12 - A última balinha de uva verde do pacote
Bruno Toledo não sabia no que havia se metido quando terminou com Patrícia Vasconcelos. O erro começou quando acabou deixando o seu coração nas mãos de uma garota que mal conhecia.
Desde o início, Patrícia parecia evitar ao máximo falar de sua família. Ele sabia que ela tinha um irmão mais velho e que eles tinham dinheiro. Também sabia que ela nasceu no Rio e que seus pais já viviam ali, também, desde muito antes disso. Mas Bruno nunca conheceu eles, nem o seu irmão. Quando insistia em conhecer, ela evitava. Por isso, ele não sabia do problema que teria quando terminou com Patty. Porque ela podia traí-lo, podia não gostar dele de verdade e podia ser péssima com ele, mas uma coisa que ela não admitia era que ele desse a última palavra sobre o relacionamento deles.
Ela contou ao irmão. Aquele irmão mais velho que a considerava sua menininha. Aquele que não admitia que ninguém a machucasse, mesmo que ela estivesse errada e, quando ele soube, viu em Bruno uma oportunidade de resolver tanto o problema da irmã quanto o seu. Unir o útil ao agradável.
Então, tudo o que ele precisou foi colher provas. Provas de seus próprios crimes. Celulares, pacotes de drogas, um carro… Não parecia um plano tão difícil de se armar. Mas seria difícil de desvendar.
E, quando ele o colocasse em prática, a vida de Bruno Toledo e Luana Kim não seria mais a mesma.
***
"Fala, Agatha! Desembucha..."
Agatha tinha praticamente convocado Raquel para uma noite emergencial do pijama, o que deixou Raquel emburrada, já que ela planejava ir jantar com Levi. Agatha choramingou, jogando na cara de Raquel a promessa de que nunca, jamais, nenhuma das duas abandonariam uma a outra por homem. Por isso, Raquel cedeu. Sabia que ela tinha razão. Mas ainda assim…
"Eu sei que você não queria estar aqui.", Agatha fez um biquinho.
Raquel suspirou e riu, pulando em cima da amiga.
"Você estragou meu encontro, sua besta. "
"Desculpa amiga, era urgente."
"Então diga logo! Tá enrolando há meia hora!!!"
"É que você tava contando as novidades e tals.", Agatha gesticulou e Raquel puxou um cachinho dela.
"Então, é que…" ela brincou com o cabelo. "Como você tá namorando com o Levi agora…"
"A gente não tá namorando ainda.", Raquel enfatizou.
"Vocês tão saindo e se pegando, whatever. Quase namorando. Mas agora que você está meio comprometida, eu posso perder o medo de te talaricar…"
"Como assim talaricar?", Raquel arqueou as sobrancelhas.
As duas se sentaram na cama e Agatha suspirou, preparando-se psicologicamente para começar a confissão.
"É que eu tô gostando do…"
"Lee Taemin!", Raquel a interrompeu, levantando um dedo.
"Não amiga, é sério! É que eu…"
"Jungkook?"
"Para de me interromper, vaca.", Agatha riu e sentiu o rosto esquentar. "E-eu meio que tô afim do Daniel Kim."
Raquel arregalou os olhos e colocou a mão na boca, em uma expressão exagerada e fingida de surpresa.
"Não! Não creio.", disse com sarcasmo.
Agatha deu vários tapas no braço da amiga que não parava de rir.
"É sério amiga, tava na cara. Se bem que, na balada, não soube muito dizer se era do Daniel ou do André que você tava afim. Mas, dado o seu histórico…"
"Aí o André é tudo também. Mas eu meio que senti o que sinto pelo Daniel desde que a gente assistiu o filme com ele e o Levi. O dia que eu os conheci."
"Mas vocês não conversam, amiga? Pareceu que se deram super bem!"
"A gente até trocou umas palavras no messenger, mas só isso. E eu tenho vergonha. Aí amiga me ajuda!"
Raquel abraçou a amiga de lado, que apoiou o queixo no ombro dela.
"Calma amiga, vou falar com o Levi."
"Amiga, não. Não conta pra ele. Será que você não consegue me ajudar sozinha?", Agatha fez um bico. "Tô com vergonha…"
"Ok, ok. Não sou tão próxima do Daniel quanto o Levi, mas dou um jeito."
