Capítulo 18

O delicioso aroma dos pães recém-saídos do forno envolvia-me, acolhendo-me com carinho. Era como se aquela atmosfera fosse um abraço caloroso, um contraponto às sombras que haviam dominado a noite anterior.

— Sou Naeli. — Ela se apresentou com graça, seus olhos de safira mergulhando intensamente nos meus, como se buscasse desvendar minha alma. — E você?

— Morrigan. — Minha voz fluiu suavemente, como se uma conexão instantânea tivesse sido tecida entre nós, despertando minha curiosidade. — Como você se tornou uma vampira-bruxa?

Naeli sorriu levemente, mordiscando um pedaço de bolo, deixando no ar um rastro de mistério.

— Foi uma jornada longa, Morrigan. Um encontro inesperado com um vampiro em uma noite terrível. — Sua resposta foi enigmática, e sua voz sussurrava convites à imaginação. — E você?

— Eu? Bem… nasci assim. — Encolhi os ombros, pois a história da minha origem era envolta em mistério, uma herança desconhecida.

Seus olhos brilharam com interesse, e um sorriso discreto brincou em seus lábios. Tudo nela parecia acolhedor, mas havia uma aura de perigo que me mantinha alerta. No entanto, a curiosidade superou a cautela, mantendo-me ali.

— O que a trouxe a este lugar medíocre e abandonado pelos Deuses, Morrigan?

Dificilmente alguém descreveria a capital como medíocre, pois o poder e a riqueza ostentavam-se em cada esquina. Quanto a ser esquecido pelos Deuses, após o que eu testemunhara, não podia discordar.

— Vim com um amigo. — Declarei de forma simples.

Naeli não escondeu seu descontentamento, revelando-o com um tom de desprezo em suas palavras.

— Uma escolha turística lamentável, eu diria. — Seu desgosto transparecia, escorrendo de cada palavra como um veneno sutil.

— Você está aqui. — Apontei, minha sobrancelha arqueada em desafio.

Sua risada, melodiosa e perigosa, encheu o espaço, lembrando-me do canto hipnotizante de uma sereia novamente.

— Negócios. — Foi sua resposta concisa.

Parecia que ambas não queríamos revelar muito sobre nossas vidas pessoais, e eu sabia que era hora de direcionar a conversa de outra forma.

— Por que me impediu de entrar naquela loja? — Perguntei, um calafrio percorrendo minha espinha ao lembrar do fascínio que aquele lugar exercia sobre mim e das possíveis consequências se eu não tivesse sido barrada.

— Estava observando você. Você me lembra alguém que conheci há muito tempo. — Ela sorriu, mas o sorriso não atingiu seus olhos. — Percebi que você entraria e achei que era o certo a fazer. Afinal, bruxos deveriam se unir contra a Sociedade Sagrada, não se aliar aos malditos.

— Como a Irmandade Ignis fez? — Perguntei, pois essa era a única parte da história que eu conhecia com certeza.

Seu sorriso se ampliou, e desta vez, os cantos de seus olhos se enrugaram, como se uma centelha de malícia brilhasse ali.

— Eles não são os heróis, não é mesmo? — Seus olhos cintilantes estavam fixos em mim, curiosos quanto à minha resposta.

— Deveriam simplesmente ter permitido que a Sociedade os aniquilasse? — Respondi, dando de ombros e optando pela franqueza.

Senti um arrepio ao perceber o que havia dito. Não era uma declaração que pudesse ser feita levianamente, especialmente não em minha aldeia, perto de minha família. Conseguia imaginar claramente a repreensão no rosto de Caius. O que ele diria se me ouvisse agora? Se soubesse do que fiz na outra noite?

Encolhi-me, temerosa do julgamento, meus olhos fixados de repente em uma mancha desgastada na mesa de carvalho.

— Sim, devo concordar. — Surpreendentemente, ela sussurrou, sua voz mal audível.

