Capítulo 15
— A Sociedade Sagrada teve origem como uma religião devota aos Deuses, e seus templos eram autênticos santuários de devoção — começou Asher, sua voz carregada de nostalgia. — Por um tempo, isso era tudo o que eram: um refúgio para aqueles que buscavam a divindade.
O vampiro se acomodou na cama em frente à minha, e em um tom ameno, continuou sua narrativa enquanto seus olhos encontravam os meus.
— Eu não consigo determinar o exato momento, mas rumores sobre bruxos começaram a se espalhar. Esses boatos chegaram aos ouvidos da Sociedade Sagrada, que passou a considerá-los seguidores de Abaddon. Inicialmente, eles careciam de grande influência, mas à medida que se espalhavam por Aranthia, conquistaram mais seguidores e suas crenças se distorceram.
À medida que ele compartilhava sua história, era impossível não me perder em suas palavras. Asher continuou:
— Os julgamentos começaram, e qualquer pessoa poderia ser acusada com base em fofocas ou rivalidades. Inocentes eram enforcados, muitos caíam vítimas de calúnias, e outros simplesmente desafiavam as crenças da Sociedade e eram executados da mesma forma.
"Os verdadeiros bruxos, que se recusavam a causar mal mesmo quando atacados, eram os que mais sofriam. A Sociedade nunca conseguia identificar os bruxos devotos a Abaddon; eles eram mestres em se esconder e não hesitavam em recorrer à violência.
Então, um dia, a Sociedade enfrentou os bruxos errados. Eram pessoas de bom coração, mas a injustiça os levou a se revoltar durante um julgamento. Eles mataram todos os presentes. Foi nesse dia que a primeira Irmandade, os Ignis, surgiu. No entanto, cometeram o erro de fazer um pacto com um Príncipe Daeva, tornando-se cruéis demônios.
É de seu sangue, Morrigan, que os vampiros descendem."
A angústia queimava dentro de mim enquanto absorvia cada palavra. Essa história não era apenas sobre a Sociedade Sagrada, mas também sobre minha origem, a da Irmandade da vila onde vivia, e até mesmo sobre minha própria natureza vampírica.
Eu deveria ter conhecido essa história, deveriam ter me contado. Era a minha história também.
Sempre critiquei a maneira como os pais de Elisa a criavam, afastando-a de sua herança mágica. Para mim, era inconcebível. Ela era uma bruxa e merecia ser criada como tal. Comparava os pais dela com os meus, com Caius e Selene, que sempre compartilhavam lendas e histórias... mas não essas, aparentemente.
Era impossível que não soubessem sobre a origem da própria Irmandade ou sobre os fanáticos religiosos que nos caçavam como se fôssemos animais. Selene era uma estudiosa de história e artefatos mágicos; seu porão estava repleto de livros e objetos. Claro que ela sabia.
Lembrei-me do armário selado com magia poderosa no canto do porão, aquele que eu era proibida de espiar. Alegavam que continha conhecimento sobre magia negra, mas agora eu me perguntava se era isso mesmo.
— E quanto à realeza? — perguntei a Asher, percebendo que eles ainda não haviam aparecido na história.
— A Sociedade Sagrada ganhou influência entre a realeza. Hoje, estão tão entrelaçados que parecem um só. — respondeu com uma expressão de desgosto.
Um turbilhão de sentimentos me envolveu, da ira à mágoa. Minha visão embaçada tornava tudo ao meu redor tão turvo quanto minha mente.
Uma sombra parecia me envolver, sussurrando incessantemente meu nome. Senti minhas presas descerem e uma dor insuportável queimou em minhas costas. Em algum momento, ergui-me e comecei a andar pelo quarto sem rumo, como um animal enjaulado.
Morrigan, Morrigan, Morrigan - os sussurros continuavam me chamando, quase implorando por algo que eu não compreendia.
De repente, os sussurros se transformaram em gritos desesperados. Eu estava sendo sacudida.
— Morrigan! — Minha visão gradualmente voltou ao foco. Asher estava à minha frente, segurando meus braços e gritando meu nome, seu rosto exibindo preocupação e surpresa.
Com gentileza, o vampiro me guiou até a cama e sentou-se ao meu lado, segurando firmemente meus braços. Examinei seu rosto com cautela, notando as emoções que dançavam em suas feições.
— Estou bem. — Concordei com a cabeça, repetindo a afirmação várias vezes.
— Me desculpe, foi um erro trazê-la aqui. — Asher murmurou enquanto seus dedos traçavam uma carícia suave em meus braços.
