Capítulo 33

Fixei meu olhar na carranca de Asher, as linhas profundas de preocupação vincando sua testa como um mapa de angústias. A notícia recente sobre nossa proximidade com Watara parecia esticar a distância até meu lar, e esse peso também se refletia no rosto tenso dele, ecoando meu próprio nervosismo.

O acampamento respirava em uma quietude quase palpável. Naeli, com alguns membros da irmandade, partiram logo no início do dia para organizar as embarcações que, na aurora seguinte, nos levariam para longe de Zeranth. Minhas perspectivas de fuga pareciam diminuir, um peso que se acumulava conforme as circunstâncias se desenrolavam.

Enquanto Asher desaparecia em alguma missão misteriosa, fiquei na companhia de Sebastian, algo que havia se tornado comum. Sua presença irradiava uma aura de otimismo, envolvendo-me como um feixe de luz. Eu não confiava no vampiro, mas seu jeito me lembrava tanto de Elisa, que era reconfortante.

Além dele, Naeli permaneceu uma presença constante. Apesar da desconfiança que ainda guardava, aceitei suas aulas de magia. Tanto tempo sem Caius significava falta de prática, sem contar a falta de treino sem Caleb. Toda essa perda de rotina estava me afetando, ou talvez, fosse apenas saudade.

Como um membro dos Ignis, imaginei ensinamentos em magia das trevas, e não estava errada. Os feitiços revelaram-se distintos e mais ofensivos do que os que eu já havia aprendido. Além disso, ansiava desvendar os mistérios das barreiras de proteção que circundavam os acampamentos, não que ela tenha tocado nesse assunto em específico.

Apesar de tudo, Naeli ainda era uma boa companhia, mesmo que não entendesse completamente a necessidade que eu tinha de voltar para casa. A bruxa-vampira compartilhou sua história, desde ser perseguida pela Sociedade Sagrada até a rebelião dos bruxos e o acordo com o Daeva. Eu entendia o lado dela, mas eu tinha uma família esperando por mim, e era isso que realmente importava.

Quando Asher retornou, sua postura era estranhamente decidida enquanto se aproximava de mim com firmeza, pedindo um momento a sós. Despedi-me de Sebastian, cujo rosto afável irradiava simpatia, antes de seguir o vampiro por um caminho sinuoso na floresta.

Cada passo ecoava na terra macia, os pequenos gravetos sob meus pés acrescentando uma textura única à sinfonia sensorial ao meu redor. Asher segurou minha mão, guiando-me com confiança pelos recantos da floresta. Aquele único ponto de contato tornou-se o epicentro dos meus sentidos, uma nova sensação de calor deslizando pelo meu corpo. Meu coração pulsava em um ritmo acelerado e ansioso, uma batida que ecoava não apenas nos ouvidos, mas reverberava em cada fibra do meu ser.

Ao chegarmos a um recanto mais isolado, Asher soltou minha mão e me conduziu até grandes pedras que se erguiam imponentes, mesclando-se à densa folhagem da floresta. O cenário transformou-se em uma paleta de tons mais escuros, com as sombras dançando entre as árvores como dançarinos noturnos.

Curiosa, me recostei em uma das pedras frias, sentindo a textura áspera contra meu corpo, a sensação única transmitindo seu frescor através do tecido da minha roupa.

Com maestria, o vampiro retirou duas sacolas de tecido escondidas cuidadosamente entre duas pedras, estendendo uma em minha direção.

Observei o tecido em minhas mãos, sua textura suave, como a seda delicada de um lenço antigo, porém, surpreendentemente resistente. As cores destacavam-se contra a palidez da minha pele, um tom profundo de azul-noite, tingido com nuances de verde musgo, como se capturassem a essência da natureza.

— O que é isso? — soltei, balançando-me com curiosidade.

— Algumas coisas que consegui juntar — ele respondeu numa tranquilidade que contrastava com a ansiedade nos seus olhos — Fiquei de olho neles, percebi que alguns saem para uma ronda no perímetro, segui e descobri que tem uma brecha na barreira, deixando-os sair.

Seu olhar era um convite silencioso, a pergunta não expressa estava escrita no seu rosto. Asher queria uma resposta, uma decisão. E eu não precisei de muito para tomar a minha. Não foi necessário trocar palavras, apenas um aceno de cabeça, um sorriso esperançoso e estávamos prontos para a ação.