Agatha abraçou a amiga e sentiu alívio. Queria contar para Raquel sobre Daniel há tempos, mas não sabia se ela tinha algum sentimento por ele. O tempo foi mostrando, conforme se passou, que era de Levi que Raquel gostava e a mesma, logo, admitiu isso. Mas, até descobrir, Agatha sentiu medo de trair a amiga.
Raquel, por outro lado, imaginou como ajudaria a amiga, já que não sabia tanto de Daniel quanto gostaria. Havia prometido que a ajudaria, sem contar nada para Levi. Mas ainda poderia usá-lo sem ele saber. Só precisaria ser sutil o suficiente. Depois que elas pegaram os esmaltes e Raquel começou a decorar as unhas de Agatha, foi a vez dela desabafar.
"Amiga, sei lá se esse negócio entre eu e o Levi é sério."
Agatha arregalou os olhos enquanto Raquel tirava as cutículas do mindinho dela.
"Ué amiga, por quê? Achei que vocês tavam bem!"
"A gente tá, amiga. O Levi é sem palavras. Mas a gente tá saindo há um mês e nada dele dizer algo sobre oficializar. Nosso relacionamento é basicamente alguns encontros nas folgas e alguns beijinhos…"
"Amiga, não creio que tá assim! Jurava que vocês tavam se pegando horrores naquela viatura."
"Amiga, quem você acha que eu sou? A gente é profissional…"
Agatha deu uma risadinha sarcástica e Raquel mostrou a língua.
"Não tô falando que tô entediada do nosso lance.", Raquel continuou. "Se eu pudesse, viveria assim a vida toda. O que me cansa é não saber o que vai ser de nós amanhã. Às vezes penso que ele vai se cansar de mim a qualquer momento.”
“Filha, aonde? O Levi arrasta um caminhão por você!”
“Não sei, Agatha.”, Raquel deu de ombros, enquanto Agatha mergulhava os seus dedos na água morna. “De verdade, não sei se ele quer algo sério tanto quanto eu.”
“Por que você não pergunta pra ele?”
“Não quero. Não quero forçar ele.”
Agatha coçou o queixo e pensou por alguns instantes.
“Eu e o André conversamos bastante…”
“Hum é?”, Raquel deu um sorriso malicioso e Agatha rolou os olhos.
“Calada besta. Mas eu meio que pensei que, talvez, eu pudesse perguntar para ele e…”
“Não, não, Agatha. Você sabe que os machos são que nem a gente: contam tudo uns pros outros.”
Agatha assentiu, em silêncio. Mas ela e Raquel eram tão parecidas que, naquele momento, Agatha teve uma ideia de como ajudar a amiga, e muito se assemelhava com a ideia que Raquel tivera para aproximar Daniel de Agatha: iria especular sobre a oficialização do namoro de Levi e Raquel, sem revelar suas reais intenções, que eram, indiretamente, estimular Levi a fazer isso, através do amigo.
Uma vez, Agatha e Raquel fizeram um teste no Buzzfeed para saber quem elas eram na Turma da Mônica e ambas caíram com o Cebolinha. Talvez seja por causa dos benditos planos infalíveis.
***
Era uma atmosfera estranha. Estranhamente maravilhosa.
Levi fazia carinhos leves na palma da mão de Raquel, que sentia o rosto queimando e suando frio ao mesmo tempo. O toque era mínimo, mas Raquel sentia que poderia explodir com tanta fofura. O som do rádio tocava baixo e o sol nascia, preguiçoso, no horizonte. Estavam em um turno estranho na última semana. Das 5 da manhã até, mais ou menos,1 da tarde. Era bem puxado, mas Levi dizia que gostava. Neste horário, as ruas estavam mais tranquilas e, como eles estavam focados em estar de prontidão para ocorrências acerca da investigação, conseguiam ficar parados de tempos em tempos. Era quando eles conseguiam jogar conversa fora, fofocar, combinar os próximos encontros e ficar assim: de mãos dadas, trocando carinhos discretos.
Eles entrelaçaram os dedos e Raquel deu um sorriso bobo, olhando para baixo. Levi riu e soltou as mãos, segurando as bochechas dela.
“Você é muito fofa.”, ele deu um selinho nela. “Queria morder a sua carinha…”
Ele deu uma mordida leve na bochecha dela e ela riu, sentindo um arrepio rápido na nuca.
"Para! E se alguém ver?”, ela disse rindo e vermelha.
