ser atrevida e atacá-lo, assim como ele fez da última vez. Mas, assim que levantava o tronco do recosto do sofá, hesitou e se encostou novamente, frustrada. Levi parecia muito focado na televisão, como se o fato de estarem sozinhos e a conversa que tiveram no hospital não estivesse em sua mente naquele momento.
Raquel suspirou e resolveu sim fazer algo. Mas, diferente dele, seria mais sutil. Ela se deitou ao lado dele, com dificuldade pelo espaço pequeno. Ele mal notou ela ali.
"Você é tão fofo sabia.", ela sussurrou, com uma voz embargada.
Ele não respondeu, apenas pegou mais uma pipoca e riu com a fala do bandido na TV. Levi só notou a presença da namorada quando a mesma deu um beijo em seu maxilar. Um beijo demorado demais para ser ignorado. Depois, ela pousou os lábios na pele macia do pescoço dele e demorou ainda mais tempo ali. Levi ficou vermelho como o sol de Krypton e sentiu uma onda forte de arrepios subir por suas costas.
"Caramba.", ele resmungou, com a voz entrecortada. "Então foi assim que eu me senti aquele dia?"
"Como você se sentiu?", ela perguntou, beijando a curva do ombro dele.
Ele apertou a cintura dela, tentando controlar a sensação pouco conhecida que ele sentia. Não se lembrava de nada mentalmente, mas o seu corpo lembrava de tudo.
Seus dedos sentiram a pele arrepiada das costas dele e seu corpo se lembrou. Ele sentiu as mãos dela em seus cabelos e seu corpo novamente se lembrou. Quando os lábios dela finalmente encontraram os seus, ele entendeu que o corpo dele não esqueceu de absolutamente nada. Ela prendeu as pernas ao redor da cintura dele, quando ele se levantou. A euforia tomou conta de ambos quando o beijo se aprofundou.
"Vamos pro quarto do André de novo?", Raquel riu, enquanto ele atacava o pescoço dela, com a respiração entrecortada.
Ele hesitou e olhou para ela.
"Não acredito que a gente fez no quarto dele.", ele riu e a beijou novamente, antes de falar de novo. "Por mim eu fico aqui mesmo."
"E se alguém chegar do nada?", ela meneou a cabeça.
"Caguei pra eles."
Levi tirou o moletom com a camiseta de uma vez, com dificuldade e afobação. Raquel deu uma gargalhada e puxou o nariz dele.
"Você prometeu que não ia correr dessa vez."
"E eu não vou. A gente começa aqui e depois continua nos outros cômodos."
Ela deu um empurrão no ombro dele e fez carinho nos fios de cabelo de sua nuca logo depois, encarando os detalhes de seu rosto. Teve que se segurar para não chorar.
"Eu pensei que você ia morrer.", ela sussurrou. "Eu não sei o que eu ia fazer se isso acontecesse."
Ele assentiu, acariciando suavemente as costas dela.
"Eu sei que você me odiava antes da gente começar a namorar.", ela continuou. "Mas eu nunca quis te ameaçar ou competir com você. Na verdade, enquanto eu te conhecia melhor, percebi que queria muito ser sua amiga."
Levi encarou os olhos dela de uma forma que jamais fez antes.
"Eu nunca te odiei, Bacci.", ele sussurrou. "Sempre tive medo de você ser melhor do que eu, mas nunca te odiei."
Ela deu um curto beijo nele e sorriu contra os seus lábios.
"E você ainda tem medo de eu ser melhor do que você?"
Ele segurou a ponta da camiseta dela e a ergueu.
"Não mais. Eu sei que você é.", ele dizia enquanto passava a camisa pela cabeça dela. "Mas acho que, agora, eu finalmente aprendi a perder."
Ele sabia que ela era a única pessoa que ele aceitava ser vencido. Afinal que escolha teria? Soube ali, naquela noite, que ela não precisava se esforçar muito para destruí-lo. Bastava apenas existir.
Levi perdeu sua virgindade pela segunda vez, apesar de seus sentidos fazerem o que o cérebro não fez e Raquel finalmente entendeu que não precisa, em momento algum, ter vergonha da pessoa que ama.
Eles já eram parceiros no trabalho. Já passaram por situações quase morte, brigas desnecessárias e compartilharam alguns traumas. Por que raios ela deveria ter vergonha dele?
***
"Vocês não fizeram no meu quarto de novo não né?"
André disparou para dentro do quarto fazendo Raquel se jogar de cima de Levi, por pouco não caindo no chão. Ela puxou o edredom, torcendo para que ele não tivesse visto nada demais, mas pela expressão de nojo dele…
"AI MERDA!", ele esfregou os olhos, com raiva e se virou de costas. "Inferno eu não vou esquecer essa cena nunca mais."
Levi se sentou na cama e deu um sorriso perverso.
"Respondendo a sua pergunta: não. No seu quarto não. Já nos outros lugares eu não posso dizer o mesmo."
"Você é exagerado.", Raquel revirou os olhos. "André bate a porta na próxima."
"Próxima?", a voz de André subiu duas oitavas.
"A gente namora né, amado?", ela se defendeu.
"Bom mas eu pretendo me vingar em breve.", André disse, ainda de costas. "Eu e Agatha vamos sair e isso é só o início de tudo."
"O quê?", Raquel questionou surpresa. "Vocês dois? Mas ela não disse nada!"
