Capítulo 44 - Parte II

Enquanto tentava processar a terrível verdade, os momentos felizes que tivemos, os sorrisos genuínos e a confiança mútua pareciam apenas uma farsa cruel. Uma ilusão, meticulosamente construída para me cegar.

Meu coração se fragmentou em mil pedaços. Dilacerado pela traição e pela verdade revelada por ele. A pessoa em quem eu confiava, mostrou seu verdadeiro eu, mergulhando-me em um abismo de desespero.

Enquanto meus pensamentos se debatiam em confusão, uma energia sombria, represada dentro de mim havia anos, irrompeu com fúria. A traição, como um catalisador, despedaçou as barreiras que eu havia construído para conter a escuridão que me consumia.

A espada pendia ensanguentada em sua mão, reluzindo com uma aura sombria e macabra. A lâmina, agora manchada pelo sangue de Elisa, parecia vibrar em êxtase, como se tivesse encontrado seu propósito final.

O sorriso cruel permanecia congelado em seu rosto, uma expressão de triunfo mesclada com uma satisfação perversa. E aquela emoção que enxerguei ali, no fundo daqueles olhos negros, só poderia ter sido minha mente tentando me enganar, tentando fingir que Asher não era uma mentira.

Era como se ele soubesse que, ao destruir tudo o que eu amava, tinha desencadeado uma tempestade implacável dentro de mim, pois ali, com sua postura altiva e olhar convencido, parecia exalar uma satisfação mórbida enquanto me observava.

Uma torrente de emoções conflitantes me envolveu. A raiva se misturou com a dor, e a tristeza se entrelaçou com o poder latente que agora pulsava através de minhas veias. Era como se uma antiga profecia tivesse se tornado realidade, e eu, finalmente, abraçava meu destino sombrio. A escuridão dentro de mim se manifestou em uma aura negra que envolveu meu corpo, serpenteando como sombras vivas. Cada célula, cada parte de mim parecia vibrar com uma energia desconhecida e aterrorizante.

— Por que? — falei em desespero e então repeti — Por que? — por que Elisa, adicionei mentalmente.

— Não é nada pessoal, querida. Estou apenas fazendo o meu trabalho, assim como você.

— Não sei do que você está falando.

— Oh, claro! Esqueci que você não sabe — ele riu irônico. — A sociedade Sagrada não é a única coisa que sua querida família tem escondido — ele fez uma pausa dramática e continuou — Há muito tempo, quando a luz e as trevas ainda estavam em guerra, uma certa Ignis resolveu trocar de lado, traindo seus aliados e prejudicando nossos planos. É claro que nós não deixaríamos tal ato passar sem uma punição, então lançamos uma maldição.

“A Herdeira destinada a abrir os portais para que Abaddon possa finalmente invadir Aranthia, inclusive eu e meus irmãos, que jamais pudemos sair daquele inferno, um pequeno capricho dos bastardos dos Deuses, aliás.

Isso foi há anos atrás e a pequena traidora já está morta, o que, devo dizer, eu não gostei. Tinha uma morte lenta e dolorosa reservada para ela há muito tempo, mas isso não quer dizer que não foi uma enorme satisfação assistir enquanto você, Morrigan, ajudava Sapphire, ops, Naeli a matar sua própria bisavó.

Não foi nada pessoal, querida, e devo acrescentar, sua companhia não foi nem um pouco entediante, mas agora as coisas estão tomando um rumo e precisei agir. Você, amor, carrega a Maldição. Agora deixe de drama, chega de se reprimir e cumpra logo o seu papel nessa guerra, não temos tempo a perder.

Sei que você pode sentir todo esse poder aí dentro e você sabe tão bem quanto eu que está cheia de trevas, posso ver o que te consome, apenas deixe sair. Não me obrigue a machucá-la ainda mais, pois se não abrir essa merda de portal, serei obrigado a fazer uma visitinha em uma certa aldeiazinha e me divertir com toda sua família. Você não faz ideia do quão desgastante foi ficar fingindo ser bonzinho, e como estou ansioso para espalhar o caos.”

