Capítulo 29
Apertei minha bolsa, sentindo o peso da incerteza, enquanto me dirigia à porta. Ao abri-la, uma surpresa aguardava do lado de fora: Hecátia, cujos olhos, tempestades vivas, me fitaram com um sorriso sutil de entendimento.
— Queria falar comigo? — Hecátia questionou, seus olhos dançando com uma diversão misteriosa.
— Assustador. — Dei uma risada nervosa. — Estava indo atrás de você. Isso facilita as coisas.
Sentadas na sala, estendi o papel, conhecendo cada palavra escrita ali. Observei enquanto ela lia, seus olhos se alargando de surpresa, dançando inquietos pela folha.
— Isso... — Vê-la sem palavras era raro.
— Sim, você acha que é possível? — Minha voz trazia uma esperança tangível.
— Não sei. — Parecia difícil para ela admitir a falta de respostas. — Caius sabe?
— Não. Achei prudente não lhe dar esperanças sem saber se é possível. — Respondi com calma.
Esperei até que ele saísse com Lúcio para visitar Arya; seu humor estava volátil. Sua preocupação e angústia eram evidentes, e hesitei em dar-lhe mais preocupações sem garantia de solução.
Hecátia devolveu a folha, e seus olhos foram tomados por redemoinhos; rezei aos Deuses para que fosse uma visão útil para nós. Olhei novamente para a carta, mesmo conhecendo cada palavra escrita:
Querida Selene,
Gostaria de dizer que, mesmo sem nunca ter te conhecido, sinto um amor muito grande por você.
Deixar Caius foi a decisão mais difícil que já tomei, mas saiba que sempre demos um jeito de ficar de olho.
Queria agradecer por dar-lhe felicidade, companheirismo e amor, por me dar uma família, mesmo que eu não esteja aí para vê-los crescer.
Eu já sei que Morrigan é a Amaldiçoada, e sinto tanto por ter trazido isso para suas vidas... palavras não são o suficiente para expressar o quanto sinto por ser a causadora disso tudo.
Você e Caius fizeram um ótimo trabalho ensinando ela, tenho certeza que cada lição valerá a pena no futuro e fará a diferença. Infelizmente, Morrigan está seguindo um caminho que vai além do nosso controle, ela precisou partir, e resta a nós manter a esperança de que leva consigo tudo que vocês a ensinaram.
Fico feliz em saber que Abgail e Emeric deram a Caius a família e o amor que sempre quis que ele tivesse, e que vocês construíram juntos algo maravilhoso, pelo qual vale a pena lutar.
Descobri há pouco tempo algo que pode ajudar, e sabendo quem você é e sua especialidade, achei que seria a melhor pessoa para contatar.
A Lágrima da Lua Negra é uma gema rara que foi perdida ao longo dos séculos. Depois de anos de muitas pesquisas, acredito que a gema pode estar escondida nas profundezas da floresta proibida, em Calandria.
A gema é uma relíquia lendária que se acredita ser uma lágrima derramada por uma Deusa em tempos ancestrais. Acredita-se que essa lágrima contenha não apenas poderes de cura e purificação, mas também a capacidade de quebrar maldições antigas e poderosas.
Estou enviando junto dessa carta todos os arquivos e mapas que reuni nos últimos anos; acredito que se existe alguém capaz de encontrá-la, seja você.
Estou reunida com algumas Irmandades da Luz. Muitos anjos estão retornando a Aranthia, a guerra se aproxima, e precisamos estar prontos. Descobrimos onde Morrigan está, e estamos partindo nesse momento ao seu encontro, assim que possível enviarei notícias.
Diga a Caius que eu o amo demais, e que ele foi o melhor presente que já recebi. Abrir mão dele foi a coisa mais difícil que já tive que fazer, e não há um dia sem que eu sinta a sua ausência, mas sempre o levei no coração.
Chegou a hora de ter fé e manter a esperança, Selene. Vamos lutar para que tudo acabe bem no final, e eu espero, de todo coração, que em breve estejamos todos reunidos e a salvos. Tudo que eu quero é conhecer minha família e poder viver ao lado de vocês.
Com amor, Anarah.
Embora tenha lido essa carta várias vezes, lágrimas novamente brotaram dos meus olhos. Esperança... Rezei a todos os Deuses para que a gema fosse real.
