Capítulo 31

— Faça o feitiço de ocultação. — Asher sussurrou, quase perdido na melodia da noite.

Observei sua expressão decidida, e então percebi algo que havia escapado anteriormente. Com sua proximidade, ou talvez fosse o breve descanso, notei o cansaço gravado em sua figura. Seus cabelos vermelhos estavam desalinhados, os olhos fundos e carentes de brilho. Sua pele exibia um tom pálido e opaco.

Me surpreendi quando o vampiro segurou minha mão, lançando-me um olhar penetrante... claro, o feitiço, mas por que?

"Fugir" ele murmurou com os lábios, sem emitir som, fazendo-me perceber que fiz a pergunta em voz alta.

No entanto, o feitiço não atendeu ao chamado. Balancei a cabeça em negação, dominada pela ansiedade. Seria eu a impedir minha própria magia, ou algo mais estava em jogo?

— Merda! — A expressão de Asher denotava frustração, seu olhar desafiador voltado para Naeli, que se aproximava.

— Temos que ir, logo estarão aqui — ela avisou — Vamos para Waltara, onde temos mais dos nossos, lá será mais seguro.

"Nossos", os Ignis, os dela, mas não os meus. A menção a Waltara ecoava a distância crescente entre mim e minha família, um abismo que se alargava no coração de Aranthia. Eldoria já não parecia tão próxima; agora, um destino distante e desconhecido. Eu mal sabia o quão fundo em Zeranth já estávamos.

— Quem está vindo? Irmandades da Luz? — se fossem, eu poderia considerar ficar, unir-me a eles.

Os olhos da bruxa-vampira se arregalaram, revelando sua ignorância sobre meu conhecimento prévio. O pequeno tremeluzir de seus olhos entregou o que eu precisava saber: eram eles.

— Vou ficar. — anunciei de forma incisiva.

— Ficar? — sua risada musical reverberou no ambiente. — Acha que é seguro, garota?

— Eles estavam lá para me resgatar! — vociferei — Eu faço parte de uma Irmandade da Luz.

— Você não nos contou que é membro dos Ignis. — Asher se juntou à pequena discussão, posicionando-se entre Naeli e eu.

— Acha mesmo que estará segura, ótimo, fique! — ela declarou, sua voz escorrendo veneno — Depois daquela que você matou? Saiba que não será bem-recebida por eles.

— Você matou! — berrei, sentindo o peso daquela morte que me causava um estranho desconforto.

— Graças a você — ela rebateu, fazendo eu me encolher — Eu não disse a qual Irmandade pertencia, porque as pessoas têm a tendência de nos julgar, queria que me conhecesse primeiro.

Asher soltou um "tsc", claramente descrente. Meu corpo fervia em raiva, uma febre emocional, enquanto os sussurros tomavam minha mente mais uma vez.

— Eu não — respondi, meu tom caindo para algo enganosamente calmo — Eu te disse o que achava dos Ignis, e ainda assim você resolveu não me contar?

— Desculpe por isso, velhos costumes — ela desculpou-se, seu olhar pairando sobre o meu — Mas precisamos ir, eles não vão te escutar, vão simplesmente atacar. Só quero te ajudar, está bem? Eu me arrisquei para te resgatar, fui até lá por você. Deveria ter contado quem era, deveria ter avisado quem eram aqueles também, mas aquela mulher? Ela foi minha amiga um dia e matou o meu amado, eu não pensei em mais nada quando a vi.

Naeli concluiu seu discurso e afastou-se em direção a outros membros dos Ignis, como se o pedido de desculpas fosse pesado demais para ela, e talvez fosse.

Gostaria de desvendar mais sobre aquela bruxa-vampira, estranhamente familiar. Queria entender o que aconteceu entre ela e Naeli. Contudo, a incerteza pairava sobre minha mente exausta; toda aquela jornada já havia consumido minhas energias, e meu desejo era simplesmente retornar à familiaridade do meu lar.

— Não consegue fazer feitiços? — Asher questionou, e respondi com um gesto negativo — Não podemos arriscar que ela esteja certa, deveríamos segui-la até termos chances de fugir. Isso é, se você quiser.

