Capítulo 10

A noite estava banhada pela luz da lua, que brilhava em sua plena forma, pintando o céu de prata e envolvendo tudo em um manto místico. Ao chegar à grande área aberta, fui recebida por sorrisos calorosos e olhos brilhantes que me acolheram com afeto à medida que percorria o lugar.

A ansiedade de todos era palpável, pairando no ar como uma essência doce e excitante que aguçava meus sentidos. O cheiro da terra úmida da noite se misturava com o aroma das ervas mágicas queimando em pequenos incensos, criando uma atmosfera única e envolvente.

A Irmandade Lumen se reunia novamente, como em todos os eclipses lunares, para testemunhar o espetáculo mágico que se desenrolaria diante deles. Era uma tradição reverenciada, um evento sagrado que transcendia os limites do tempo e conectava os bruxos à sua ancestralidade e às forças primordiais do universo.

Naquele dia, a Deusa Syrenah, como diziam as lendas, estaria presente, abençoando os fiéis com sua presença divina e concedendo-lhes a chance de realizar seus desejos mais profundos. A expectativa que percorria a multidão era palpável, quase tangível, e cada batida do coração ressoava em sincronia com os ritmos da natureza.

A aldeia estava viva com a preparação para o ritual. Cores vibrantes adornavam os altares, onde oferendas de flores e frutas eram colocadas como símbolos de gratidão e reverência à Deusa. O som suave de flautas e tambores ecoava ao longe, prometendo uma noite repleta de música e dança em honra àquela que regia seus destinos.

Em meus olhos, refletia-se a lembrança do último eclipse, quando eu tinha apenas dez anos. A felicidade e a liberdade que sentira naquela ocasião ainda me comoviam, e o desejo de reviver aquela magia pulsava em meu peito.

Serena compartilhara comigo suas histórias sobre como esse ritual sagrado era celebrado de maneiras distintas em outras terras, normalmente dentro de casa ou em meio a floresta, mas ali, a comunidade se unia no grande salão antes de seguir para fora, onde uma majestosa fogueira iluminava a noite, emoldurando a dança extasiante dos bruxos e seus convidados, humanos e lobos, que se juntavam em harmonia.

Mesmo aqueles sem magia em seu sangue participavam da celebração, já que todos que moravam na aldeia tinham conhecimento ou alguma ligação com a Irmandade.

Naquela noite de eclipse, a aldeia se tornava um cenário de encanto, onde a magia fluía em cada gesto, em cada olhar, e a lua testemunhava a sincera celebração da vida e do poder ancestral que unia a todos em um só coração, batendo em sintonia com os ciclos eternos da natureza.

O vestido preto que eu usava, embora simples em sua essência, exibia um charme singelo e elegante. O decote delicadamente delineado por duas faixas descia com graça até as costas, revelando uma parcela da pele exposta de forma sutil e encantadora. Da cintura para baixo, o tecido leve fluía suavemente, movendo-se com a brisa noturna em um bailado quase etéreo. Contudo, a verdadeira magia estava nas saias adornadas com contas de ônix, meticulosamente costuradas, que cintilavam com um brilho enigmático sob o reflexo prateado da lua.

Consciente de que a noite era dedicada à lua e à Deusa Syrenah, eu optara por não chamar atenção para mim, permitindo que minha beleza natural fosse subjugada pela majestade do evento. Meus cabelos caíam soltos em uma leve rebeldia, emoldurando meu rosto. Sem uma única pincelada de maquiagem, minha pele estava pura e radiante, exibindo a beleza que emanava de dentro para fora.

Meus pés, descalços e em contato direto com a terra, sentiam a energia da noite e da celebração que se desenrolava ao redor. Assim como eu, todos os presentes estavam vestidos com simplicidade e conforto, deixando de lado qualquer artifício que pudesse desviar a atenção do verdadeiro propósito da noite.

