Capítulo 20

Uma sensação libertadora preencheu meu ser após enviar aquela carta para minha família, como se eu tivesse finalmente aliviado um fardo opressivo.

Asher tem sido meu guia por Zeranth nos últimos dias, revelando uma face diferente da capital, longe dos julgamentos cruéis que marcaram meu primeiro encontro com ela.

O equinócio de Primavera finalmente havia chegado, e a expectativa vibrava no ar, alimentando minha ansiedade pelas festividades.

A celebração começaria com uma festa à fantasia, marcando a primeira das sete noites de festividades. A cidade ganhava vida com uma explosão de cores vibrantes e risos contagiantes. Lojas exibiam máscaras e roupas espetaculares, prometendo uma noite mágica.

Em meu corpo, repousava um vestido branco que irradiava tanto quanto as estrelas, seu tecido leve dividido por duas faixas que sustentavam meus seios. Um cinto de pérolas envolvia minha cintura, e o restante caía fluido ao longo de minha figura. Uma asa majestosa adornava minhas costas, carregando penas tão brancas quanto a neve.

Asher me conduziu até uma talentosa costureira, onde ele, surpreendentemente, escolheu a fantasia. Eu estava genuinamente intrigada sobre a origem de tanto ouro nas mãos dele. Cheguei à conclusão de que, após tantos anos de existência, era natural acumular alguma fortuna.

Ainda indecisa sobre a fantasia de anjo, me parecia quase uma blasfêmia vestir tal traje após cruzar a linha do assassinato. O conflito interno persistia enquanto eu admirava o esplendor do vestido na costureira. O olhar satisfeito de Asher, no entanto, dissipou qualquer dúvida, e aquela parte secreta de mim encontrou prazer na atenção dedicada por ele.

Ao meu lado, o vampiro exibia um traje inteiramente negro, destacando-se como uma sombra elegante. Seus lábios exibiam linhas de sangue que harmonizavam com o tom de seu cabelo bagunçado. Discretamente, cheirei o aroma, confirmado que não era sangue real.

Parados juntos, de braços dados, diante dos imponentes portões do castelo, éramos um contraste gritante.

Caminhávamos entre as multidões animadas, os rostos cobertos por máscaras extravagantes e roupas espetaculares. O vestido branco que usava fluía ao vento, como se as asas nas minhas costas estivessem prontas para se desdobrar.

A grandiosidade do salão me deixou boquiaberta. Candelabros brilhantes pendiam do teto alto, espelhando-se em pisos de mármore polido. Paredes adornadas com tapeçarias coloridas contribuíam para a extravagância do ambiente.

Na minha Aldeia as celebrações eram sobre expressar a gratidão aos Deuses e nos conectarmos com a natureza. Ali, em meio à realeza tudo parecia se resumir a extravagância, eu não avistei uma só referência a Deusa Kimora, senhora da natureza e dos animais. Irônico para um reino que se diz tão devoto.

Quando a próxima dança começou, Asher estendeu a mão em um convite silencioso. Aceitei, permitindo-me perder na melodia que preenchia o ar. Cada passo, cada movimento, tornava-se um elo com o desconhecido que aguardava nas sombras.

Os sons da festa se misturavam, formando uma sinfonia animada enquanto dançávamos pelo salão imponente. Máscaras intrigantes ocultavam rostos curiosos, e as risadas ecoavam, criando uma atmosfera de encanto e mistério.

Os candelabros projetavam sombras dançantes que brincavam pelas paredes ornamentadas. Ao cruzar olhares com Asher, encontrei um brilho intrigante em seus olhos, como se estivéssemos compartilhando um segredo em meio à multidão.

Na cadência da dança, meus olhos capturaram a figura de Naeli entre a multidão. Vestida em negro, seu vestido adornado com penas criava uma aura de mistério. Uma máscara de corvo escondia seu rosto, mas sua presença era inconfundível. Por um instante fugaz, nossos olhares se cruzaram, mas a perdi rapidamente na maré de pessoas.

Ao soar da última nota, guardas reais surgiram em uma área elevada do salão, claramente reservada. A realeza emergiu detrás de elegantes cortinas de veludo, seus rostos imperturbáveis enfrentando a multidão. O rei e a rainha ostentavam coroas de ouro maciço, uma imponência desconfortável refletida em seus semblantes. As coroas dos três filhos, embora mais simples, ainda exalavam opulência.

A realeza não estava desacompanhada. Quatro figuras imponentes marchavam ao lado deles, acompanhados por dois membros da Sociedade Sagrada. Um deles, o mesmo que liderara o julgamento, emanava uma presença que sugeria autoridade.

Ao encarar as figuras trajadas em mantos negros, uma onda de raiva me envolveu, as sombras pareciam sussurrar ao meu redor, incitando-me.

— Estou faminta. — murmurei para Asher, cerrando os punhos ao lado do corpo.

— Em breve. — respondeu o vampiro, tocando levemente meu braço.