Não ansiava por seguir para Waltara, mas também não podia permanecer e correr o risco de ser atacada. Mal tinha forças para me defender. Assim, com um aceno resignado, acabamos seguindo os Ignis, rumo a um destino incerto. O caminho estendia-se diante de nós, uma trilha desconhecida, carregada de incertezas e perigos iminentes.

Dez dias de fuga incessante, descansos breves, comidas escassas. O cansaço pesava sobre nós, uma carga compartilhada que se manifestava em cada passo vacilante e olhar fatigado.

Nos afastávamos cada vez mais da civilização, o que implicava em escassez de sangue, falta de conforto e a ausência de condições mínimas de higiene.

Entretanto, a última questão foi resolvida quando estabelecemos acampamento próximo a um lago. Uma oportunidade aguardada por todos para usufruir de um abençoado banho. Após uma longa espera, finalmente tive a chance de me dirigir à água, ansiando por livrar-me de toda a sujeira acumulada.

A brisa suave acariciava minha pele, carregando consigo a promessa de frescor enquanto me aproximava do lago. As águas refletiam a luz da lua, criando um cenário sereno e tranquilo, um contraste notável com os dias de fugas agitadas.

Ao mergulhar nas profundezas do lago, senti a água fria envolver meu corpo, um alívio instantâneo para a exaustão que me consumia. Cada gota que escorria lavava não apenas a sujeira física, mas também parecia purificar as tensões acumuladas em minha mente.

A noite se desdobrava em um espetáculo de sons suaves: o murmúrio da água, o farfalhar das folhas nas árvores circundantes e o ocasional piar noturno de criaturas invisíveis. Uma sinfonia natural que, por um breve momento, afastava as preocupações do mundo.

Ao emergir do lago, senti-me revigorada, como se o peso dos últimos dias tivesse sido temporariamente dissipado. Agradeci silenciosamente pela dádiva momentânea de paz.

Asher cruzou meu caminho enquanto retornava ao acampamento, a lua desenhando sombras suaves em seu rosto recém-lavado. Sua imagem, uma metamorfose sutil desde os dias anteriores, ainda carregava a essência distante da figura que inicialmente conheci.

Longe dos outros, o ambiente se tornava uma oportunidade furtiva de escapar, uma possibilidade que se desfazia diante de um empecilho invisível: os acampamentos, protegidos por um intricado véu de magia. As tentativas de nos desvincular dos Ignis foram inúmeras, uma dança frustrante com a barreira mágica, revelando a maestria dos Ignis em repelir intrusos e, paradoxalmente, nos mantendo acorrentados a eles.

— Como você está? — Asher questionou, conduzindo-nos a grandes pedras que pontuavam o cenário noturno, onde nos assentamos sob a tranquilidade da noite.

— Como você está? — retaliei, acentuando a pergunta.

Após enfrentar o inferno nas mãos da Sociedade, eu me tornara uma sombra do que já fui, uma silhueta marcada por cicatrizes invisíveis. No entanto, Asher parecia carregar um fardo mais pesado, uma transformação que escapava à minha compreensão.

— Já passei por isso antes. — Ele suspirou, como se as memórias pesassem sobre seus ombros — Mas você... não era para ter enfrentado tudo isso.

A lua iluminava nossos rostos, revelando a mescla de tristeza e preocupação em seus olhos. Sentados sobre as pedras, éramos dois seres marcados pelas adversidades, compartilhando um momento de quietude na penumbra da noite.

— Vamos encontrar uma maneira de sair disso. — Sua voz, mesmo suave, carregava um tom de determinação.

Contudo, naquele instante, com a magia a nos restringir, a promessa de liberdade soava como um eco distante. A complexidade de nossa situação pairava sobre nós, e eu me questionava se a escapada era uma possibilidade real ou apenas um vislumbre temporário em meio às sombras da jornada.

— Você precisa se alimentar? — questionei, hesitante, consciente de que pelo menos Elorah havia saciado parte da minha fome. A incerteza pairava no ar, e só os Deuses sabiam há quanto tempo o vampiro não se alimentava, nós não encontramos animais durante a nossa fuga.