— Você está mentindo, minha família não esconderia nada assim de mim — minha voz carregava mais convicção do que eu sentia.

— Têm certeza? — ele me fitou com a sobrancelha arqueada — Não precisa responder, no fundo, você sabe a verdade.

— Se o que disse é verdade, e os príncipes estão presos em Abaddon, como você está aqui? — questionei, talvez tentando avidamente acreditar que nada daquilo era real.

— Que pergunta maravilhosa! — Asher bateu palmas de forma lenta e deliberada, com a espada ainda em uma mão, produzindo um ruído estranho — Não sabia ao certo, mas quando você nasceu, pequenas brechas foram criadas, assim descobrimos que a Maldição finalmente estava em vigor. Eu não sabia no começo como, mas consegui passar por uma dessas pequenas portas e cá estou — o desgraçado disse com um floreio — Em uma tarde ensolarada, boom, eu estava livre, não é lindo, meu amor?

Ele sorriu para o céu debochadamente, então voltou sua atenção para mim novamente:

— Aconteceu há alguns meses, mas só entendi após ver. Toda vez que você usa sua magia das trevas, as brechas aumentam — o demônio deu alguns passos em minha direção, me deixando atenta — É claro que não estou com a minha força total, e quanto mais você demora a usar a magia, mais fraco fico enquanto estou aqui.

Fraco, aquela palavra foi a única a se fixar em minha mente, rodando e rodando sem parar. Os sussurros que sempre tentei ignorar vieram com força “destrua, destrua, destrua” e dessa vez, eu resolvi abraçar o incentivo.

Já não havia mais nada pelo qual valesse a pena lutar, eu não tinha mais nada a perder. Minha família mentiu para mim, Asher, quem passei a amar profundamente, me enganou, e Elisa… minha doce prima se fora para sempre. Era demais para suportar, dor demais, mágoa demais, tristeza e impotência demais.

Havia um único sentimento que me dava força, aquele em que eu poderia me agarrar e agir, ao invés de sucumbir ao abismo do meu coração. Raiva, ódio, vingança. Fraco, ele disse estar fraco, assim como disse que eu tinha uma magia poderosa dentro de mim.

Aproveitando a confusão em minha mente, eu ergui o olhar para o vampiro à minha frente. Os resquícios de lágrimas secas traçavam um caminho em minhas bochechas e meu rosto, antes expressando vulnerabilidade, se transformou em uma máscara de fúria.

— Então, Príncipe Astaroth, permita-me cumprir minha parte nesse jogo — proferi, minha voz soando como um sussurro sinistro.

A escuridão que pulsava dentro de mim respondeu ao chamado. A aura sombria intensificou-se, criando uma tempestade de sombras ao meu redor. Minhas mãos, antes trêmulas, ergueram-se, e feixes de energia negra começaram a dançar entre meus dedos. O poder que o demônio tanto queria, que ele julgava conhecer, mostrava-se mais profundo e incontrolável do que qualquer um poderia imaginar.

— Você quer caos? Pois bem, eu o darei em proporções épicas — prometi, e as palavras saíam de meus lábios como um rugido impregnado de raiva.

O Príncipe, por um breve instante, pareceu surpreso com a resposta. Contudo, seu semblante logo se transformou em um sorriso confiante, como se acreditasse que poderia domar a tempestade que começava a se formar diante dele.

— Você não tem controle sobre nada — ele zombou, mas suas palavras não passavam de um desafio.

Com um movimento brusco, liberei a energia contida, envolvendo-me completamente na escuridão. O bosque estremeceu, a atmosfera carregada com o poder recém-desperto. A escuridão dançava ao meu redor como sombras famintas, devorando a luz e tornando o cenário mais caótico do que jamais fora.

