Capítulo 38

Eles não estavam muito distantes, apenas alguns metros nos separavam da minha família. Era inacreditável, como se o acaso, o destino ou uma benção tivessem guiado Elisa e Arlan até nós, evitando que continuássemos nosso caminho sem sequer suspeitar estarem tão próximos.

Ao adentrar a pequena clareira, pude observar o acampamento improvisado. Mantas coloridas estavam dispostas ao redor de uma fogueira, cujo crepitar suave lançava faíscas douradas no ar. O cheiro de madeira queimada pairava no ar, misturando-se com o aroma natural da vegetação ao redor. As cores das mantas contrastavam com verde opaco do lugar, criando um ambiente acolhedor, muito mais convidativo do que os lugares onde passei as últimas semanas.

Bolsas de diferentes tamanhos estavam espalhadas, cada uma contando sua própria história. Algumas pareciam gastas pelo tempo e pelo uso constante, enquanto outras exibiam bordados intrincados e detalhes que denotavam cuidado especial.

Meus olhos percorreram a pequena clareira, buscando sinais de outras presenças. Antes que eu pudesse expressar minha observação em voz alta, Elisa, antecipando meu pensamento, esclareceu:

— Eles saíram para encontrar o negociante, então decidimos dar uma volta por aqui. — Suas bochechas coradas e a fala apressada sugeriam que a volta pode ter envolvido mais do que apenas caminhar. Ansiosa, eu aguardava o momento em que ficaríamos a sós para obter detalhes sobre o lobo.

— Acha que vão demorar? — Minha voz traiu minha ansiedade, um pequeno tremor, revelando o receio do iminente reencontro e como seria recebida.

— Quem sabe? — Arlan respondeu com ironia — Sua família anda tão estranha e inquieta, cheia de reuniões e segredos. E não se deram ao trabalho de compartilhar conosco.

Segredos e reuniões? Não conseguia decifrar completamente o que ele queria dizer com aquelas palavras. A princípio, julguei ser apenas uma de suas típicas piadas, uma tentativa de provocação característica do lobo. No entanto, ao observar minha amiga, seus olhos inquietos desviando dos meus e a clara vibração de nervosismo emanando dela, percebi que aquela declaração não continha nenhum tom de humor.

— Teremos que aguardar. Vocês estão com fome? Sede? — o lobo questionou, lançando um olhar enviesado para Asher antes de acrescentar com um toque de ironia — E não, veias não estão disponíveis no carte.

— Ótimo, como se lobo fosse uma opção apetitosa. Geralmente, têm um gosto horrível — Apesar da alfinetada, um sorriso zombeteiro pintava seus lábios.

— Nem bruxas! — Arlan rebateu, desviando o olhar para Elisa. Então, quando sua atenção voltou-se para mim e, provavelmente, captou a vergonha que exalava, decidiu acrescentar, para meu horror — Isso é, a menos que consintam.

Asher riu, uma risada divertida ecoando daquela pequena, mas mortificante observação. Para meu eterno horror, Arlan juntou-se às risadas, conduzindo o vampiro para mais perto da fogueira. Lá, assentaram-se em um tronco seco que repousava próximo às chamas crepitantes.

Encarei Elisa, que estava vermelha como um pimentão, seus olhos apertados e os ombros tremendo com convulsões. Por um instante, pensei que ela estivesse tão envergonhada quanto eu, mas logo ficou claro que não era o caso, quando ela não conseguiu mais segurar uma gargalhada espalhafatosa.

Lancei-lhe um olhar de reprovação enquanto me aproximava dos machos. Tentei reprimir o sorriso que ameaçava explodir dos meus lábios, que tremiam com o esforço para se manterem firmes.

Passamos algum tempo ali, envoltos pela luz da fogueira, trocando conversas leves e descontraídas, mas sem mencionar tudo o que me aconteceu nos últimos meses. Era uma atmosfera de camaradagem, e Arlan e Asher, por mais improvável que fosse, pareciam ter desenvolvido uma rápida simpatia, trocando piadas e provocando-se constantemente, arrancando risadas involuntárias até mesmo de mim.

O vampiro, normalmente sério e reservado, parecia estar se entregando ao momento, exibindo um sorriso sereno em seu rosto. Talvez, após toda aquela tensão e perigo, ele estivesse satisfeito por finalmente me devolver à minha família, pelo menos a uma parte dela.

Uma emoção nova me invadiu ao ver aquele sorriso despreocupado, uma sensação mais intensa do que o calor habitual que sua presença evocava, mas, ao mesmo tempo, mais reconfortante e acolhedora. A sensação de pertencimento ressurgiu dentro de mim com uma intensidade renovada.

Em algum instante, encontrei-me recostada em seu ombro, aproveitando o momento, com um sorriso secreto e, provavelmente, com os olhos brilhando sonhadoramente. E assim ficamos por um tempo, conversando, brincando e desfrutando da companhia um do outro, como se fôssemos jovens comuns, deixando de lado por um momento os papéis de lobo, bruxa, vampiro e aberração.

Toda a calmaria foi abruptamente interrompida pelos sons de passos se aproximando. Primeiro surgiu Selene, minha avó carregava um ar cansado, mas sua expressão dura transmitia uma estranha determinação, o queixo erguido com firmeza. Seus olhos finalmente encontraram os meus, piscando como se ela não estivesse certa da minha realidade, até que, finalmente, reconheceu minha presença, deixando escapar um suspiro de surpresa e incredulidade.