Elisa irradiava uma aura especial com seus cabelos dourados que fluíam como uma cascata ao longo de suas costas. Seu vestido verde oliva, simples e encantador, realçava sua beleza natural, sem artifícios desnecessários. Surpreendentemente, assim como eu, seus pés descalços tocavam o solo sagrado da celebração, conectando-se à energia da Deusa e da natureza que a cercava.

Me aproximei da mesa do banquete, onde minha mãe devorava com voracidade tudo o que encontrava pela frente. Seu vestido branco, que abraçava sua barriga redonda, realçava sua beleza radiante. A pele bronzeada brilhava sob a luz da lua, assim como seu sorriso largo, que tinha o poder de contagiar a todos ao redor.

Às vezes, eu me pegava comparando ela e Elisa. Elas compartilhavam traços semelhantes em suas peles bronzeadas e cabelos loiros, embora os fios de minha mãe fossem alguns tons mais claros do que os de Elisa. Os olhos delas, um castanho e o outro azul claro, podiam ter cores diferentes, mas ambos exibiam um brilho alegre e radiante, assim como suas bocas, sempre adornadas com sorrisos inocentes e sinceros.

Para quem não as conhecesse bem, poderia facilmente afirmar que eram mãe e filha, pois eu contrastava com elas de forma marcante. Minha pele pálida, cabelos tão negros quanto nanquim e olhos anormalmente violetas me tornavam única em nossa família. Nem mesmo parecia que eu tinha algo em comum com meu pai, cuja pele morena e cabelos cor de chocolate destacavam-se em sua aparência.

No entanto, o incômodo não se limitava apenas à diferença de aparência. Havia algo mais profundo: suas energias alegres e constantes contrastavam fortemente com minha natureza melancólica, revolta e até mesmo sombria. Enquanto elas iluminavam qualquer ambiente que pisassem, eu parecia ser envolvida por sombras, uma aura enigmática que, por vezes, me intrigava.

Minha família era de descendência angelical, e tanto minha mãe quanto Caius, possuíam lindas asas que lhes concediam uma aura de divindade. No entanto, por algum motivo desconhecido, eu não parecia ter herdado nada angelical. Ao contrário, sentia-me distante desse legado, como se eu fosse um enigma, uma peça deslocada dentro do nosso linhagem sagrada.

Talvez um dia eu encontrasse respostas para minhas inquietudes, mas, por enquanto, eu seguia meu caminho, tentando compreender e aceitar minhas diferenças, mesmo quando elas pareciam insondáveis. A noite do eclipse lunar era uma oportunidade para conectar-me com a magia ancestral e talvez, em meio à sua luminosidade, eu encontrasse alguma compreensão sobre meu verdadeiro lugar nesse mundo.

Quem sabe, a Deusa Syrenah não me concederia sua atenção e me guiasse para um caminho mais claro, afastando todos os sentimentos conflitantes que pareciam me consumir?

Minha mãe, com sua voz suave e o olhar ternamente preocupado, percebeu que eu estava imersa em pensamentos profundos e delicadamente perguntou:

— No que está pensando, querida?

— Acha que a Deusa Syrenah concederia o meu pedido? — As palavras saíram de mim como um suspiro repleto de esperança e anseio.

Minha voz soou quase como a de uma criança sonhadora, em busca de uma resposta que pudesse acalentar meu coração inquieto.

Seu sorriso se alargou ao perceber a sinceridade em minhas palavras, e seus olhos fitaram os meus de forma terna, transmitindo a segurança que somente uma mãe é capaz de oferecer.

— Claro, meu bem. A Deusa olha por todos nós — respondeu ela, acariciando delicadamente minha bochecha com um gesto amoroso. — Basta desejar com o coração.

A resposta de minha mãe trouxe um alívio momentâneo, mas ainda assim, um nó de incerteza permanecia em meu peito.

Desejar com o coração... Seria possível que a Deusa sequer desperdisasse um segundo com alguém como eu? E se o fizesse, ela gostaria do que veria em meu coração? Será que poderia perceber além das sombras que pareciam obscurecer minha essência?

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