15 - Os pais de Levi Kim são mais frios que pinguim dançando break na Antártida

Agatha estava sentada na calçada de sua rua, com um pacote de balas de goma e um André pensativo ao seu lado.

Raquel cumpriu o prometido e deu um jeito de fazer Agatha e Daniel se aproximarem. Mas foi um tanto quanto esquisito. O que aconteceu foi que Agatha gastou demais a sua sutileza. Sutileza essa que Daniel não teve nenhuma. Agatha recebeu, inesperadamente, uma mensagem de Daniel no privado. Ele perguntou como estava a vida e, imediatamente, o assunto foi desenrolando e desenrolando, de uma forma natural. Até que o ponto de obviedade que a espantou apareceu.

Daniel, de um jeito tranquilo e natural, a chamou para ir à sua casa, no sábado à noite. Agatha, a princípio, pulou de felicidade e pensou em contar imediatamente para Raquel sobre a evolução. Mas então ela pensou bem. E pensou. E repensou. Foi quando, finalmente, ela ligou os pontos. O horário, o local... Ele não tinha sido desrespeitoso em momento nenhum. Pelo contrário, parecia uma boa pessoa. Mas Agatha conhecia um pouco dos homens e sabia que aquilo não era um convite para um encontro e sim para outra coisa.

Agatha sentiu-se mal por chamar André ao invés de Raquel. Mas sabia que precisava de uma opinião masculina, antes de qualquer coisa. Poderia estar julgando ele mal e André conhecia bem os irmãos Kim. Ele encarou Agatha, com uma expressão séria e testa franzida. Após um longo silêncio, sucedendo a pergunta chave de Agatha, André finalmente falou.

"Ele quer dormir com você."

Agatha arregalou os olhos e apertou o saco de balas entre os dedos. A expressão de André logo mudou e ele começou a rir. Agatha arregalou ainda mais os olhos, antes de estreitá-los com ódio.

"Não tem graça, André. Eu pensei que ele...", ela coçou a cabeça e encarou os próprios joelhos. "Pensei que ele era legal."

"Ué, e ele é!"

"Legal? Assim? Ele mal me conhece e já me chamou pra cama. Quem ele pensa que é?"

André suspirou e bateu o seu quadril no dela.

"Agatha, meu benzinho.", ele apoiou a cabeça dela em seu ombro. "Você precisa entender que nós homens não somos como vocês imaginam."

"Quer dizer que você chama as meninas assim, do nada, pra transar?"

André riu e segurou a mão dela.

"Não né. Depende...", ela estreitou os olhos e ele ficou vermelho. "O que quero dizer é que o Daniel é mais velho que a gente e tem muito mais experiência. É normal achar estranho, ainda mais você que não tem experiência nenhuma."

"Obrigada pela parte que me toca, André.", ela resmungou.

"Não tô zoando, Agatha. Você sabe que me importo com você e não brincaria com algo assim. Você queria um conselho masculino e é por isso que eu estou aqui. Não leve a mal o pedido do Daniel."

Agatha suspirou e levantou a cabeça do ombro de André. Ela o encarou com um olhar curioso e estreito, com uma certa dúvida, hesitando parecer muito complacente, ao mesmo tempo que temia parecer antiquada e patética.

"Então você acha que eu deveria falar com ele?"

"Eu não acho, eu tenho certeza. Não é legal evitar comunicação e o Daniel não é um monstro. Fala o que você realmente sente. Fala para ele que você não tá afim disso. Conhecendo ele do jeito que eu conheço, eu tenho certeza que ele vai compreender. E vai que ele acaba até mudando de ideia e te chamando para alguma coisa, ou algum rolê diferente!"

Agatha assentiu. Sabia que, de fato, Daniel não era uma pessoa ruim. Pouco conhecia dele, mas se fosse ter algo a mais, precisaria deixar as coisas claras desde o início. De qualquer forma, tinha que admitir que depois de tal proposta, tinha desanimado um pouco da ideia de mudar esse pensamento.

Outra coisa que não pôde deixar de perceber foi a forma que conversou com André. Era a primeira vez que havia conversado de um assunto tão íntimo quanto aquele. Na maioria das vezes, tudo que conversavam era sobre coisas novas que ela tinha visto na faculdade, alguma série que eles tinham assistido ou até mesmo sobre os casos que ele havia pegado durante o dia. No entanto, havia sido bem melhor do que ela imaginava.