— Por que? — então completei, interrompendo o que quer que ele estivesse prestes a dizer. — Me contou tudo isso, me trouxe aqui?
— Quando você me encontrou alimentando-me, você agiu como se os humanos fossem criaturas bondosas, merecedoras de proteção — Sua expressão suavizou ligeiramente — No início, era divertido ver a surpresa em seu rosto toda vez que eu compartilhava algo que, claramente, você não sabia. Mas, você sendo uma bruxa e vampira, comecei a achar sua ignorância verdadeiramente intrigante.
Sabia que havia mais, não tinha dúvidas. Embora sua expressão permanecesse serena, quase como se estivesse ensaiada, seus olhos não conseguiam esconder a inquietação que sentia.
Decidi agir e peguei uma de suas mãos, apertando-a com firmeza — Diga a verdade, estou cansada de segredos e mentiras.
— Já tive uma irmã... — Sua voz tremeu ligeiramente — Foi há muito tempo; ela também era uma bruxa. Tinha um coração bondoso e era ingênua. Quando a sociedade a levou a julgamento, ela não apresentou resistência.
"Eu era humano naquela época, tentei lutar por ela, negar as acusações, mas não possuía poderes para defendê-la, e era o único que se opunha a essa injustiça.
Eventualmente, ela foi morta, e eu passei um período nas masmorras deles.
Quando me mudei para Eldoria e descobri sobre a sua Irmandade, minha revolta cresceu. Uma vila com vários bruxos poderosos, que lutaram contra a Irmandade Ignis na guerra, mas agora vivem escondidos como se nada estivesse errado. Enquanto isso, bruxas solitárias como minha irmã são assassinadas por esses fanáticos.
O que eu desejava, Morrigan, era mostrar a você que existe um mundo além da bolha na qual foi criada. Não planejei encontrá-la ou trazê-la aqui, mas minha raiva me dominou, e eu queria revelar a verdade do mundo... não sei, senti que precisava fazer isso.
Peço desculpas se isso a machucou."
Alguns dos seus gestos e palavras começaram a se encaixar, como a raiva que ele demonstrou durante a celebração do eclipse.
Pode ser que ele não tenha planejado especificamente encontrar-me ou trazer-me para Zeranth, mas parece que o destino entrelaçou nossos caminhos por algum motivo. Ainda não sabia qual era esse motivo, mas descobriria.
Algo no rosto dele me fez perceber que era hora de oferecer algum gesto de consolo. Aproximei-me e o envolvi em um abraço.
— Sinto muito por sua irmã — disse sinceramente, entendendo agora a origem de tanta revolta dele.
Ele aceitou o abraço com gratidão, e um silêncio respeitoso pairou entre nós por um momento.
Depois de algum tempo, a exaustão dos últimos dias começou a pesar sobre mim.
— Você deveria descansar um pouco. Eu vou dar uma volta e volto em breve. — Asher sugeriu gentilmente.
Senti meu coração acelerar ao ouvir a palavra "volta". Eu estava em um reino que não conhecia e sem nenhuma moeda ou noção de como voltar para casa.
— Para onde você vai? — perguntei apreensiva.
— Preciso me alimentar. — disse ele coçando a nuca sem jeito.
Meu coração bateu ainda mais rápido ao lembrar que ele era um vampiro que se alimentava de humanos. Já fazia dias desde a última vez que me alimentara, e não avistei florestas próximas para caçar animais.
As lembranças de quando o encontrei pela primeira vez na floresta e o vi se alimentando de um humano surgiram em minha mente. O horror que senti naquela época ainda ecoava em minhas memórias.
Eu havia aprendido com Caius a não ceder aos impulsos, a resistir à sede de sangue humano. Mas agora, parecia que ele tinha escondido tantas coisas de mim.
Enquanto lutava com essas lembranças conflitantes, pensei em como consegui manter o controle sobre meus instintos quando me alimentei de Elisa.
Eu fui ensinada que era errado alimentar-me de humanos, mas ninguém me contou o quão pouco esses mesmos humanos faziam para merecer essa restrição.
Finalmente, após uma batalha interna, decidi que não podia mais esperar. Levantei-me e declarei: — Eu vou com você.
— Não há animais por aqui. — ele respondeu cético.
Um sorriso macabro se formou em meus lábios. Meus pensamentos estavam fixos em todas as pessoas que estavam na praça naquela noite.
— Animais não estavam na minha mente. — eu respondi, revelando minha verdadeira intenção.
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