Capítulo 32
Minhas asas sulcavam o céu diurno em uma coreografia solitária, banhadas pela luz dourada do sol. Cada batida ecoava como um lamento, uma sinfonia de desespero entrelaçada com minha busca incansável pelos Ignis... por ela.
Antes, acreditava na redenção, mas naquele momento, a sombra da desilusão erguia-se como uma névoa, obscurecendo minha visão.
Meu coração, outrora uma harmonia vibrante, agora era uma sinfonia de dor, alimentando uma determinação tingida de melancolia. Morrigan, antes minha esperança, era agora uma sombra perdida nos braços do inimigo.
O fardo emocional pesava sobre minhas asas cansadas, como se cada pena carregasse o peso do sofrimento. A fé desmoronava, deixando para trás uma estátua quebrada pela passagem cruel do tempo. Minha alma sangrava uma melodia triste, ecoando pela vastidão do vazio que ela deixou para trás. Era como se uma parte vital de mim tivesse simplesmente sumido, sido destruída.
Anarah, meu amor, minha constância através dos séculos, agora... Morta. Assassinada.
A solidão tornou-se minha única companheira, uma sombra que me seguia incessantemente. A busca implacável me conduzia por terras inexploradas, enquanto sombras preenchiam meus dias, cegando-me para qualquer coisa além da caçada.
"Eu sinto, meu amor, logo estaremos com nossa família. Logo tudo ficará bem."
Eram algumas das últimas palavras dela, antes que fosse arrancada deste mundo, desencadeando a pior dor e desespero que já experimentei. A agonia que me preencheu desde a sua queda era absoluta, um vazio que se alastrava como uma praga.
Incompleto. Quebrado.
Senti a presença dela no bosque antes mesmo de avistar sua figura. A brisa carregava consigo um leve perfume floral, como se as próprias flores sussurrassem sua chegada. Cautelosamente, aproximei-me, e ela ergueu o capuz, revelando olhos profundos como abismos de conhecimento, que analisavam cada detalhe ao seu redor, revelando uma percepção aguçada
— Olá, Gadiel. Como está? — Elorah me cumprimentou, seu sorriso pesaroso ressoando como uma nota melancólica.
Não havia palavras para responder à pergunta. Péssimo, perdido, devastado. Bastava um olhar para o meu estado para perceber que eu não era mais nada, nem ninguém.
— Você não deveria matá-la — a bruxa sussurrou, como se a própria natureza do ato a perturbasse.
— E você não deveria estar com seu rei? — rebati, desviando o olhar.
— Posso lidar com ele, e estamos falando de você agora.
— Você estava lá, Elorah, sabe tão bem quanto eu que ela já se perdeu. Todas as nossas esperanças foram em vão, não existe salvação, não existe uma saída. A única solução é eliminá-la antes que cumpra a maldição.
— Existe sim uma esperança, uma da qual Anarah fez questão de encontrar — a vidente lembrou com suavidade — Você não deveria seguir em frente com isso, esse não é você, meu velho amigo.
— Não, não sou. Não desde que ela foi arrancada de mim.
— Você não entendeu o que quis dizer — Elorah se aproximou, pegando minha mão com delicadeza, como se eu pudesse quebrar — Você não deveria matar Morrigan, mesmo que ela não tenha salvação. Não deveria ser você a carregar tal fardo.
As palavras me faltavam. Morrigan, apesar de ser um perigo constante, era nossa esperança de contornar a maldição. Acreditávamos que sua natureza bondosa seria suficiente, mas o que vi foi apenas escuridão. Ela estava perdida, aliada aos inimigos, e era apenas questão de tempo até que desencadeasse o caos.
— Talvez ela não saiba quem Sapphire é, você não considerou isso? Morrigan pode estar nas garras deles. Deveríamos buscá-la, levá-la de volta à família, como planejamos antes. — a bruxa continuou, suas palavras carregadas de uma esperança que eu mal ousava conceber.
— Eu não fui o único que a vi, Elorah — o nó na minha garganta parecia crescer a cada palavra — Não sou o único atrás dela. Prefiro que seja eu a encontrá-la.
— Ela pode ser apenas uma garota perdida — Elorah rebateu — Anarah não desistiria dela.
— Eu... — respirei fundo antes de continuar, suas palavras me abalando de forma profunda — Não posso permitir que outros sofram por minha hesitação.
Meu coração pulsava com uma cadência errática, enquanto eu considerava as palavras da bruxa. A ideia de que Morrigan pudesse ser resgatada, restaurada à luz, era um raio de esperança dilacerante. No entanto, a sombra da desilusão pairava forte, obscurecendo qualquer vislumbre de otimismo.
Um farfalhar vindo da floresta chamou minha atenção, o som dos passos me deixando alerta. Então, Damien emergiu, seus cabelos dourados capturavam os últimos raios de sol, transformando-se em fios de ouro que dançavam no crepúsculo.
— Mãe, é hora de partirmos. As perguntas virão, e precisamos estar preparados.
— O que dirão sobre a fuga? — minha voz revelou a ansiedade que eu mal conseguia conter.
— A história será que bruxos nos atacaram, buscando resgatar Morrigan. — Elorah respondeu com serenidade.
— Certo, também devo seguir — acenei na direção deles, enquanto estendia minhas asas, me preparando para o voo que se estendia diante de mim — Até breve.
— Morrigan tentou impedi-la — Damien se pronunciou, atraindo a minha atenção — Ela tentou parar Sapphire. Pensei que deveria saber.
A revelação de Damien surgiu como uma nota dissonante, a informação sobre a tentativa de Morrigan em deter a bruxa ressoando em meus pensamentos.
As palavras deles me atormentaram durante o voo, ecoando incessantemente em minha mente. Perdido e solitário, prossegui, mas parecia me distanciar da luz que um dia brilhou em meu coração.
Outros também testemunharam a mesma escuridão que eu, sentiram a magia das trevas impregnada em sua alma. Não fui o único a chegar a essa conclusão sombria.
Era um risco demasiado deixá-la viva, uma espera incerta por um desfecho feliz. Morrigan detinha o poder de destruir Aranthia. Apesar de não ser culpada, era um fato inegável.
Culpa... Anarah sempre se culpou por tudo, carregando o ressentimento pelo que causou. Ela havia trilhado um caminho obscuro, mas encontrou a redenção, apenas para ser assassinada antes de conhecer sua família.
"Por quê?" sussurrei, minhas palavras imersas em tristeza. O silêncio que se seguiu foi um eco vazio, uma resposta pairando no ar, deixando-me mais quebrado do que antes.
Após várias horas de uma viagem tumultuada, deparei-me com um acampamento abandonado. Reconheci imediatamente os padrões, os vestígios de magia deixados para trás, a desordem caótica. Anos caçando os Ignis moldaram meu conhecimento sobre esse tipo de caos abandonado, e aquele não era exceção.
Apesar dos resquícios, nenhuma pista indicava para onde seguiram. Contudo, a resposta poderia ser tão óbvia quanto preocupante. Por esse caminho, seria perigoso demais continuar na capital, e Waltara era a resposta mais evidente. O deserto costumava ser refúgio para a Irmandade, com armadilhas espalhadas por todo o lugar. Morrigan estava se dirigindo para o coração deles, e eu não queria pensar no que isso significava, ou nas possíveis consequências.
A razão por trás da minha decisão era incerta, ou talvez, lá no fundo, eu soubesse. Anarah teria agido assim; ela teria oferecido uma chance a Morrigan. Levou algum tempo, mas minuciosamente eliminei todos os vestígios de que os Ignis haviam estado ali.
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