Quando Agatha percebeu um sorriso bobo e não previsto em seu rosto, foi como um balde d'água que a acordou de um sono profundo, de domingo para segunda-feira antes de ir à escola. Ela se levantou um pouco assustada, esfregou o pulso na testa e arregalou os olhos.

"Ah... eu lembrei que eu tinha que resolver. Tipo umas coisas lá em casa."

"Ah é? tipo o quê?"

"É que rolou uma infestação de aranhas no telhado do quartinho, então eu meio que vou ter que ajudar minha mãe."

"Ué quartinho? Quartinho geralmente não tem em casas maiores? Achei que você e seus pais moravam num apartamento..."

"Ah, mas meu pai é tipo o síndico, então ele
é responsável pelas coisas pelas tralhas que os outros moradores precisam guardar. Então sim, tem um quartinho e a gente tem que limpar!", Agatha riu. "Sabe como é, né? Ossos do ofício.", ela deu um sorriso ainda mais abobalhado que o anterior e saiu praticamente correndo dali.

Ela devia estar viajando, não existe outra explicação. Não existe outra explicação para aquilo além de viajar. Tinha que colocar os pensamentos em ordem e a primeira coisa que ela teria que fazer era conversar com Daniel. Mandou uma mensagem para ele, decidida:

Agatha: Vamos adiantar o rolê de hoje? Me encontra no shopping...

***

Raquel estava sentindo na pele a dor que Levi sentiu na semana passada. Conseguia perceber cada uma de suas veias bombeando em sua garganta, a vista um pouco turva e as mãos suando e um frio no estômago, que nem mesmo sentiu quando ela precisou prender seu primeiro bandido, ou fazer a primeira apreensão de drogas em uma casinha abandonada na comunidade mais próxima à delegacia.

Ela suspirou, amarrando o vestido com a palma de suas mãos suadas e pegou a bolsinha transversal da maçaneta da porta do seu quarto. O vestido era preto e simples, porém com um toque especial de um pingente longo, que batia no centro de sua barriga. Sua mãe sorriu quando a viu na sala. Deu alguns aplausos curtinhos, enquanto seu pai fazia cara feia.

"Tá linda, meu bebezinho.", A mãe deu um beijo rápido em seu rosto, com orgulho brilhando em seu olhar.

"Não volta tarde", o pai resmungou curto e objetivo.

"Claro que não pai.", ela revirou os olhos e deu um beijo rápido nele também, que não pôde conter um sorriso.

Do lado de fora Levi estava parado com uma moto. Raquel pediu a Deus milhões de vezes, em apenas um segundo, que o pai não visse aquela cena. Seu pai era um grande odiador de motos e motociclistas. Também não era muito fã de Levi desde o dia que soube que ele seria o homem que tomaria de si a sua princesinha. Então se combinasse Levi, moto em um trânsito caótico às 8 horas da noite na sexta, sabia que nunca mais poderia sair de casa depois daquele dia.

Ela se aproximou dele, com a cabeça baixa e sussurrou:

"Levi, que diabo é isso?"

"Uma moto, nunca vi uma?"

Ela franziu o cenho e depois revirou os olhos.

"Tá, mas de quem é essa moto?

"Minha, oras.", Ela o encarou, com um olhar acusador e ele bufou. "Tá, tá bom, é do André. Sobe logo a gente tá atrasado."

"Levi, caramba, eu tô de vestido.", ela resmungou.

"Ah....", ele gaguejou.

"Sorte a sua que eu sempre coloco o shorts por baixo.", ela subiu na moto e envolveu o seu quadril com os dois braços e formou uma concha com as mãos sobre a barriga dele, para se segurar.

"Bora, que eu tô com fome."

Levi sorriu e deu partida na moto. Quando tomou um pouco mais de velocidade e Raquel sentiu o vento batendo contra o corpo deles, teve certeza que não sairia viva daquilo. Se estava nervosa antes, agora estava em pânico. O coração parecia querer rasgar o seu peito de cima a baixo e ela sentia que, a qualquer momento, voaria para longe e bateria em algum prédio. Ela deu tapinhas no ombro de Levi que começou a rir quando percebeu o desespero dela.

"A gente já chegou, a gente já chegou, a gente já chegou?"

"Você sabe que se eu for mais rápido vai ser pior, né?", ele gargalhou.

"Levi, eu te juro que se eu morrer eu te mato."