Meus olhos subiram lentamente, seguindo o caminho até encontrarem os dela. Naquele momento, percebi tristeza, raiva e compreensão dançando em seus olhos de safira, deixando-me atordoada. Soltei a respiração que mal sabia que estava segurando e mantive o olhar, até que um pequeno sorriso discreto curvou meus lábios.

Bem… não importa o que eles pensariam de mim, já que não fizeram questão de me contar. Mesmo que minha Irmandade seja inimiga dos Ignis, eu não acho errado o que fizeram, aliás, não sou tão diferente depois do que fiz. Caius não está aqui para testemunhar, para me guiar, e muito menos, para julgar.

— Quem eu te lembro? — Perguntei, um pouco envergonhada. Ela havia deixado claro que não desejava entrar em detalhes, mas minha curiosidade era irresistível.

— Uma amiga. — Sua resposta foi lacônica, sem revelar histórias ou emoções. Não consegui discernir se havia tristeza, mágoa ou raiva em seus olhos naquele momento.

De repente, uma energia intensa pareceu eletrizar o ar ao nosso redor, como se alguém nos observasse. Eu não precisava procurar a origem desse olhar, sabia a quem pertencia.

Meus olhos caíram diretamente sobre ele: Asher. O vampiro estava me encarando com olhos repletos de irritação, emanando uma tensão palpável. Com passos firmes, ele se aproximou de nós.

— Oi! — Falei apressadamente, incerta sobre o que deveria dizer.

— Estava te procurando… — Parecia que Asher ia acrescentar algo, mas decidiu se calar.

— Precisei tomar um pouco de ar. — Respondi e, em seguida, apresentei-o a vampira ao meu lado. — Aliás, esta é Naeli. Naeli, este é Asher.

Não sabia se devia rir ou me esconder, pois os dois se encaravam com seriedade, os lábios ligeiramente retesados, como se estivessem à beira de um rosnado. Bem, dizem que os lobos não gostam de vampiros, imagino o que pensariam se eu dissesse que ambos agiam como cachorros.

— Foi um prazer conhecê-la, Naeli. — Falei rapidamente, desviando a atenção deles para mim. — Já vou indo; nos vemos por aí.

A expressão de Naeli suavizou um pouco, e ela me deu um sorriso contido enquanto nos levantávamos.

— O prazer foi meu, Morrigan. — Ela ignorou deliberadamente Asher. — Estou hospedada na estalagem aqui ao lado, quarto 17. Você pode me visitar quando quiser. Tenho um livro que gostaria de lhe presentear.

Apertei sua mão e sorri sinceramente, mantendo a curiosidade sobre a bruxa-vampira ainda borbulhando dentro de mim.

— Não esqueça do feitiço. — Ela piscou antes de se retirar.

Asher nos conduziu em direção à nossa estalagem, e eu podia sentir que ele me observava de soslaio.

— Você a conhece? — Perguntei finalmente.

— Não. — Ele respondeu de forma simples, mas pude perceber a frustração em sua voz. — De que feitiço ela falou?

— Ocultar minha magia. Você sabe, devido aos bruxos aliados da Sociedade. Eu deveria ter pensado nisso, na verdade.

Ele respondeu com um grunhido, que interpretei como concordância.

— Qual é o motivo disso tudo? — Falei, gesticulando no ar.

Asher parou finalmente de andar e me encarou. Por um momento, me perdi naqueles olhos negros e profundos.

— Zeranth é perigosa para bruxas, como já lhe mostrei. — Respondeu ele com um suspiro. — Acordei e não te encontrei lá, revirei a cidade atrás de você, eu estava… preocupado. — A última parte saiu estranguladamente, como se ele lutasse para expressar esse sentimento.

— Desculpe, eu não conseguia dormir. — Minha postura relaxou. — Eu estava segura.

Outro grunhido, mas desta vez não parecia concordância, e sim discordância. Arqueei a sobrancelha questionadoramente enquanto mantinha seu olhar.