Desbravamos a floresta por mais um tempo, atentos aos sons e movimentos ao redor. A natureza de Zeranth sempre me parecera diferente daquela em que nasci. Conforme avançávamos com os Ignis, percebia como as árvores pareciam menos exuberantes, mais terrosas do que verdes. As folhagens rareavam, e a vida animal desaparecia à medida que nos aproximávamos da borda do reino. Uma saudade me apertava, do meu lar com gramados sempre verdes, árvores abundantes, e riachos cristalinos. Com alguma sorte, em breve, estaria de volta.

Chegamos à proteção do acampamento, onde uma parede invisível erguia-se diante de nós. Gentilmente, Asher segurou minha mão, guiando-me até um ponto específico. Meus dedos roçaram pela barreira mágica, provocando um arfar automático diante da sensação sutil, mas poderosa, como se tocasse em um véu etéreo.

Prendi a respiração enquanto ele habilmente conduzia minha mão, até que ela deslizou para o outro lado da barreira, um suspiro escapando de meus lábios, uma mistura de surpresa e ansiedade. Suas mãos me deixaram e segui em frente, cada centímetro transposto alimentando minha expectativa, tornando-se um caminho para a liberdade que se desenhava à frente.

Antes que ele pudesse me seguir, o som de passos se aproximando cortou o ar, e o tempo pareceu comprimir-se enquanto uma iminente presença se desenhava. A tensão tornou-se palpável quando Sebastian e Dariuz emergiram diante de nós, como sombras sinistras ganhando vida, murchando minha esperança. Asher, rápido como uma resposta à ameaça, assumiu uma posição defensiva, seus olhos, porém, fixos em mim. Sem fazer nenhum som, seus lábios formaram uma única palavra: corra.

Eu não hesitei, não precisei de muito para decidir. Num piscar de olhos, eu estava de volta à barreira, pronta para a luta ao lado do vampiro, encarando o casal cuja presença intensificava meu coração, rugindo alto e acelerado com a adrenalina que se espalhava por mim.

Dariuz ergueu as mãos, seus lábios retesados e os dentes à mostra, como um predador prestes a desferir seu ataque. Preparei-me para bloquear e revidar qualquer feitiço que lançasse em nossa direção. Contudo, antes que pudesse agir, Sebastian colocou sua mão sobre a dele, seus olhos implorando algo que ainda escapava à minha compreensão.

— Ela é só uma criança. — A frase de Sebastian pairou no ar, um apelo que parecia tocar uma corda sensível nos instintos de seu parceiro. O predador pareceu recuar, suas mãos abaixando lentamente.

— Eu só quero voltar para minha família. — implorei, olhando diretamente para o vampiro. — Não achei que fosse uma prisioneira.

— Você não é. — Dariuz rosnou. — Mas Naeli a quer a salvo e se voltar, não terá…

— A decisão não é sua. — Sebastian o interrompeu, desafiador. — Deixe que vá.

Uma discussão silenciosa se desenrolou entre os dois, seus olhares fixos um no outro. Finalmente, Dariuz virou seu olhar para mim, alguma emoção brilhando ali antes de indagar:

— Sua decisão, seu risco. Saiba que não teremos como ajudar ou te proteger se decidir sair.

Dei um passo em direção a eles, e Asher rosnou em advertência. Ignorei o ato e segui em frente, dando um abraço grato em Sebastian e um olhar agradecido ao seu parceiro.

— Seria útil se vocês não dissessem nada sobre isso. — Asher indagou antes de nos virarmos em direção à abertura.

Dariuz parecia contrário à ideia, mas Sebastian acenou positivamente, fazendo seu parceiro revirar os olhos e murmurar algo inaudível.

Não demos chance para que mudassem de ideia, logo estávamos correndo pela floresta, nossos passos ágeis desafiando a gravidade. As árvores passavam como um borrão, dançando ao ritmo frenético dos meus batimentos cardíacos. Minha mão entrelaçada na de Asher com firmeza, enquanto nossos pés batiam agitados no solo, fazendo poeira voar com a rapidez e galhos se partirem, o som ecoando enquanto avançávamos.

Eu me mantive alerta, ouvindo os sons ao nosso redor, temendo que alguém nos seguisse. O vento cortando a floresta, o farfalhar das folhas e o pulsar dos nossos passos criavam uma melodia de liberdade. A adrenalina corria em minhas veias, uma mistura de excitação e medo enquanto escapávamos.

O crepúsculo pintava o céu com tons de laranja e rosa, enquanto as sombras se estendiam como dedos curiosos da noite. A cada passo, o aroma fresco da floresta misturava-se com o perfume suave das flores noturnas.

Casa… eu iria para casa.

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