A risada dele, de certa forma, a fez esquecer por dois segundos o risco de vida. Demorou apenas mais alguns minutos para chegar a um sobrado em uma rua tranquila. Havia dois portões, com uma extensão que pegava toda a esquina da calçada e dois carros que custavam, no mínimo, cinquenta mil, estacionados dentro da garagem. Foi naquele momento que Raquel percebeu que Levi estava entre a linha da classe média e a classe alta e nunca havia lhe contado. Se tivesse mais um pico de ansiedade, além de todos os que estava tendo até o presente momento, sabia que não sobreviveria para contar a história à Agatha no dia seguinte.

Quando Levi estacionou a moto e desceu, Raquel segurou o pulso dele e olhou para o chão, com o rosto corado de vergonha.

"Levi eu tô com medo...", ela sussurrou

Ele deu um sorriso calmo e fez um carinho leve em sua bochecha direita.

"Você não precisa ficar com medo. Independente do que acontecer aqui hoje, nada vai mudar. Independente do que eles falarem eu ainda sou todinho seu!"

Ela riu e assentiu, tomando coragem de entrar na casa. Raquel engoliu em seco e segurou a mão de Levi, sem saber se isso seria bom. Depois que ele contou sobre os quase dois anos de gelo de seus pais, ela perguntou diversas vezes se era uma boa ideia invadir o espaço deles. Era a primeira vez que ele os via depois de tudo. Mas Levi respondeu, todas essas vezes, da mesma forma: queria quebrar o silêncio com ela. Queria fazer tudo com ela.

Raquel não sabia quando tinha conhecido esse Levi. O Levi que parecia não respirar se não fosse com a permissão dela e estavam namorando há apenas dois meses. Tinha medo de mergulhar de cabeça nisso, do mesmo jeito que ele parecia estar mergulhando. Mas, cada vez que ele era sucinto em expressar o que sentia, ela sentia-se mergulhando mais e mais.

Quando eles entraram, ela ficou chocada com o tamanho da garagem, ainda maior do que aparentava ser do lado de fora. Os carros cobriam o acesso uma piscina, um espaço coberto com churrasqueira e algumas mesas e, mais ao longe, uma entrada para a casa.

Ao cruzarem a porta, se depararam com as pessoas que fizeram ambos morrerem de ansiedade. Os pais de Levi estavam sentados em um sofá que parecia mais caro que a casa dela, bem ao lado de Daniel. Raquel pode notar de onde os irmãos Kim tiraram a beleza. O pai deles não parecia ter mais de 35 anos, mas ela sabia que devia ter bem mais, pela idade de Daniel. Tinha cabelos negros como ébano e os olhos tão negros quanto. A mãe tinha cabelos curtos e castanhos, indícios de covinhas, bem parecidas com as de Daniel e uma postura educada e ereta.

Raquel se sentiu feia pra caramba. Tentou não externar isso, mas sentiu os ombros murchando. Levi apertou as mãos dela e sorriu, ela suspirou quando os pais se levantaram, com um sorriso extremamente forçado do rosto. O dela devia estar tão forçado quanto.

"Oi gente!", Levi os cumprimentou.

Raquel sentiu o coração arder de pena com o aperto de mãos frio que seu pai deu e o beijo curto que a mãe deu em sua bochecha. Nenhum abraço. Nenhuma interjeição. Sentiu a frieza quando o pai e a mãe dele tocaram em sua mão com o mesmo aperto.

"Essa é a Raquel. Minha namorada."

"Prazer.", o pai dele falou. "Sou Henrique e essa é minha mulher, Juliana."

"Prazer em conhecer vocês!", Raquel respondeu, levemente corada.

Levi tinha contado um pouco dos pais dele antes do jantar. Min-dae e Joo-ah eram os nomes verdadeiros deles. Ele contou sobre os negócios de seus pais, o ano em que vieram ao Brasil e um pouco de suas personalidades. Mas Raquel não sabia dos detalhes, como o casarão, a frieza... até mesmo os nomes brasileiros, que provavelmente usavam só com outros brasileiros.

Ela olhou para o casal que se levantou e levou um susto quando viu o primo e a irmã bonita de Levi.

"Bruno?"

"Quels?", Ele arqueou as sobrancelhas e sorriu, apertando Raquel em um abraço de urso. "Meu Deus, há quanto tempo!"

"Pois é, né? Só lembra da gente nas ceias de natal, anjo?"

Bruno riu e, ao lado dele, Luana deu um sorrisinho, segurando a mão de Raquel.

"Raquel Bacci, a famigerada! O Bruno, o Dan e o Levi falaram bastante de você!"

Raquel abriu um sorriso e puxou Luana para um abraço e a garota correspondeu calorosamente.

"Pois é, eles também falaram de você!"