"Ela deve ter te mandado mensagem, mas você tava meio ocupada né?'
Raquel jogou um travesseiro nele e ele se encolheu. Depois ela segurou o rosto de Levi.
"Amor me perdoe, mas preciso ver as fofoquinhas."
Raquel tirou o celular da cabeceira e abriu as mensagens de Agatha e André adivinhou certo: era sobre o encontro dos dois.
MC HTA gatinhah:
AMIGA TENHO DATE COM O ANDRÉ AHSHHSHS
AAAAAA
MDSSSSSS
ELE LA SOU A BRABAAAAA
SCCRRRCR
CADÊ VC SACO 🤬
Raquel respondeu rápido.
Quel polissia:
Acho que esse foi o maior plot twist da história. Me diga a data que vou te arrumar bem linda
👁️👄👁️
Raquel olhou o relógio e viu que já passava das 23hs.
"Levi, partiu. Meu pai vai me matar se eu chegar mais tarde."
"Certo. André, busque as roupas da minha mulher na sala ou se retire por favor."
André mostrou o dedo e saiu, sem responder se ia voltar. Mas, dois minutos depois, abriu a porta e jogou a muda de roupas dela na cama. Ela sorriu e fez um coração com as mãos.
"Te amo, Dedé."
***
Mais uma segunda-feira normal. Mais uma ronda em um bairro perigoso. Mas, diferente das primeiras vezes, onde eles só sabiam trocar farpas e silêncio constrangedor, Raquel e Levi tinham tanto assunto que precisariam rodar São Paulo inteira para ficar sem eles.
"Aí eu falei pra ele 'mano não tem como Free Fire see melhor que League of Legends. Lol você precisa jogar com estratégia. Free fire é só um monte de gado atirando uns nos outros.'"
"Eu acho os dois bem ruins.", ela sentou-se na calçada ao lado dele, encostando-se na viatura e entregando um saco de empadinhas da padaria ao lado.
"Você nem gosta de jogar, Bacci."
"Gosto sim. Amo The Sims, Roblox…"
"Você tem quantos anos mesmo?", ele a provocou. "Comparar League of Legends com Roblox…. Só você mesmo.", ele falou, irritado.
"Tá falando da minha idade mas parece moleque de 12 anos defendendo essa merda!", ela levantou a voz.
"Lol não é merda! Os jogadores podem até ser, mas o jogo não!"
Ela bufou e entrou na viatura. Ele entrou também, sabendo que era hora de rodar.
"Toda vez você me trata como se eu fosse burra com jogos, se eu jogar essa porcaria eu fico melhor do que você em uma semana."
Levi deu uma gargalhada e bateu no volante.
"A mas nem f*dendo, minha filha."
"JÁ FALEI PRA PARAR DE FALAR PALAVRÃO.", ela gritou.
Ele deu partida, resmungando.
"A senhorita pode se gabar a vontade por ser melhor do que eu em outras coisas, mas nem a pau você seria melhor do que eu em League of Legends e se falar isso mais uma vez te juro que vai ter volta."
"A é, o que você vai fazer?"
"Vou te castigar.", ele disse com uma risadinha.
Ela apertou os lábios, tentando não sorrir que nem uma imbecil ou ficar vermelha que nem um tomate. Ele sabia bem como vencer uma discussão.
Eles viram, ao longe, um trio de caras saíndo de um carro cheio de fumaça. Os três pareciam menores de idade e com um estilo de roupas totalmente duvidoso.
"A gente não prendeu aquele branquelo semana passada?", Raquel franziu o cenho, olhando o homem alto e pálido, sem camisa.
"Pois vamos prender de novo.", ele sorriu e parou a viatura na frente do trio que sobressaltaram-se de susto.
Levi e Raquel subiram as máscaras e saíram do carro.
"Bom dia, noias." Ele apontou para o próprio rosto. "Cadê a máscara?"
Um deles, o mais franzino, ergueu as mãos.
"Tá no carro, senhor.", ele sussurrou.
"Vão pra parede logo.", Levi disse com desinteresse.
"Eu revisto o carro.", Raquel falou, já entrando no carro dos homens. Logo de cara, já achou alguns pacotes de maconha, prontos para venda.
Ela pulou para o banco traseiro e encontrou algumas mochilas. Tirou-as com dificuldade e jogou no chão da calçada, se agachando para abri-las. Enquanto Levi revistava o segundo homem, ele começou a falar, com naturalidade.
"Amor, sei que a gente fez um ano de namoro mês passado e as coisas não estão fáceis pra ninguém esse ano… mas a gente bem que podia casar depois da pandemia, né?"
Raquel deixou o celular de um deles cair no chão. Ela olhou para ele, imaginando se não ouviu errado.
"V-você tá mesmo me pedindo em casamento no meio de uma ronda?"
"Pelo menos não foi uma blitz. Você odeia blitz."
"Eu achei romântico.", um dos suspeitos falou. "Eu aceitava, na moralzinha."
Raquel encarou a mochila e se levantou, com as mãos na cintura.
"Você vai ter que fazer um pedido bem melhor do que esse, se quiser ouvir um sim, querido."
Levi riu e algemou o homem.
"Isso é tipo um sim, né?"
"Se ferrou, Seu polícia.", o primeiro cara riu.
"Cala a boca, idiota. E aí, Bacci é sim ou não?"
Ela pegou o primeiro homem e o jogou na viatura.
"Meia-noite eu te conto."
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