— Segura? Com a vampira? — Ele parecia bastante cético.

— Você é um vampiro. — Apontei o óbvio. — E eu também.

— E bruxa. — Ele enfatizou, dando um passo à frente. — E cheira malditamente bem.

Meus olhos se arregalaram, e foi impossível conter o rubor que tomou conta das minhas feições. A tensão entre nós, carregada de eletricidade, parecia se intensificar.

— Eu não quis dizer… É só que… — parecia que as palavras se embaraçavam na língua dele, como se ele estivesse lutando para expressar seus pensamentos. — Deixe para lá.

Asher virou-se abruptamente para continuar andando, e eu tive que apressar o passo para acompanhá-lo. A tensão entre nós persistia, tornando o silêncio constrangedor à medida que caminhávamos em direção à estalagem.

Uma vez dentro de nosso quarto, sentei-me na cama, tentando ignorar sua presença, que se movia nervosamente de um lado para o outro, como um animal enjaulado.

— O que eu quis dizer e falhei miseravelmente — ele começou de repente, coçando a nuca com desconforto. — É que pode não ser seguro para você, porque, apesar de ser uma vampira, você tem sangue quente nas veias.

— Sei me defender. — Retruquei, minha voz carregada de determinação. — Caso você não tenha percebido na noite passada.

Ele pareceu intrigado com isso, sua curiosidade o impulsionando.

— Sobre isso… — Ele começou, com um tom de pergunta. — O que foi aquilo? O que você fez?

— Não sei, é apenas natural para mim. — Respondi evasivamente, deixando claro que não estava disposta a aprofundar o assunto naquele momento. 

A conversa entre nós estava repleta de tensão não resolvida, um incômodo que pairava no ar e precisava ser dissipado antes que a situação se tornasse ainda mais desconfortável.

Decidi quebrar o gelo de maneira mais leve e direta, buscando um terreno comum que aliviasse a tensão.

— Voltaremos para Eldoria em breve? — Minhas palavras fluíram com suavidade, como um gesto de paz.

Ele se recostou relaxadamente na parede, adotando a postura típica de Asher, enquanto ponderava minha pergunta.

— É isso que você quer?

Eu queria? Era esse meu desejo? Voltar para Eldoria significava enfrentar perguntas que talvez eu não tivesse coragem de responder. E, no fundo, eu não sabia quando teria a oportunidade de explorar o mundo novamente. As incertezas se acumulavam em meu peito, tornando a resposta difícil de encontrar.

Não proferi uma resposta imediata; em vez disso, permaneci em silêncio, meus olhos encontrando os dele. No entanto, era como se minhas dúvidas e hesitações estivessem escritas em minha expressão.

— O equinócio de primavera está se aproximando, e esta cidade está prestes a se envolver em festividades grandiosas. — Ele quebrou finalmente o silêncio, desviando minha atenção para o evento que se aproximava.

Meus olhos se arregalaram com a menção do equinócio, uma realidade que eu havia temporariamente esquecido. Pelas minhas contas, restavam apenas quatro dias até o evento. Merda. Eu havia me esquecido completamente disso.

Em minha aldeia, as chegadas das estações era uma celebração sagrada, um momento de unidade com minha família, onde oferendas eram oferecidas aos Deuses. Nunca havia passado um equinócio longe deles. Além disso, as pessoas desta cidade me incomodavam profundamente, e a ideia de participar de suas festas era desanimadora.

— Eu não faço ideia de como se comemora por aqui. — Respondi com sinceridade, meu tom ecoando minha incerteza.

Ele manteve seus olhos fixos nos meus, um toque de malícia dançando em seu olhar.

— Bem, estamos na capital. A realeza abre suas portas douradas para as relés mortais, e todo o reino se entrega a festividades suntuosas. — Seus olhos permaneceram fixos nos meus, carregando uma intenção maliciosa. — E haverá uma abundância de comida.

Foi inevitável que um sorriso se estendesse em meus lábios.

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