— Engana-se, Príncipe de Abaddon. É a escuridão que me tem sob controle — afirmei, e um sorriso carregado de fúria desenhou-se em meus lábios.

O pentagrama surgiu de maneira sinuosa, traçando-se no solo sob os pés de Astaroth. Linhas sombrias ganhavam vida, contornando o ambiente com uma luz negra que emanava de minha conexão com as profundezas da escuridão. O Príncipe de Abaddon observava com uma mescla de surpresa e desdém, subestimando o caos que eu tinha o poder de desencadear.

Cada movimento de Astaroth provocava uma reação do pentagrama, respondendo ao seu poder e tentando, de alguma forma, aprisioná-lo nas amarras da escuridão.

Um grito primal, repleto de fúria e desespero, irrompeu de minha garganta ao testemunhar Astaroth erguendo a espada ensanguentada para um ataque derradeiro. As sombras ao meu redor vibravam em resposta à minha raiva intensa, meu corpo pulsava com uma energia antes desconhecida.

A espada, símbolo de sua crueldade, reluzia com a aura sombria que a envolvia. Num impulso alimentado pela dor e indignação, canalizei toda a escuridão que me habitava e direcionei-a para a arma maligna. O brilho da lâmina tornou-se instável, como se a própria essência que a alimentava estivesse sendo corroída pela escuridão que eu controlava.

Com um grito final, um misto de ódio e triunfo, forcei a destruição completa da arma. Um estampido ecoou pelo bosque, acompanhado pelo gemido distorcido do metal sendo despedaçado. A espada jazia aos pés de Astaroth, fragmentada e impotente.

A expressão de descrença em seu rosto era uma pequena vitória em meio à tragédia que se desdobrara. Eu me mantive firme, a respiração ofegante, enquanto a escuridão ao meu redor pulsava em sintonia com minha fúria.

À medida que intensificava minha magia, o ambiente ao nosso redor se alterava. O ar tornou-se denso, carregado com o odor sufocante de enxofre, nos cercando de um breu absoluto.

O demônio pareceu cansado de debochar e lançou uma magia poderosa em minha direção. Levantei minhas mãos a tempo, lançando meu próprio poder sem proferir uma única palavra. O solo tremeu sob a influência das forças colidindo, as árvores gemiam sob o peso da magia entrelaçada.

A luta se tornou mais intensa à medida que eu explorava os limites do poder recém-descoberto. Cada feitiço que eu lançava alimentava a escuridão voraz que se espalhava como uma praga dentro de mim.

Astaroth, agora quase totalmente envolto na escuridão, lançava suspiros cansados. A fraqueza evidente em seu rosto tornava-se mais pronunciada a cada segundo. No entanto, a cada magia que eu invocava, mais o ambiente se tornava impregnado com o cheiro acre do enxofre, como se as profundezas do próprio inferno estivessem sendo invocadas.

Com um grito final, Astaroth caiu de joelhos, rendendo-se ao inevitável. A escuridão vitoriosa, não apenas pela magia, mas pela intensidade da dor e da traição que havia alimentado meu poder.

Silêncio pairou sobre o bosque, uma quietude perturbadora após a tempestade mágica. Vinhas negras brotaram do pentagrama, envolvendo seu corpo como serpentes sedentas. Permaneci envolta na aura sombria que parecia parte do meu ser. Podia sentir sua magia sendo sugada e chocando-se em mim, alimentando meu poder. Nunca senti tanta força, tanto poder, e tudo passaria a ser meu.

O riso macabro que saiu de mim parecia pertencer a outra pessoa, o som rouco depois de tantos gritos e grunhidos durante a batalha. Conforme eu absorvia sua essência, algo em mim parecia rachar, como se minha própria alma estivesse estilhaçando. Depois de tudo, simplesmente deixar de existir parecia a melhor coisa que poderia me acontecer; eu abraçaria a morte com alegria. Talvez meu corpo não pudesse sustentar tanto poder, e eu explodiria em mil pedaços, assim como meu coração havia sido.

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