Capítulo 30
O odor persistente de fumaça e lenha queimada impregnava o ar, mesclando-se à fragrância metálica do sangue recém-derramado. Uma sinfonia de aromas, uma melodia dissonante ecoando no ambiente, como se o próprio ar sussurrasse a turbulência interna que eu tentava processar.
— Onde estão os outros? — minha voz, áspera e exausta, reverberou.
— Apenas esses vieram, Morrigan. — Asher me fitava com uma expressão preocupada, constante desde nossa fuga.
— Elorah, Damien — insisti, confusa — Os anjos, não vejo nenhum deles.
Asher nos havia alojado em um canto isolado do acampamento improvisado, mas de nossa posição, eu conseguia observar a extensão de corpos.
— Não sei quem eram, pensei que estivessem com a Sociedade. — Sua voz era suave, como se temesse assustar-me — Também não reconheço esses aqui, mas encontrei Naeli e insisti em acompanhá-los para te buscar.
— Diziam ser de Irmandades da Luz, estavam me resgatando... — minha voz titubeou ao perceber algo — A bruxa que matamos, aquele que gritou por ela, era um anjo, acredito que...
Não consegui concluir, ao menos não em voz alta. A ideia de que um anjo colaboraria com a Sociedade Sagrada era impensável. Se minhas suspeitas estivessem certas, eu teria contribuído para a morte de uma bruxa que, aparentemente, estava ali para me auxiliar.
— Tem certeza de que estavam te resgatando? — Asher questionou, uma ruga de dúvida formando-se em sua testa.
— Sim, Elorah era a vidente do Rei, mãe do Príncipe com quem dancei. Ele também estava lá — algum lampejo de emoção passou pelo rosto do vampiro, mas desapareceu rápido demais para que eu compreendesse o que era — Ela me tirou da jaula e me deu seu sangue; estavam acompanhados de outro anjo.
As chamas do acampamento refletiam nos olhos de Asher, criando um cenário de sombras dançantes enquanto eu tentava compreender a complexidade dos últimos dias. O calor das chamas contrastava com o frio gelado que percorria minhas veias.
Sabastian, o vampiro amigo de Naeli, se aproximou de nós com seu sorriso largo. Tudo nele era alegre e convidativo, parecia tão... real.
— Trouxe um pouco de água para você, Morrigan — ele anunciou, sua voz firme sem deixar de ser suave — Como está se sentindo?
— Quem são vocês? — questionou Asher, me fazendo piscar surpresa com sua abordagem direta. — Aqueles que ajudei a matar não eram apenas membros da Sociedade Sagrada; estavam ali para ajudá-la.
Peguei a água da mão do vampiro, sem conseguir pronunciar uma única palavra. A breve conversa com Asher já tinha exaurido a pouca força que eu possuía. Todo meu corpo doía, minha mente estava uma bagunça, e tudo que eu queria era voltar para casa.
Sebastian se encolheu com o tom de Asher, seus olhos alternando entre mim e ele antes de soltar um suspiro cansado.
— Meus companheiros fazem parte da Irmandade Ignis — ele revelou, sentando-se diante de nós.
Meus olhos se arregalaram em surpresa. Durante todo esse tempo, Naeli era uma integrante dos Ignis? Todas aquelas perguntas, as reflexões, ela estava entrelaçada com a história desde o início.
— Aqueles que enfrentamos estavam lá para resgatá-la — a voz de Asher era cortante — Não acharam relevante nos informar? Eu não teria lutado se soubesse quem eram e qual era o propósito deles.
— Não sabíamos que eles estariam lá. Peço desculpas, mas sempre que se encontram, o conflito é inevitável. — Sebastian fixou seus olhos em mim, sua voz mantendo-se serena enquanto continuava — Me perdoe, Morrigan. Não faço parte dos Ignis, mas tenho amigos aqui. Nem tudo que ouviu sobre eles está correto... Aceitei ajudar porque Naeli me disse que uma jovem amiga havia sido capturada. Acredite, também não me alegra ter contribuído para a morte daquelas pessoas.
Havia sinceridade em cada palavra dele, até mesmo o arrependimento refletido em seus olhos grandes e brilhantes. No entanto, Naeli mentiu para nós. Durante todo aquele tempo, ela ocultou sua afiliação aos Ignis, mesmo quando expressamente declarei que não os condenava.
Dariuz chamou Sebastian de longe, interrompendoa conversa. Antes de partir, o vampiro dedicou-me um abraço e mais um pedido de desculpas.
— Você acha- Asher me interrompeu com um gesto das mãos, indicando atenção aos arredores, e depois apontou para a orelha.
Certo, muitos ouvidos por perto: "Silentio separatim spectatoribus" sussurrei o feitiço, envolvendo nossa conversa em um manto de silêncio para que ninguém mais pudesse ouvir.
— Agora não podem nos escutar — expliquei ao vampiro — O que você achou?
— Isso é útil — ele aprovou com um sorriso ladino. — Não confio neles; Naeli poderia ter contado quem eram, por que esconder?