Eu havia compartilhado com ele alguns detalhes sobre minha natureza, incluindo a falta de prática para me alimentar e a inabilidade de hipnotizar. Ele prometeu me ensinar a ter controle, explicando que seria melhor fazermos isso quando a festa estivesse em seu auge, ou seja, quando todos estivessem bêbados demais para nos causar problemas.

Concordei, mas a visão da Sociedade ali, posando como líderes estoicos, fez meu ânimo vacilar. A ansiedade me envolvia como o rugido de ódio em meus ouvidos. Eu desejava ardentemente poder saltar no palco e aniquilar cada um deles.

O salão experimentou uma metamorfose sutil, como se a entrada da realeza infundisse uma essência única no ar. Os sussurros da multidão foram contidos, enquanto um silêncio reverente envolvia o espaço ao redor da família real.

Uma sensação desconcertante percorreu meu ser enquanto eu observava as figuras majestosas. O rei anunciou a continuidade da festa, e o líder da Sociedade seguiu com um discurso solene, invocando as bênçãos divinas sobre nosso reino e desejando uma Primavera repleta de luz e harmonia. O eco profundo e ressonante do desejo por Aranthia ser livrada de todo mal reverberou pelo salão.

Do alto de seus tronos dourados, o rei e a rainha observavam enquanto a multidão aplaudia, pronta para se perder novamente nas festividades.

Imóvel, meus olhos permaneceram fixos no líder fanático. Um arrepio percorreu minha nuca, alertando-me para um olhar penetrante que recaía sobre mim. Ao procurar a fonte, deparei-me com os olhos intensos de um dos príncipes, fixos em mim. Calafrios percorreram minha espinha, e me vi cativa sob aquele olhar, uma sensação de desconforto enraizada em meu âmago.

Asher quebrou o contato, conduzindo-me suavemente pelo salão em direção a uma mesa generosamente recheada de iguarias, mas a sensação de ser observada persistiu, uma presença indomável que não se dissipava.

Inspirei profundamente, tentando dissipar a inquietação que me envolvia, enquanto focava minha atenção no vampiro que me oferecia uma pequena torta.

Aceitei a iguaria e a levei delicadamente até meus lábios, meus olhos se arregalaram levemente quando o sabor celestial atingiu meu paladar. Aquela torta parecia um pedaço do paraíso, derretendo suavemente na minha boca, e involuntariamente, soltei um barulho constrangedor de satisfação.

— Desprezíveis, mas sabem dar uma festa, não? — Asher soltou, divertido com minha reação, enquanto eu me deixava envolver pelo deleite momentâneo daquele sabor divino.

Explorei praticamente todos os itens dispostos naquela mesa, assim como aceitei cada taça de vinho gentilmente oferecida por servos circulando pelo salão, numa tentativa de dissipar o nervosismo que me consumia.

Quando a sensação de mal-estar começou a se instalar, Asher tomou minha mão e me conduziu de volta à pista de dança. Os músicos adaptaram o ritmo para algo mais lento, e quando o vampiro envolveu suas mãos em minha cintura, experimentei seu toque reverberando por todo o meu corpo.

Num gesto involuntário, me aproximamei mais, buscando o calor reconfortante que emanava de seu corpo. Talvez eu tenha exagerado na bebida, pois pouco depois, repousei minha cabeça em seu ombro.

Deslizamos pelo salão em uma harmonia perfeita, meus pés seguindo instintivamente os dele. Absorvia seu aroma como uma fera enfeitiçada, rendendo-me à fragrância amadeirada que ele exalava. Pelos Deuses, eu sabia que não deveria permitir tal proximidade, mas nenhuma parte de mim encontrava forças para resistir.

As luzes cintilantes acima de nós formavam uma espécie de auréola, destacando os contornos do vampiro. Cada passo era uma sinfonia silenciosa, e eu me sentia perdida na cadência da noite. A agitação anterior se desfez, substituída por uma sensação de pertencimento, mesmo que temporária.

Asher deslizou suavemente uma mão pela minha nuca, e meu corpo reagiu com uma onda de arrepios. A proximidade entre nós tornava-se cada vez mais íntima, e eu me questionava se o álcool era mesmo o culpado pela minha ousadia.

Quando a música chegou ao fim, nossos movimentos se aquietaram, e nossos olhares se encontraram. Senti-me caindo naquele abismo negro que eram seus olhos.

Uma voz firme rompeu o transe, desviando nossa atenção para a figura que se postava diante de nós.

— Me permite a próxima dança? — perguntou o mesmo príncipe que me encarava pouco antes.

Ele aparentava ter uns vinte anos, sua pele parda contrastando com os cabelos cacheados dourados perfeitamente alinhados. Seus olhos verdes terrosos me fitavam, aguardando uma resposta. A inquietação me tomou, e tudo o que eu desejava era sair daquele alcance real.

Lancei um olhar de esguelha para Asher, percebendo uma expressão similar em seu rosto. Seu semblante, inicialmente sério, pareceu ceder diante de uma reconsideração. Ele me presenteou com um sutil aceno de cabeça, seguido por um sorriso apertado, antes de se afastar. Talvez negar a realeza não fosse uma boa ideia.

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