17 - O que é o amor? Feat Baile na 17
Raquel, André e Levi foram designados para a operação na 17. Outros três policiais da PM iriam à paisana também, fora os da polícia civil, que estariam, aos montes rondando a região. Eles deveriam pegar o posto na delegacia antes de ir até a festa, então Raquel levou as roupas na mochila para se trocar lá.
Quando entrou no vestiário, viu Levi escorado no armário e sentiu o coração pular do peito. Respirou fundo e tentou manter a naturalidade.
"Você vai acabar levando uma suspensão, Levi. Sério, é bem contras regras ficar invadindo o vestiário feminino e tem câmeras no corredor."
"Carlinhos passa o pano pra mim. E descobri o ponto cego da câmera, então ninguém me pega."
Ele encostou a cabeça no armário ao lado do de Raquel, enquanto ela colocava as coisas dentro, abrindo a mochila e tirando as mudas de roupas. O cropped preto, o shorts e os tênis.
"Tá me evitando?", ele perguntou, sem cerimônias.
"Por eu te evitaria?", ela questionou, nervosa, fechando a mochila.
Mas a verdade era que ela estava mesmo evitando ele. Depois do grande acontecimento, ela saiu um pouco abobalhada da casa dele. Tinha tomado o banho mais rápido da sua vida e inventado mil desculpas para não receber a carona que ele insistia em dar
"Meu pai vai desconfiar se a gente chegar junto. Eu já chamei um Uber.", ela coçou a cabeça molhada e abriu a porta.
"É muito tarde, Quel. Eu te levo e paro um pouco antes da sua casa."
"Eu tenho uma arma.", ela riu, forçadamente. "O Uber já chegou."
E deu um beijo rápido nele, sem dar muito espaço para contestações. Ela sabia que estava sendo maldosa de evitá-lo, mas era como chuva em final de dias ensolarados: não dava para evitar. Porque não entendia os seus sentimentos. Não sabia se tinha, de fato, gostado daquilo. Gostou da sensação, da respiração cansada de Levi, do jeito que ele arquejava e mal conseguia falar o seu nome. Gostou do fato,dele mesmo, tê-la impossibilitado de falar também. Gostou de sua pele sobre a dela, dos beijos longos... Gostou do que lhe constrangia pensar.
Mas não gostou do que veio além daquilo. De tanto se expor e da sensação estranha de dor que sentiu depois e por não guardado para si. Do fato de ter enganado o seu pai e de ter deixado aquela Raquel inocente e boba para trás. Por mais que Agatha explicasse que aquilo não afetaria em nada o que ela era, ela não conseguia admitir isso para si mesma. Sabia que o pai não a veria do mesmo jeito se soubesse. Não sabia nem se Levi a via do mesmo jeito.
Lembrava-se de cada pedaço do corpo dela despido. Da cicatriz na coxa, das estrias nos quadris, as manchas de espinha nas costas. Ela vivia fazendo piada sobre caras que não gostavam disso em garotas. São coisas naturais, obviamente. Mas ela não sentia isso nela mesma. Essa sensação de naturalidade. Sentia só que eram feias essas imperfeições e, por mais que não tivesse tempo para procurar as mesmas imperfeições no corpo de Levi, tinha tentado reparar em algumas coisas e nada encontrou, senão motivos e mais motivos para perder a insanidade nele.
Ele se desencostou do armário e se colocou atrás dela, passando o braço ao seu redor e pegando um dos tênis de sua mão.
"Vai usar isso?"
Ela assentiu, vermelha.
"Putz, acho que vou ter que te revistar.", ele sussurrou no ouvido dela e os arrepios foram instantâneos.
Ela bateu a porta e se virou, paralisada.
"Levi, aqui não.", ela sussurrou, nervosa.
"Aqui não o que?", ele provocou.
"Tô te evitando porque ainda tô nervosa sobre ontem. Tá?"
"Por que nervosa? Eu fui muito ruim?"
"Não!", ela segurou as mãos dele. "Foi legal! Só que eu ainda tô com vergonha."
"Sério? Por quê? Você é perfeita.", ele colocou a palma da mão quente na bochecha dela.
Raquel suspirou, tentando disfarçar o colapso que estava prestes a atingir. Segurou a mão dele e olhou de novo para o armário.
"A gente pode falar sobre isso depois? Já estamos meio atrasados."
Com um olhar triste, Levi assentiu, tentando manter o sorriso no rosto, mesmo que fosse falso e, então, saiu, deixando Raquel sozinha, com uma culpa enorme.