“Mal amanheceu, Quel.”, ele argumentou, chamando-a pelo apelido que começou a usar há duas semanas, mas que ela ainda não se acostumou, ouvindo-o em sua voz. “Ninguém vai ver.”
“Mas a gente tem que ser profissional. A gente tá trabalhando e…”
Ele a interrompeu com um selinho mais longo, puxando levemente o lábio inferior dela no final.
“Você é muito chata, sabia? Eu já disse que o que a gente faz na viatura fica na viatura.”
Ela revirou os olhos.
“Me chama de fofa e dois segundos depois de chata, né?”
Ela beliscou a bochecha dele com força e ele resmungou com a dor.
“Bruta.”, ele esfregou a bochecha vermelha, com uma careta.
Raquel tinha raiva de si mesma nestes momentos. Ficava brava com Levi, por ele a ”cozinhar” por mais de um mês, mas não conseguia se conter quando o via tão fofo. As bochechas coradas por ter acordado há menos de uma hora, a pele bronzeada, bem iluminada com a luz do sol que nascia. Ela se esgueirou para a ponta do banco do passageiro e deu um beijo na bochecha que beliscou. Ele sorriu e ela deu um beijinho no maxilar dele, sentindo o cheiro do perfume que ele compartilhava com André.
Ela deu um beijo rápido nos lábios dele e ele riu, puxando a nuca dela para perto de si de novo e retribuindo com um beijo mais longo que, antes de se aprofundar, foi interrompido pelo rádio da viatura, indicando uma ocorrência de violência doméstica próxima.
“Então, bora!”, Levi suspirou, ligando o carro enquanto Raquel colocava o cinto de segurança.
Raquel ajeitava o cabelo, que tinha bagunçado um pouco, quando Levi perguntou:
“Amor, a gente podia ir na Liberdade esse final de semana, o que você acha?”
Raquel sentiu as bochechas esquentarem de novo e ficou impressionada com a frequência com que isso acontecia desde que conhecera Levi.
“Nossa, me chamou de ‘amor?’ Quem vê pensa que a gente namora.”
Mas ficou ainda mais impressionada com o próprio sarcasmo.
“E a gente não namora não?”, ele colocou a mão no peito. “Me sinto usado.”
Ela bufou.
“E eu não?”
“Tá brava, gatinha?”, ele cutucou ela.
“Vou te dar um tiro!”, ela resmungou.
“E aí a gente vai pra Liba ou não?”
“Quem chama Liberdade de Liba?”, ela cerrou os olhos.
“Eu. Vamo, Quel! Quero comer comida coreana. Não como desde que…”
Ele se interrompeu. Iria dizer que não comia desde que havia saído de casa. Mas aquela não era uma história que queria contar a Raquel. Não ainda. Sabia que queria contar muito de si mesmo a ela, mas não queria soltar tudo no colo dela de uma vez. Queria que as coisas entre eles caminhassem tranquilas, tudo no tempo certo e, agora, era tempo para outras coisas. Como oficializar o relacionamento deles.
“Desde o quê?”
“Desde que o meu restaurante favorito fechou. Preciso procurar outros e você vai me ajudar!”
“E o que eu sei de comida coreana?”
“Você é kpopper.”
“Vai cagar, Levi.”
“Por favor, por favor, por favor...”, ele choramingou que nem um menino de três anos, parando o carro em frente a uma casa lilás.
“Tá! Tá bom…”
"Isso!”, ele comemorou e saiu da viatura, com Raquel ao seu encalço.
Dava para ouvir alto a gritaria de dentro da casa. Os choros de mulher e um homem berrando, com som de coisas quebrando.
“A gente pode comprar uns lamens e uns yakuts gigantes pra gente tomar na viatura!”
“Eu gosto daquelas balas de uva verde.”
Levi deu uma ligada rápida na sirene e depois voltou para a calçada.
“Eu também. Vamos comprar várias.”
Raquel sorriu e ponderou se não estava apressando Levi demais. Ele era ótimo e devia ter seus motivos. Deveria ficar tranquila e dar um tempo a ele. Então, com sinceridade, deu um beijo no rosto dele e disse:
“Mal posso esperar! Vai ser muito bom!”
“Vai sim, gatinha.”, então, com um sorriso besta no rosto, ele deu um chute forte no portão da casa e gritou alguns palavrões. “Aqui é a polícia, abre essa merda.”