"Espero que tenham falado bem.", ela piscou e foi até Levi. "Meu Deus, tá fortinho, hein?"

Ele rolou os olhos e abraçou a irmã, bem menor do que ele. Depois cumprimentou Bruno.

Depois de fazerem sala, foram até o quintal, onde já tinha carne pronta para ser assada, refrigerantes, latinhas de cerveja e acompanhamentos que, provavelmente, não foram preparados pela mãe de Levi, e sim por alguma empregada. Era o que Raquel conseguia imaginar, na verdade.

Daniel ajudou o pai, enquanto Levi, Raquel, Luana e Bruno conversavam.

"E ele morria de ciúmes comigo naquela sala. Acredita que minha classe é quase toda só de homens?", Luana contava contava sobre como percebeu que Bruno correspondia aos seus sentimentos.

"Na verdade, o Bruno era gadão na Lu há milhões de anos, só foi se revelar agora!", Daniel colocou pedaços de carne no prato, sentado em frente a eles e Bruno furou o braço dele de leve, com a ponta do garfo.

"Deve ser um porre, né? Só macho na sala. Já não aguento o Levi.", Raquel zombou.

Ele entortou o nariz e roubou um pedaço de linguiça do prato dela.

"Você não vive sem mim, mulher. Já tinha virado miúdo na mão dos caras."

"Ela também é policial?"

A mãe deles, pela primeira vez, tinha falado algo na conversa. Por enquanto só observava, como um professor vigiando alunos durante uma prova. Raquel ignorou a tensão de ser observada, para não parecer chata com Bruno e Luana. Mas estava notavelmente nervosa.

"A-ah sim!", ela sorriu amarelo.

"E como o Levi é lá?"

Raquel sentiu algo apertar sua garganta e ficou chocada ao perceber que era apenas o seu pânico voltando. Mordeu o lábio inferior e ponderou cada sílaba da resposta. Não queria ferrar o Levi.

"Ele é ótimo. É uma das pessoas mais dedicadas que eu conheço na delegacia."

Levi apertou a mão dela embaixo da mesa e ela conteve a expressão abobalhada.

"E você tá gostando, Levi?", o pai perguntou da churrasqueira, sem virar para ele.

Levi deu de ombros, tentando esconder o brilho dos olhos quando falava da própria profissão.

"Paga o meu aluguel."

Ela sabia que, para Levi, ser policial era bem mais do que pagar as contas. Mas também sabia que aquilo era uma forma de se desviar do assunto. Se desviar do fato de ser confrontado pelos seus pais por fazer o que eles nunca quiseram que ele fizesse da vida.

Depois disso, os pais mal falaram a noite toda. O que movimentou o evento era apenas a presença de Daniel, Bruno e Luana. Não entendia como Levi era assim, com pais tão frios. Ele gostava de toque. Quando se viam, pelas manhãs, ele sempre a prendia no corredor, ou na viatura e a enchia de pequenos beijos. Não somente ela. Brincava de chaves de braço com André e nem mesmo ele aguentava ser agarrado o tempo todo por Levi em casa, com brincadeiras. Daniel também não era nenhum pouco frio.

A teoria dela era que a falta de contato dos pais o fazia implorar por contato, agora adulto. Agora, ligando os pontos, sabia que sua personalidade multifacetada poderia ser consequência disso.

Como esperado, ele não conseguiu fazer o que queria: pedir desculpas aos pais. Saíram da casa deles, sem muita cerimônia. Ela sentia Levi com o corpo rígido, dirigindo a moto e o silêncio doloroso. Mesmo com o trânsito, obviamente atrapalhando.

Então, ele gritou, por detrás do capacete.

"Tá cedo ainda! Quer ir lá pra casa?"

Raquel sabia que tinha prometido ao pai que não demoraria. E já eram quase onze. Mas o trato era voltar até meia noite. Ainda dava tempo de se aproveitar da generosidade do pai e Levi parecia precisar disso. De conversar um pouco.

"Vamo!"

O que Raquel não esperava é que ali, naquele simples desvio de caminho, algo aconteceria. Um acidente. A prova de que, uma noite sem pensar, poderia marcar sua memória pelo resto da vida.

Desta vez, não envolvia tiros, pessoas mortas, grandes mobilizações da polícia ou milhares de coisas que o seu cotidiano conturbado poderia lhe trazer. O acidente só envolveu duas pessoas: ela e Levi.

E a casa dele vazia. O quarto fechado. E os dois se descobrindo de uma forma que ambos jamais se descobriram.

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