***
Eles se encontraram na estação de ônibus duas horas depois, separadamente, para não gerarem desconfianças. André não se aguentou de rir quando viu Levi com as calças largas, camiseta do Corinthians e boné para trás e Levi fez questão de provocá-lo pela regatinha e os óculos de zangão. Raquel chegou logo depois. Com os shorts curtos de uma forma que Levi jamais viu ela vestindo, os seios escapando dos decotes do cropped e os cabelos enroscando nas bijuterias baratas. Levi engoliu em seco e sentiu seu rosto esquentar. Porque o único dia em que a viu tão despida assim foi, justamente, na madrugada anterior.
Não sabia se sentia ciúmes, desejo ou desespero. André assobiou quando ela passou por eles, ruborizada, e ele quase teve um AVC ao ver que o shorts estava ainda mais curto no bumbum. Ele puxou Raquel contra si, protegendo a sua retaguarda com um abraço.
"Pois é, né, muito linda minha mina.", ele falou, de um jeito malandro e extremamente falso."
Raquel olhou para trás, desconfiada e deu um tapa no braço dele.
"Que isso, Levi. Me larga senão te denuncio por assédio.", ela brincou, ainda que estivesse morrendo de vergonha.
"É por isso mesmo que eu tô te protegendo.", ele sussurrou.
"Amor, eu tô com uma arma aqui bem guardadinha.", ela bateu na bolsa transversal. "Ninguém vai mexer comigo."
"Me enoja ver o quanto vocês estão parecendo aqueles casais melosos do site face.", André revirou os olhos e subiu no ônibus, com Levi e Raquel ao encalço dele.
Os três sentaram nos últimos bancos. Raquel encarou Levi, de soslaio e o flagrou encarando o seu decote fundo. Ela engoliu em seco e sorriu para ele, sussurrando.
"Relaxa. Todas as meninas lá se vestem assim lá... e... não precisa sentir ciúmes."
"Não tô olhando por ciúmes.", ele admitiu, finalmente entendendo o que sentia. "Tô olhando por que não consigo evitar olhar."
Ela levantou a cabeça e os olhares deles encontraram-se e, quando encontraram-se, não conseguiram mais desviá-los um do outro. A única coisa capaz de tirar os olhos de Levi dos de Raquel foram os lábios dele. Ele os encarou, pintados com um batom rosa discreto, que não combinava com as roupas dela e lembrou-se de suas longas mordiscadas neles, na noite anterior. Se perguntou se havia exagerado e, por isto, a afastou. Se perguntou por horas o que tinha feito de errado, mas, no final, tudo parecia errado.
"Tá bom!", André bateu a mão na perna, impaciente. "Transar na minha cama já não foi o suficiente? Agora vão fazer isso na minha frente também?"
Raquel escancarou a boca e Levi engasgou com um pigarro.
"QUE?", ele perguntou.
"Eu sou policial, antas! Eu sei ler a cena do crime, lembram? Por que acha que eu dormi na sala ontem?", ele se voltou para Levi.
Levi tossiu e deu um sorriso amarelo.
"Dré, foi mal, pode trocar de quarto comigo."
"Não, não, amigo. Não se preocupe. Vou me vingar de você na hora certa!", ele deu três tapinhas, mais fortes do que deveriam ser para tapas amigáveis, no ombro de Levi e se levantou. Sabia que estavam perto do ponto em que desceriam.
Totalmente envolvida pelo constrangimento, Raquel desceu com os meninos no ponto. A rua já estava fechada, cheia de jovens igualmente mal vestidos e batidas altas da música fazendo o chão vibrar. Em poucos minutos, se encontraram com os outros policiais jovens e formaram um pequeno grupo, que se passava facilmente por qualquer outro grupo normal ali.
André pegou uma lata de skol beats e começou a dançar, se misturando rapidamente com o grupo. A outra garota começou a dançar, entre ele e o outro rapaz disfarçado. A unica pessoa que não conseguia fingir era Raquel. Queria se enterrar em um buraco e não sair até que todos os seres humanos fossem extintos. Ou todas os seres com olhos.
Levi pegou uma latinha de cerveja de uma das caixas de isopor que viajavam pela multidão de corpos. Ele segurou a mão de Raquel e falou, com um tom de voz alto que transpassasse o barulho da música.
"O que você tem, Quel?"
Sabia que, se ela ficasse toda acanhada, poderia chamar ainda mais a atenção se ela começasse a rebolar. Ninguém ali era acanhado. Ele precisava fazê-la desabafar e contar seja lá o que fosse que a estivesse incomodando.
"Não é nada!"