Hecátia me encarou, seus olhos cinzentos livres se espirais. Preocupação me invadiu quando percebi sua afiliação, o tremor em seus lábios e sobrancelhas franzidas de preocupação. A bruxa se levantou da poltrona à minha frente e sentou ao meu lado no sofá, suas mãos recostando em minha coxa, como se quisesse me firmar. Respirei fundo, me preparando para o que quer que ela fosse dizer.
— Anarah está morta. — Ela revelou, sua voz tremendo de emoção. — Morrigan não está com eles; ela seguiu outro caminho, um que não posso acompanhar, é turvo demais.
Não, não poderia ser verdade, eu acabara de receber sua carta. As palavras se chocaram em mim com brutalidade: "poder viver ao lado de vocês". Morta, ela estava morta, depois de tudo que sacrificara, de toda sua luta, Anarah partira sem conhecer sua família.
Como eu poderia contar isso a Caius? Passei minhas mãos nervosamente pelo cabelo, ânsia me consumindo em um frenesi incontrolável. Ele ficaria arrasado, quebrado; meu marido já estava abalado com a situação de Morrigan, com a fragilidade de Arya, como poderia lhe contar que sua mãe faleceu?
— Não conte. — Hecátia falou de forma incisiva, como se pudesse ler meus pensamentos. — Não ainda, eu já vi esse cenário...
A vidente segurou minha mão com força, como se quisesse me ancorar. Suas feições suavizaram, dissipando o tremor que estava ali, antes que ela continuasse:
— Não tenho como saber se a gema daria certo, minhas visões em relação à Morrigan são limitadas. — Um suspiro frustrado deixou seus lábios. — Mas eu a vi encontrando Selene, eu sei que você pode.
— Como? — Perguntei com a voz trêmula, hesitante.
Me perguntei o que restará de nós quando tudo terminar.
— Não posso dizer, não sem arriscar que o futuro mude. Lembre-se, o destino não é imutável, é uma possibilidade. — Ela respirou fundo antes de continuar. — Eu vi pouco sobre a morte de Anarah, mas sei que precisamos agir rápido. Saia amanhã mesmo em busca da gema, leve Caleb, Elisa e seu lobo. Diga a Caius que achou um artefato que pode ajudar, mas não diga quem lhe contou, nem sobre a morte de Anarah.
Meu coração apertou ao saber que teria que esconder algo tão grande dele. Eu não queria mentir. Uma coisa era esconder a carta, para ter certeza de que poderia ser real antes de lhe dar esperanças, outra era esconder algo daquela magnitude.
— Elisa? — Perguntei quando enfim me dei conta. — E de que lobo está falando?
— Não posso dizer o motivo, apenas que deveria levá-la. — Hecátia respondeu enigmaticamente. — Diga aos pais dela que sairão apenas para buscar um artefato antigo que comprou e eles permitirão.
Um ligeiro sorriso surgiu em seus lábios, os cantos dos olhos enrugando.
— O lobo que Elisa está apaixonada, e se você sair agora, vai encontrar Caleb treinando. Vá com ele até Elisa e o lobo, na borda da floresta que têm perto da casa dela. Não precisa convidá-lo, peça para ela te acompanhar na frente dele e ele mesmo se oferecerá.
Hecátia soltou minha mão, deixando-me absorver a enxurrada de informações. Tanta coisa estava acontecendo ao mesmo tempo, e o peso da responsabilidade me envolvia como uma névoa densa. Olhei novamente para a carta, as palavras de Anarah ecoando em minha mente.
— Farei o que for preciso. — Murmurei, mais para mim mesma do que para Hecátia.
A bruxa se levantou, suas expressões se tornando sérias novamente.
— Selene, o destino de todos vocês está interligado. O que acontecer a um, afetará a todos. Esteja preparada para escolhas difíceis e desafios que nunca imaginou enfrentar. — Minha amiga respirou fundo antes de finalizar — você pode contar a verdade a eles, você saberá quando a hora chegar.
Assenti, determinada a enfrentar o que viesse pela frente. O futuro estava repleto de incertezas, mas eu estava disposta a lutar pela minha família, pelos que amava.
— Amanhã, ao entardecer, partirei em busca da Lágrima da Lua Negra. — Declarei, erguendo o olhar para Hecátia.
Seus olhos cinzentos capturaram os meus por um instante, carregados de uma mistura de pesar e esperança.
— Que os Deuses estejam ao seu lado, Selene. Que a luz guie seu caminho nas sombras que se aproximam.
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