***
André, de forma nenhum pouco sutil, tinha perguntado a Levi, em uma ronda que fizeram juntos, na folga de Raquel há alguns dias, se iria oficializar com ela.
“A Agatha falou que estava um pouco chocada que vocês não oficializaram. Que Raquel até parecia meio triste.”
“Você e a Agatha são bem grudadinhos né?”, ele perguntou, enquanto checava o pente de munição.
“Não muda de assunto. E aí, não vão sair do armário não?”
A verdade era que Levi estava planejando isso desde o primeiro encontro. Mas resolveu esperar, pois não queria que Raquel se sentisse pressionada a se relacionar de forma séria com ele. Quando percebeu que, de alguma forma, através de Agatha e André, ela tinha mostrado que queria, ele soube que tinha chegado a hora certa.
Eles se encontraram na estação de metrô. Raquel estava com um vestido jeans com camiseta branca por baixo, cabelos presos e com habituais all-stars. Levi estava com uma camiseta de estampas do Lego e bermuda. Quem o visse, com certeza, não podia imaginar que ele era policial e carregava uma arma na cintura. Mas Raquel sabia que uma das suas coisas preferidas nele é o fato de ser todo mundo em uma só pessoa Ele era engraçado, chato, divertido, sério, boca suja, irritado e dócil. Era o paradoxo em figura de gente.
O primeiro lugar que eles foram foi um mercadinho em frente a estação, para pegar as balinhas de uva verde que ela mencionou na viatura, alguns dias atrás. Ela jogou três pacotes no cesto vermelho, enquanto Levi escolhia distraído um pacote de lámen. Ela tirou, discretamente, uma câmera da bolsa transversal e tirou uma foto. Levi se voltou para ela e meneou a cabeça, curioso.
“Tá tirando foto minha?”
“Ah, sim!”, ela olhou para baixo envergonhada. “Não gostou?”
Ele riu e foi até ela, colocando os pacotes de lámen no cesto.
“Não, eu não ligo. Mas fico muito feio em foto espontânea.”
“Onde, meu filho? Ficou linda essa foto.”
Ela mostrou a tela da câmera e ele assentiu.
“Bem… você vai ter que me deixar tirar fotos suas também.”, e puxou ela para o outro corredor.
O dia passou rápido. Ela tirou fotos dele na ponte, com vista para a avenida, no laguinho de peixes, ao lado de algumas estátuas, tiraram fotos até com cosplayers que andavam por ali. O bairro era uma delícia para andar e um ótimo plano de fundo para fotos. Raquel viu outro fato curioso sobre Levi: ele adorava comprar bugigangas. Já havia comprado capinha e película para o celular, cinco pares de meias por 10 reais, um chaveiro do Naruto, uma camiseta - também do Naruto -, um par de canetas do Baby Shark, uma garrafa de soju, cinco DVDs piratas de filmes raros de artes marciais dos anos 90…
Tudo o que Raquel tinha comprado eram sacos de balas, sorvetes e salgados.
Eles estavam comendo uma porção de tteokbokki no banco da ponte. A noite já estava caindo. Levi tirou uma foto dela, tentando, estabanada, usar os hashis. Por fim, acabou espetando a massa com eles e comendo. Levi riu e segurou a mão dela.
“Assim, amor. Segura entre os dedos e controla assim…”, ele sussurrou, com o rosto próximo ao dele.
“Escorrega! É muito difícil.”
“Você aprende com o tempo.”
Ele passou o pacote vazio de balas de uva verde para ela, assim que terminaram as porções e o refrigerante.
“Toma, a última pra você…”
Ela pegou o pacote, procurando a bala, mas não a encontrou. Ao invés de uma bala redondinha, encontrou algo pequeno e fino. Circular, mas aberto.
Uma aliança fina e delicada de prata.
“O quê?”, ela segurou a aliança, que tinha o nome dele gravado e a data do dia atual.
“Bacci, quer namorar comigo?”
Raquel segurou, chocada, a aliança nas mãos e sorriu.
“Você é bem confiante mesmo. Até gravou o dia de hoje na aliança!”
Ele deu de ombros.
“Confio no meu taco.”
‘Ela estreitou os olhos e puxou ele pelo pescoço.
“Você se acha mesmo, né? A última balinha de uva verde do pacote. Mas confiou certo! Vamos namorar sim.”, e beijou ele, ciente de que não poderiam ter começado melhor.
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