Capítulo 22

Avançamos furtivamente pelos passos já marcados pelo homem, nossos pés deslizando com extrema cautela sobre o solo. O silêncio, cúmplice da nossa intrusão, era intercalado apenas pelos sussurros da noite, enquanto mantínhamos nossos sentidos alertas, captando cada som ao nosso redor.

À medida que a efervescência distante da festa se desvanecia, decidimos pela estratégia do ataque. Sem piedade, sem dar ao homem a mínima chance de perceber o que se desenrolava nas sombras.

Foi então que Asher, com olhos refletindo a essência da noite, fixou seu olhar penetrante no nosso alvo, suas pupulilas se ditalando ligeiramente. Num instante, sua presença envolvente transformou-se em uma força hipnótica, como se sua vontade se entrelaçasse com a do homem. Este, enredado pela influência vampírica, viu-se afundado numa paralisia mental, incapaz de reagir diante dos eventos que se desdobravam.

Avancei ansiosa em sua direção, permitindo que meus dedos traçassem com impaciência a curva de seu pescoço. Minhas presas emergiram numa antecipação frenética.

— Devagar — Asher murmurou, tocando sutilmente meu braço.

Controle, certo! Inspirei profundamente, acalmando minhas emoções, evocando as vezes em que Caius me instruiu a conter meus instintos. O eco das palavras dele reverberava em minha mente como um mantra em meio à tempestade de desejos vampíricos.

Com serenidade, aproximei meus lábios de seu pescoço, antes de afundar minhas presas, atravessando pele e músculo até a artéria abaixo. O sabor atingiu minha língua e se espalhou por meu corpo, rico, doce e viciante. Minha magia entoou em aprovação.

— Você pode sentir os batimentos dele diminuindo, a pele dele está ficando fria e a respiração está superficial. Esse é o momento de parar, Morrigan. — Asher explicou um tempo depois, sua voz calma viajando até mim.

Minhas mãos apertaram com mais força, como se meu próprio corpo se rebelasse contra a ideia de soltá-lo.

O vampiro fez uma carícia suave em minhas costas, como se tentasse transmitir calma. Precisava me controlar; um corpo drenado dentro do palácio seria um grande problema.

Foi tão fácil não perder o controle com Elisa. Talvez, se eu conseguisse imaginá-la, conseguiria manter o controle como naquele dia.

Mentalizei seu sorriso largo e brilhante, seus olhos compreensivos e seu cabelo que me lembrava um dia de verão. Me afastei devagar do homem, mesmo que tudo em mim gritasse para continuar. Controlei minha magia até ela retroceder.

"Bom", Asher murmurou antes de fazer o homem nos esquecer.

À medida que nos dirigíamos para a saída, uma euforia me envolvia. A realização de ter mantido o controle, suprimindo toda a fúria e deixando o homem ileso, me fazia flutuar em felicidade. Tudo transcorria conforme o planejado, e a perspectiva de sairmos sem levantar suspeitas estava próxima.

Contudo, uma mulher prestes a alcançar as imponentes portas à nossa frente bruscamente parou, como se uma barreira invisível a impedisse. Seu corpo ricocheteou para trás, forçando-nos a interromper nossa marcha, perplexos.

Os guardas dirigiram-se rapidamente até ela, e percebi com alarme: estavam detendo-a.

Asher me lançou um olhar preocupado, agarrando minha mão com firmeza e me conduzindo de volta ao salão, como se isso fizesse parte do plano o tempo todo.

— Ela é uma bruxa. — sussurrei, o temor tomando conta de mim.

Não, não, não. Algo estava errado. Poderia haver um feitiço, impedindo nossa saída.

Os segundos se arrastavam enquanto observávamos a cena se desenrolar, a incerteza e a urgência se entrelaçando em nosso plano outrora infalível.

A mulher foi arrastada até uma porta no extremo oposto do salão, seus lamentos ecoando enquanto todos observavam em choque. Não muito tempo depois, o líder da Sociedade emergiu apressado, acompanhado por outro fanático, dirigindo-se rapidamente para o local onde a bruxa fora levada.

Inconscientemente, dei um passo à frente, mas Asher me segurou, murmurando "Nem pense nisso". Era doloroso testemunhar a cena sem agir, mas ele estava certo; no momento, precisávamos encontrar uma saída.

Meus olhos percorreram a multidão, alguns ainda encarando a porta com temor, outros pareciam ter deduzido o ocorrido, e havia aqueles bêbados demais para sequer perceberem a confusão.

Uma figura surgiu ao nosso lado, e antes mesmo de encarar Naeli, senti sua presença mágica nos rodeando.

— Venham. — Ela indicou as portas que levavam ao jardim, caminhando à frente.

O vampiro parecia contrário, mas por fim, acabou decidindo que seguir Naeli era a melhor opção. Juntos, nos lançamos na direção indicada, buscando uma rota de escape.

A decisão de seguir a bruxa-vampira levou-nos ao jardim, onde ela nos conduziu por entre os intricados labirintos. Seguíamos, alimentando a esperança de encontrar uma verdadeira saída. A surpresa me envolveu quando chegamos ao fim do caminho, não havia mais rotas visíveis, mas Naeli permanecia confiante, não derrotada.

