Capítulo 43

À medida que avançávamos mais fundo na caverna, a beleza deslumbrante do lugar contrastava com a tensão que nos envolvia. A luz etérea dos cristais de gelo criava sombras nas paredes, e o perfume suave de violetas se entrelaçava com a fresca brisa subterrânea.

Selene liderava o caminho com confiança, seus passos pareciam reverenciar a magia que permeava o local. No entanto, a seriedade em seus olhos denunciava sua ansiedade. Eu seguia ao seu lado, ciente de que precisávamos encontrar o artefato logo.

Enquanto avançávamos, a caverna se revelava como um labirinto encantado, com passagens sinuosas e câmaras iluminadas por resplandecentes cristais. O murmúrio sutil da magia ecoava, como se a própria gruta respondesse à nossa presença, algo que a bruxa deveria estar sentindo com mais intensidade que eu.

Chegamos a um ponto no qual o caminho se bifurcava, me deixando nervoso. Selene parou, seus olhos analisando as opções diante de nós.

— Precisamos escolher o caminho certo. — a bruxa indagou, como se não fosse óbvio.

Assenti, e aguardei enquanto ela, de olhos fechados, analisava as opções. Sua cabeça apontou para a entrada da esquerda e adentramos a próxima câmara, onde a luminosidade se intensificou, revelando uma fonte ainda mais poderosa de magia, que arrepiava os pelos da minha nuca.

Enquanto avançávamos, sombras começaram a contornar os cristais, ganhando forma e vida. Criaturas mágicas pareciam dançar a nossa volta e antes que eu pudesse fazer o que me deu vontade: espantar a mais próxima com um tapa, Selene me lançou um olhar claro de aviso, para prosseguirmos, deixando as coisas em paz.

Ao fim daquele caminho, havia um breu infinito, como se nanquim tivesse sido derramado no espaço, sem nenhum fio de luz sobrevivente.

A atmosfera pareceu tremer, nos fazendo diminuir o passo, e secretamente agradeci, pois não estava animado para adentrar aquela escuridão. Um gemido lamurioso ecoou pela caverna, nos deixando alerta, e então, com uma explosão de luz cegante, figuras luminosas brotaram do nada, nos cercando.

As criaturas eram tão brilhantes que mal podia distinguir suas formas, apenas sua aura tão luminosa que doía os olhos olhar por muito tempo. A única certeza que eu tinha era que eram grandes e imponentes, a julgar pelo tamanho das luzes, e poderosas, visto que o ar ao nosso redor parecia se curvar a elas.

Meu instinto me dizia para lutar, mas minha inteligência gritava o óbvio: não seríamos páreos. O que quer que aquelas criaturas fossem, não eram desse mundo.

— Somos os guardiões da Deusa Syrenah, mãe de todas as criaturas mágicas — as coisas falaram ao mesmo tempo, de forma assustadoramente sincronizada, as vozes ecoando como trovões na caverna.

Selene pegou em minha mão e se curvou no chão em devoção, me puxando junto, antes de falar, com uma voz suave e reverente:

— Viemos em busc…

— Silêncio — os guardiões interromperam, as vozes serpenteando a nossa volta — Ouçam com atenção, não iremos repetir.

As coisas luminosas se aproximaram, e pude sentir o calor que emanava de seus corpos, quando falaram novamente, as palavras pareciam vir de todos os lugares, e lugar nenhum ao mesmo tempo:

“Entre sombras e segredos velados,
O preço da verdade será revelado.

Quem ousa enfrentar o abismo sombrio,
Deve oferecer o que mais preza em desafio.

Entre coragem e renúncia, o caminho se abrirá,
Desvende o enigma e a gema alcançará.”

Eu não fazia ideia do que aquele enigma queria dizer, ou por onde começar. Selene, ainda curvada, permaneceu em silêncio, claramente pensando, tentando desvendar.

Algum tempo depois ela proferiu baixinho uma palavra que tirou meu chão: “sacrifício”.

— Não vamos sacrificar alguém! — falei indignado.

— Não mesmo — a bruxa respondeu me deixando aliviado antes que continuasse — É uma escolha se sacrificar.

A ideia de qualquer um de nós enfrentar a morte era inconcebível. Num momento de esperança, imaginei que ela talvez tivesse interpretado errado. No entanto, a realidade se impôs quando um portal luminoso se materializou ao fundo daquele abismo, uma estrutura etérea que vibrava com magia, enquanto o perfume de violetas invadia o ar com intensidade.

Selene, decidida, se levantou, deixando-me em alerta. Instintivamente, segurei seu pulso quando percebi que ela se dirigiria àquele destino sombrio.

— Não. — Pronunciei com gravidade, incapaz de permitir que Morrigan perdesse a avó.

— Caleb, o poder desta gema pode quebrar a maldição que assombra nossa família, mas para isso, um sacrifício é necessário. — Sua voz, serena e resignada, já havia feito a escolha.

— Selene, ela não pode perder você. — Murmurei, minha voz carregada de pesar.

— É a única maneira.

Não, não era a única alternativa. Inspirei profundamente, preparando-me para a decisão mais angustiante da minha vida. Morrigan não tinha outra avó, mas ela contava com Elisa e até mesmo com aquele vampiro ridículo ao seu lado, eu era dispensável.

A sensação dos ossos se quebrando sempre fora rápida e quase indolor, mas naquele momento, tudo pareceu transcorrer lentamente, prolongando a transformação.