"Eu te conheço há tempo suficiente pra saber que você tá mentindo!", ele quase gritou, já que a batida ficou mais alta.
"Eu não posso falar, tem muita gente!"
Ele olhou para os lados e sorriu.
"Não tem ninguém aqui que te conheça. O André já tá meio longe. Fala!"
Ela mordeu o lábio inferior e sentiu a bebida de alguém respingar na sua perna. Ela suspirou e começou.
"Eu gosto de você, Levi. O suficiente de não me arrepender de ter dormido com você. Mas..."
Ela olhou para os tênis ridículos em seu pé e ele segurou a mão dela.
"Mas...?"
"Mas eu estou numa porcaria de crise agora. Menti pro meu pai. Ai cara, se ele souber!"
"Quel!", ele ralhou, como uma mãe que dá uma bronca em um filho.
"Fora que eu não esperava que ia ser tão estranho! Você viu tudo! Eu vi tudo. Foi esquisito, não fico sem roupa nem na frente da minha mãe, Levi. Eu não sei em que buraco me enfiar! Fora a cama do André que ficou parecendo cena de assassinato!"
Ele deu uma risada aliviada e ela deu uma cotovelada nele.
"Inferno! Tá rindo por quê?!"
"Por que você acha que é a única pessoa que está passando por isso? Lembra que pra mim, tudo é novo também?"
Ela bufou e colocou as mãos na cintura.
"Raquel, não se preocupa com o que seu pai vai achar. Nem se sinta culpada por nada do que a gente fez. É o que os casais fazem quando se..."
Ele hesitou e o olhar dela saiu dos seus próprios pés, finalmente, permitindo-se encará-lo.
"Quando se amam. Quer dizer, nem todos. Uns fazem por fogo mesmo. Mas não foi esse o meu motivo. Eu te amo, Quel."
Ela sentiu aquelas palavras descendo até o seu coração e aquecendo cada pedaço dele. A declaração mais romântica que já tinha ouvido, no ambiente mais não romântico possível.
"Me desculpe se eu fui muito rápido e te ataquei.", o olhar dele voltou a ficar triste.
"Não peça desculpas", ela envolveu o pescoço dele com os braços. . "Eu quis. Porque eu te amo."
Ele sorriu e encarou os lábios dela de novo. Envolveu sua cintura e cessou o espaço entre os lábios deles, mais uma vez. Raquel tinha certeza, agora, que vergonha nenhuma a faria gostar menos daqueles lábios. Gostar menos do corpo dele. Menos dele. Ela ainda era ela mesma, mas uma parte de si era de Levi e uma parte dele era dela. E ela amava a sensação de, finalmente, saber disto.
Ele sorriu contra os lábios dela e resmungou baixinho em seu ouvido.
"Sabia que nos bailes você pode dançar de um jeito legal?"
Ela, ainda aninhada nele, perguntou.
"Como?"
Ele se desvencilhou dela e colocou-se ao seu lado.
"Olha, é que nem os passinhos que a gente fazia na escola."
"Aquele negócio vergonhoso?"
"Sim!"
Ele jogou a latinha que ainda não tinha aberto na outra mão e começou a fazer os passos, acompanhando a batida da música. Raquel começou a imitá-lo, um pouco sem jeito, até que ambos entrassem em uma sincronia que, nem mesmo eles, entendiam como conseguiam. Ele riu e ela riu junto. Raquel pensou que, talvez, aquilo ali devia ser o amor o qual eles falaram. Eles ali, dançando uma música que eles não gostam. Brigando e brincando nas rondas, vendo Polícia 24 horas, Naruto e jogando via discord.
Nas coisas simples. Nas coisas mais bobas. Até mesmo quando as coisas entre eles começaram na inimizade, já estava escrito que a história dos dois seria muito além do que as coxinhas que compartilhavam na viatura toda manhã e alguns cadáveres de traficantes em salas estreitas de algum cômodo na zona leste. Muito além das brigas de bar, das violências domésticas, das rondas, de tudo o de ruim que viam em seu trabalho, suprimido pela a sensação boa de terem um ao outro.
Mas, uma vez, o pai dela disse que ela poderia se apaixonar por qualquer pessoa, menos um colega de trabalho, um parceiro. Porque, só quem sabia quão pesado era o fardo daquela profissão era quem a exercia e que dois fardos eram pesados demais e mesmo nem mesmo duas pessoas poderiam equilibrar este peso.
Raquel só entendeu este peso quando, tão rápido quanto um segundo pode correr, uma pessoa atravessou a multidão, sacou uma arma e disparou um tiro na testa de Levi.
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