— Eu não sei. — respondi incomodada, antes de acrescentar com pesar. — Eu não queria ter atacado Irmandades da Luz; você sabe, eu faço parte de uma.
— Sim, eu também não teria participado se soubesse. Achei que fossem membros da Sociedade; estava tudo muito confuso quando chegamos, eu apenas agi.
— Eu... — parei para respirar, para me acalmar — Queria voltar para casa.
Os olhos de Asher brilharam com pesar; ele se esticou em minha direção, segurando minha mão com suavidade, seu toque trazendo um conforto momentâneo.
— Sinto muito por envolvê-la nisso tudo — murmurou ele, sua voz carregada de compaixão. — Eu não sabia que tudo isso aconteceria, não era minha intenção.
Seu polegar traçou pequenas carícias na minha mão, como se tentasse suavizar o peso das circunstâncias.
— Vou levá-la de volta — declarou Asher, suas palavras transmitindo uma determinação firme.
No entanto, a incerteza persistia em minha mente.
— Não podemos, Naeli já falou o que aconteceria — lembrei-o com um suspiro.
— Achei que já tínhamos estabelecido que ela não é confiável — o vampiro rebateu com uma careta de desgosto. — Como eu já disse, sua aldeia é bem escondida e protegida do resto do mundo; tenho certeza que lá é o lugar mais seguro para você.
— E como faremos isso? — questionei, buscando respostas em meio à bagunça de pensamentos.
A expressão de Asher se tornou pensativa, como se analisasse possibilidades em silêncio.
— Vamos esperar pelo melhor momento, então vamos fugir — declarou ele, como se fosse simples assim.
Enquanto suas palavras ecoavam no ar, senti uma mistura de apreensão e esperança. O acampamento pulsava com vida ao nosso redor, mas meu foco estava na ideia que se estendia diante de mim.
Tentei afundar nos limites ondulantes do sono, mas sempre que meus olhos se fechavam, eu me via de volta à cela escura. O eco distante das correntes e meus gemidos de dor pairava na minha mente, um lembrete constante do pesadelo que havia vivido.
Remexia-me desconfortável nas folhas espalhadas pelo chão, procurando algum conforto na textura áspera. O ar noturno envolvia-me, mas a sensação de liberdade era fugaz diante das sombras que me assombravam. Cada vez que tentava escapar para os confins do sono, a cela apertava meus pensamentos, lançando-me de volta ao passado recente.
Os sussurros da noite ecoavam, enquanto eu lutava para romper os grilhões do cansaço. Cada frágil tentativa de fechar os olhos era sabotada pelas imagens da prisão, uma dança perturbadora que persistia em meu subconsciente. O tumulto das emoções me impedia de encontrar repouso, e eu permanecia ali, entre as folhas desconfortáveis, envolvida na batalha silenciosa contra meus próprios tormentos noturnos.
— Você está bem? — Asher perguntou de onde estava, a cerca de um metro de mim.
— Sim. — menti, mas minhas palavras pareciam vazias no silêncio noturno.
O que eu diria? Passei por um pesadelo por Deuses sabem quantos dias, e não consigo dormir. Cada fibra do meu ser doía, um eco constante da tormenta que vivi. A fragilidade da minha condição era palpável, e a sensação de solidão pairava, mesmo em meio a um acampamento repleto de pessoas. Sentia falta de casa, amargura, raiva, tristeza, tudo misturado como as sombras noturnas, uma cacofonia de emoções indescritíveis.
— Lembre-se que eu já fui preso pela Sociedade, Morrigan — Asher retrucou, e ouvi o farfalhar dos seus movimentos atrás de mim.
Sua presença se fez mais próxima, seus braços envolvendo-me como um escudo. Sua voz, suave como uma brisa noturna, murmurou:
— Descanse, você está bem. Você saiu de lá.
Fechei os olhos e tentei acalmar meu coração, puxando respirações lentas e constantes. Talvez fosse mágica, ou talvez a sua presença tenha afastado toda a turbulência, me lembrando de que eu não estava mais naquele lugar. Seja o que for, em algum momento, devo ter caído no sono, pois fui despertada por vozes agitadas e passos frenéticos um tempo depois.
Não queria saber o motivo do tumulto; só desejava voltar para o abençoado descanso do qual me arrancaram. Mas não pude, não quando Asher começou a me chamar, sua voz preocupada me tirando do transe e fazendo-me abrir os olhos agitada.
— Precisamos ir. — o vampiro anunciou quando percebeu que tinha minha atenção.
Levantei-me devagar, todo meu corpo protestando com o movimento. Ao observar o acampamento, deparei-me com o caos: uns correndo, outros se armando, e um grupo do outro lado murmurando feitiços com as mãos erguidas. O medo gelou meus ossos, deixando-me tensa como a corda de um arco.
— Estão chegando — alertou um bruxo cujo nome eu desconhecia. — Estamos colocando escudos e proteções, mas precisamos ir.
Troquei um olhar com Asher; bem, parece que estávamos fugindo de novo.
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