Um borrão repentino capturou minha atenção, e foi meu único aviso antes que a massa de penugem castanha escura colidisse com algo, me derrubando no processo.

Atordoada, observei o emaranhado que Asher e Caleb, em sua forma de lobo, haviam se tornado. Rosnados, relances de dentes e membros se chocando eram tudo o que eu conseguia discernir, imobilizada no chão onde caíra.

Arlan murmurou um palavrão, Elisa gritou assustada, enquanto Selene permanecia estática, talvez tão chocada quanto eu.

O que se seguiu foi uma cena de agitação caótica e desenfreada. Elisa começou a murmurar um feitiço, suas mãos estendidas na direção deles. Tentei alertá-la de que havia trocado a palavra “urge” por “lurge”, mas ainda estava paralisada, assistindo à cena desenrolar-se diante de mim. Uma luz ofuscante explodiu de suas mãos com tanta intensidade que a arremessou para trás, seus olhos arregalados testemunhando o fluxo de magia descontrolada antes de estourar no ar.

Arlan, que se dirigia para separar os dois, percebeu a explosão e mudou de direção, correndo em direção à minha prima para ajudá-la a se estabilizar. Selene pareceu se recuperar mais rápido do que eu, aproximando-se com as mãos erguidas e uma expressão incrédula antes de murmurar: “scutum urge”.

Uma parede invisível ergueu-se entre os dois, lançando-os para lados opostos. Caleb se recuperou primeiro, chocando-se contra o escudo com uma força impressionante. Minha avó tremia com o esforço para manter o feitiço, enquanto Asher parecia tão incrédulo quanto o resto.

— Até previ algo do tipo — ouvi Arlan sussurrar para minha prima — Mas não esperava tanto.

— Bem, pode culpá-lo? — minha prima respondeu em voz baixa, aparentemente sem se dar conta de que eu tinha uma audição vampira — Alguém precisa pará-lo, vai acabar matando o coitado.

— Ele não vai parar, perdeu o controle — ele respondeu ainda mantendo um tom baixo e então acrescentou em voz alta — Morrigan querida, se já descansou o bastante aí no chão, gostaria de ir ali resolver o problema?

— Eu? — questionei atônita, sem entender nada daquela conversa sussurrada deles.

— Caleb já chega! — Selene gritou, sua voz ecoando como um trovão pela clareira.

Não parecia que qualquer um deles estivesse ouvindo; o lobo continuava arremetendo contra o escudo, circundando, procurando alguma saída ou falha, mas parecia que minha avó havia envolvido o vampiro com a parede, impedindo o avanço. Asher perdera qualquer traço de confusão, e tudo que irradiava dele era violência.

Arlan bufou enquanto se aproximava de mim, estendendo a mão para me ajudar a ficar em pé antes de ordenar:

— Pare seus machos! — Meus? Encarei seus olhos amarelados, adornados por pequenos pontos alaranjados, sem entender absolutamente nada. Ele segurou meus ombros e chacoalhou como se quisesse me tirar do estupor.

O lobo me virou de volta à confusão e me deu um pequeno empurrão em direção àquele caos.

Com passos hesitantes, me aproximei de Caleb, meu coração martelando no peito enquanto avançava em direção ao tumulto. Lancei um olhar preocupado para minha avó, que lutava para manter o escudo, e para Elisa e Arlan, cuja tensão era palpável.

Estendi a mão com cautela, buscando acalmá-lo com um toque gentil. “Caleb, por favor…”, minha voz saiu como um sussurro, carregada de preocupação e apreensão. Procurei encontrar alguma centelha de reconhecimento nos olhos dele, alguma conexão que poderia trazê-lo de volta à sua forma humana.

Por um instante, seu olhar vacilou, como se lutasse contra a fera interior que o dominava. Então, lentamente, sua forma começou a se transformar, os músculos se contorcendo e se rearranjando até que ele estivesse de pé diante de mim, humano mais uma vez.

Suas roupas estavam esfarrapadas, os cabelos negros desgrenhados caíam sobre o rosto moreno sujo de sangue. Um corte na testa vertia sangue, e seus olhos, irradiavam uma determinação sombria, quase assassina.

Recuei instintivamente, meu coração apertando com a visão desoladora diante de mim. Queria dizer algo, fazer qualquer coisa para acalmar a tormenta que o consumia, mas as palavras pareciam escapar de meus lábios secos.

Ele percebeu minha reação e sua expressão se contorceu em culpa, como se finalmente tivesse caído em si e percebido o que fizera. Seus olhos castanhos se fixaram nos meus, ele parecia querer dizer algo, mas apenas ficou ali parado, enquanto eu devolvia a encarada. Aquele era Caleb, meu amigo, meu parceiro para todas as horas. Aquele que não só me ensinou a ser forte, mas que esteve lá quando precisei, seja para rir e brincar, para provocar, falar sério ou simplesmente estar ao meu lado.

Todos a nossa volta se dissolveram em fumaça enquanto continuei ali, presa naqueles olhos familiares. Avancei em sua direção, envolvendo meus braços a sua volta, dizendo sem nenhuma palavra: senti sua falta.

— Bem, se já acabaram, gostaria de ouvir sua história Morrigan, bastante detalhada, eu espero. — A voz séria de Selene cortou a névoa, me trazendo para a realidade — Enquanto isso, podemos nos sentar e fingir que somos criaturas civilizadas.

Bem, ao que parecia, o interrogatório iria começar, só esperava que a Deusa tivesse piedade de mim.

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