Selene percebeu o que eu estava prestes a fazer e, num instante, recitou um feitiço que me arremessou para trás. Minhas costas chocaram-se violentamente contra a parede da caverna, tirando-me o ar dos pulmões com o impacto. Quando meus sentidos se reajustaram, vislumbrei a silhueta da bruxa ao longe, correndo em direção ao portal.

Num pulo, iniciei uma corrida desesperada em sua direção. Finalmente, alcançando-a, ouvi-a murmurar outro feitiço. Desta vez, vinhas brotaram do chão, me prendendo e impedindo meu avanço.

Lutei em desespero para me soltar enquanto Selene avançava decidida a morrer, abocanhei as vigas tentando rasgá-las e me libertar para impedir que ela conseguisse alcançar aquela coisa terrível.

Quando enfim consegui me soltar da última, a bruxa já estava alcançando o portal. Nunca senti tamanho desespero, meus passos atrapalhados pelo medo, minha respiração ofegante pelo esforço e meu coração tão descontrolado quanto eu.

Quando chegou ao seu objetivo, uma luz com uma tonalidade roxa a envolveu como um manto, de forma lenta e deliberada, aquela coisa vibrante a abraçava dos pés à cabeça e a cada parte tocada, seu corpo parecia embaçar como fumaça, tornando-a etérea.

— Não — berrei desesperado, olhando para os guardiões — Serei o sacrifício, não ela.

— Caleb — Selene chamou, sua voz parecia sussurrada, trazida pelo vento. Continuei olhando em direção às criaturas, implorando, mas elas não pareciam me ouvir.

— Querid…

— Não — a interrompi — Ela precisa de você, deixe que eu faça isso, saia daí.

— Caleb — ela implorou, atraindo meu olhar e me fazendo perceber com uma onda de choque que seu corpo já havia sido todo consumido pelo portal, ela parecia flutuar, sua forma translúcida — O preço da verdade é meu, somente meu. Eu menti para ela, eu decidi esconder tudo. Você não tem nada do que se redimir. Vá, querido, cuide da minha neta, cuide de Arya e do meu netinho que está por vir e, por favor, diga a Caius que não se perca, que eu não estou triste, eu trocaria uma eternidade por um segundo ao lado dele. Valeu a pena, tudo valeu a pena, ele me deu uma família maravilhosa e por ela faço isso, deixe que eu pague pelas minhas decisões.

Os guardiões se ajoelharam em sincronia, fazendo uma reverência tão profunda que suas testas beijaram o chão em devoção. Fiquei confuso com o motivo, até que senti sua presença.

O resplendor que ela emanava era tão intenso quanto o dos guardiões, mas, ao contrário deles, pude discernir detalhes fascinantes. Sua silhueta graciosa e elegante estava envolta em um tecido branco que flutuava ao seu redor, enquanto seus cabelos longos e prateados, que me lembraram a própria lua, ondulavam suavemente, evocando a sensação de estar submersa em águas etéreas. Contudo, foi o olhar que me arrebatou: olhos grandes e redondos, da cor de ametistas brilhantes. Não foi apenas a presença da Deusa Syrenah que me impressionou, mas a familiaridade extraordinária emanando daqueles olhos.

Quando a Deusa da Lua e da Magia falou comigo, sua voz parecia vir de dentro da minha cabeça:

“Nas tempestades da vida, onde as sombras dançam com o vento,
Encontrarás tua força, ó coração que enfrenta o tormento.

As nuvens podem obscurecer a luz que guia teus passos,
Mas lembra-te, as tempestades são passageiras como os laços.

Não chores, lobo de alma destemida,
Pois ela se erguerá, mesmo na noite mais tenebrosa da vida.

Guardião das estrelas, protege aqueles que amas,
Lute por teus laços, por tua missão.

Selene, embora distante, será guiada pela luz,
E no final, a passagem das nuvens revelará o fruto da sua cruz.”

Quando sua voz enfim cessou, eu ainda sentia sua presença ecoando pelo meu corpo. Em um momento estava cercado pelos guardiões, Selene e a Deusa, no próximo, não havia mais ninguém comigo.

Uma dor aguda pulsou por todo meu ser, correndo pelo meu corpo em ondas de choque, até se concentrar em um único lugar. Quando olhei para meu pulso, uma marca de lua crescente estava marcada ali, brilhante e mágica, a julgar pelo poder que sentia percorrendo em mim.

Quando a fraca luz que ainda restava onde o portal estava se dissipou, restava apenas uma pedra, brilhante e violeta, em formato de lágrima.

— A Lágrima da Lua Negra — falei para mim mesmo, soltando uma risada amarga — A que custo.

O silêncio na caverna era ensurdecedor. Morrigan teria a maldição quebrada, mas o custo estava tingido pela melancolia da perda. Como eu olharia em seus olhos e contaria que permiti que sua avó se sacrificasse por algo que ela não fazia ideia da existência, por uma maldição que ninguém se deu ao trabalho de lhe contar.

— Eu nem sei como essa coisa funciona. — bradei quando finalmente peguei a pedra.

Embora não tivéssemos uma proximidade anterior, nos últimos dias, Selene se tornou uma presença constante em minha vida. Inteligente, alegre e, por vezes, excessivamente otimista, ela conseguiu me ajudar a seguir em frente e a encontrar esperança.

Sentei-me em silêncio, contemplando a Lágrima e o vazio que a bruxa deixou para trás. A caverna, agora mergulhada em um silêncio mais profundo do que nunca, testemunhava uma vitória conquistada através do sacrifício de uma alma inocente.

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