Asher deu de ombros, como se aquilo fosse uma trivialidade, fazendo-me inclinar meu corpo para sussurrar:

— Você... — respirei fundo, buscando coragem para expressar o que desejava — Você poderia se alimentar de mim.

— Não. — seus olhos se alargaram com a proposta — Você também está sem se alimentar, não posso, nem vou, tirar a pouca força que você tem.

— Não há tanto tempo quanto você. — Respondi corajosamente, aproximando ainda mais nossos corpos.

Era um convite carregado de complexidade, uma oferta para partilhar vitalidade, mas também uma dança delicada entre confiança e vulnerabilidade. O silêncio entre nós era preenchido pelo murmúrio noturno, aguardando a resposta de Asher, que pendia entre a fome e a relutância.

Meus olhos encontraram os dele, e, com uma coragem trêmula, minha mão buscou a dele, criando um elo sutil entre a fragilidade e a força que compartilhávamos.

— Eu sei o que significa ficar faminto, Asher. — Minha voz, um sussurro carregado de empatia, flutuava na noite. — Se for preciso, dividiremos isso. Além disso, sou uma bruxa também, o sangue não é tão importante para mim, quanto é para você.

Seus olhos cansados refletiam um turbilhão de emoções. A fome, insaciável, parecia esgueirar-se pelas sombras da noite.

— Morrigan, você já enfrentou o suficiente. — A voz dele, um murmúrio cheio de relutância, procurava proteger, mesmo nas sombras da incerteza.

Dominada por um ímpeto incontrolável, como se uma correnteza invisível me arrastasse, minhas presas penetraram minha própria pele, mergulhando no pulso que ofereci. O sangue jorrou com uma urgência desconhecida, uma nascente vermelha que rapidamente preencheu o espaço ao nosso redor. O aroma metálico e enfeitiçante do líquido vital impregnou o ar.

A batalha interna se desenhava claramente no rosto de Asher. Seus olhos, refúgio de uma fome voraz, encontraram os meus em um transe catatônico. A luta entre o desejo desenfreado e a consciência hesitante criava um terreno fértil para o tumulto emocional.

— Não me arrependerei disso. — Murmurei, a confiança delicada em minha voz, como se estivesse tecendo um pacto nas linhas do destino.

Persisti, oferecendo meu pulso a Asher. Um instante de silêncio antecedeu a tomada de decisão do vampiro, e meu coração acelerou.

Ele segurou minha mão com suavidade, os olhos fixos em mim. A fome era evidente, mas sua expressão era uma mistura de gratidão e hesitação.

O vampiro surpreendeu-me ao desconsiderar o pulso, inclinando-se sobre mim. Suas mãos delicadamente deslocaram meus cabelos para o lado, revelando minha pele oferecida. Seu olhar, em um silencioso pedido, procurou os meus, sendo atendido por um aceno sutil, como se tivéssemos ingressado em um pacto secreto.

Suas presas romperam a barreira da pele, iniciando um vínculo que não se limitava ao físico. Uma troca vital, uma dança de essência, onde cada gota de sangue parecia conduzir uma sinfonia única entre nós.

A temperatura ao nosso redor mudou, um calor emergindo de minha pele, um aperto crescente em meu núcleo. Meu coração, antes um sussurro, agora pulsava em descompasso, uma batida desenfreada que ecoava o turbilhão de emoções que me envolvia.

O tempo, de repente, tornou-se elástico, esticando-se e contraindo-se numa experiência que transcendia o mundano. A sensação de fusão desapareceu instantaneamente quando Asher afastou seus lábios da minha pele. Um vazio se instalou, o frio retornando, e a vontade de esticar os braços para mantê-lo por perto se tornou quase irresistível. No entanto, respirei fundo, contendo-me, mantendo-me o mais imóvel possível.

— Você não precisava fazer isso. — Ele sussurrou, uma melodia de gratidão e melancolia em suas palavras.

— Precisávamos. — Minha resposta, um eco carregado de determinação, reverberou no âmago da noite.

Oi gente, tudo bom?

Passando para dizer que mudei a capa e as imagens, espero que tenham gostado hehehe

Além disso, Herdeiros do Destino ficou em 3° lugar em Contos, no Concurso Clube de Leitura🥉

Enfim, por enquanto, é 💜🔮

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