Ela apontou para a imponente parede do labirinto e, sem aviso, começou a escalá-la, seus pés habilmente se agarrando aos ramos entrelaçados. Não houve necessidade de explicações; seguimos seu exemplo rapidamente.

Enquanto subíamos, um sutil farfalhar se aproximou, indícios de passos. Pela rapidez com que os dois aceleraram a escalada, ficou claro que também perceberam.

Contudo, não conseguimos ir muito longe antes de algo atingir Naeli, fazendo-a cair abruptamente no chão, o som do impacto ecoando em meus ouvidos. Asher parecia disposto a continuar, mas eu olhei para trás, para entender o que nos cercava, e fui atingida também.

A dor irradiou por todo o meu corpo, como se mil agulhas me perfurassem. Ergui-me cambaleante, tentando ignorar a agonia provocada pelo movimento. Logo, o vampiro saltou ao meu lado, apoiando meu peso.

Encarei as quatro figuras postadas no labirinto, mulheres vestidas com o manto da Sociedade Sagrada. Elas eram malditas bruxas, que haviam traído sua própria espécie.

— Traidoras de merda! — rugiu Naeli, expressando precisamente o que eu pensava.

A resposta delas foi erguer as mãos e entoar um feitiço. As palavras me escaparam encobertas pelo tumulto. Nesse instante, a bruxa-vampira também entrou em ação.

Fogo, revoltado e violento, jorrou de suas mãos como uma fera enfurecida, antes de colidir com uma barreira que as quatro ergueram com habilidade sobrenatural. Elas eram malditamente habilidosas e ficou claro que apenas magia não seria suficiente para enfrentá-las.

Bem, parece que todos aqueles anos de treinamento valeriam alguma coisa afinal.

Sem pensar, avancei em direção a elas com fúria. Todo aquele controle meticulosamente mantido escapava de mim como areia pelas mãos. Eu permiti que se soltasse cada sombra, cada resquício de crueldade que parecia enterrado sob minha pele emergindo.

Meu punho atingiu a bruxa que estava mais próxima com uma violência incontida. Antes que eu me agachasse e acertasse sua canela com força, o barulho de ossos partindo ressoando em meus ouvidos como uma bela canção.

Asher e Naeli não precisaram de convites; logo estavam ao meu lado lutando como se nossa vida dependesse disso - e dependia.

As mulheres tentavam me atacar com magia, mas eu ergui um escudo ao meu redor, tentando estendê-lo até o vampiro que lutava desprovido de magia. O equilíbrio precário entre força bruta e habilidades sobrenaturais se tornava a essência da nossa sobrevivência. Cada golpe, cada defesa, era uma dança caótica entre a força vampira e os elementos mágicos que nos cercavam.

Naeli já havia eliminado uma delas, quando outra fugiu na direção oposta. Se ela alcançasse a saída do labirinto, revelaria nossa verdadeira natureza a alguém. Com minha velocidade sobre-humana, corri em sua direção e me lancei sobre ela.

Seu escudo absorveu meu golpe, mas a força do impacto nos derrubou. Em um instante, eu estava sobre ela, enquanto ela se debatia e lançava feitiços em minha direção.

Meu pentagrama surgiu sem esforço, detendo sua luta débil. Ela olhou ao nosso redor, seus olhos arregalados fixando-se em mim com horror.

— Demônio. — Ela guinchou, sua boca torcida em desgosto. — Criatura amaldiçoada de Abaddon.

Dei de ombros, não tinha o menor interesse em saber a opinião da bruxa fanática sobre mim.

Seus protestos e lamentos logo foram silenciados, enquanto minha magia e minhas presas sugavam sua vida sem um pingo de remorso.

Barulho de passos me alcançaram, e minha magia se eriçou como um gato selvagem até que percebi Naeli e Asher me observando com espanto. Me retrai diante de suas expressões, mas o vampiro gentilmente estendeu a mão, aguardando que eu aceitasse.

— Precisamos ir logo. — Ele soltou aflito.

Então era isso, o medo, a preocupação estampada neles não eram comigo. Eu soltei a respiração que estava segurando e empurrei minha magia de volta. Segui os dois até o muro, pronta para finalmente sairmos daquele lugar.

O vampiro lançou um olhar compreensivo, enquanto subíamos o muro do labirinto. A noite estava repleta de perigos, mas nada comparado ao caos que enfrentamos entre aquelas bruxas traiçoeiras.

Apenas quando alcançamos a relativa calma do lado de fora do castelo, Naeli falou:

— Não estamos fora de perigo.

Asher concordou com um aceno de cabeça, seus olhos refletindo uma seriedade que raramente se revelava.

— Abscondito umbras et illusio — recitei o feitiço de ocultação, concentrando-me em nós três.

Não era uma tarefa fácil, mas quando Naeli proferiu o feitiço também, saímos acelerando dali, o resto do caminho passando como um borrão, nossos pés tão rápidos quanto as batidas do meu coração.

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