3. O paciente do quarto ao lado
Anderson
Gia andava de um lado a outro, arrumando as nossas coisas a cada vez que passava por elas. O confinamento a deixava ansiosa e agitada. Por isso, quando a flagrei olhando para as árvores lá fora, sugeri:
– Por que não vai dar uma volta? Ela fez que não com a cabeça.
– Nem pensar! Ficarei aqui, com você!
Entre contrariado e embevecido, não pude deixar de sorrir diante da sua determinação. Gia estava fazendo um esforço enorme para se ajustar à situação. Com um suspiro, ela se sentou na cama ao lado. Arregalou os olhos e se levantou prontamente, lembrando–se de que não era permitido.
Eu queria que minha esposa pudesse dormir na cama ao lado. Nenhum paciente chegou para ocupá–la. Não me conformava que tivesse que ficar naquela poltrona horrorosa. Eu mesmo a testei, quando ali chegamos – terrível para as costas e o pescoço. Sugeri que ela subisse na cama comigo, apenas para se esticar um pouco e descansar, mas na primeira tentativa, a enfermeira nos passou uma bronca tão grande que tivemos que nos separar.
Doeu no meu coração ver Gia encolher o corpo para se ajeitar na poltrona. Ela teria que dormir meio sentada. Bem, dormir era um jeito de dizer que iria se revirar por toda a madrugada. Nem eu dormiria naquele entra e sai.
Se até de noite não viesse nenhum paciente... Gia poderia ao menos usar o banheiro ou ficar um pouco na minha cama, antes de a enfermeira fazer a ronda.
Por enquanto, estávamos sozinhos. Quer dizer, até onde era possível estar sozinho, dentro de um hospital. A gente escutava ocasionalmente os berros do paciente do quarto ao lado. Ele estava assistindo a uma partida de futebol de maneira bastante... visceral.
Gia achava graça no jeito do homem. Cada vez que ele urrava ou Xingava os jogadores, ela se acabava de tanto rir. Queria espiá–lo, só para descobrir se o sujeito correspondia a sua imaginação. Conhecendo–a, como eu conhecia, acho que ela estava se preparando para fazer o esboço de um novo quadro. "O Paciente Nervoso", deveria ser o título.
Vimos a enfermeira fechar a porta do quarto dele. Acho que lhe passou uma bronca também. Mas o homem não se mancava! Ainda bem que as paredes eram grossas e apesar de ouvi–lo, o sacrifício ficou mais fácil de tolerar com a porta dele fechada.
–––
O primeiro dia no hospital foi um marasmo só. Mas serviu para que eu refletisse sobre algumas questões, especialmente, a dinâmica hospitalar. De dia, quase não aparecia ninguém. Mas à noite, o meu quarto virava uma estação de ônibus em horário de pico. Sem exageros. Vinham os residentes, os enfermeiros, os auxiliares, e a gente não dormia direito até o amanhecer. Foi apenas de dia que eu e Gia conseguimos descansar um pouco. Naturalmente, já estávamos habituados àquela rotina das minhas outras internações.
Mentira! A gente nunca se habitua. Acho que é por isso que o tio–avô de Gia fugiu pelado de um hospital, pouco antes de morrer. Teve forças para isso! Imagine o velhinho usando apenas a camisola verde, com a bunda de fora, correndo a esmo pelo estacionamento. Imaginou? Esse foi o último grande ato dele!
Seu Vitório sentia verdadeiro pavor de hospitais. E eu viria a entendê–lo perfeitamente, com o tempo. Por mais que tentassem humanizar o ambiente, os hospitais simbolizavam doença e morte. Bagagem difícil de combater com balões coloridos e música tranquilizante.
Fora o estresse contínuo sofrido pelos profissionais da saúde, atuando em diferentes locais para melhorar a própria renda. Aquela era uma classe que sofria muita pressão, devido à falta de condições ideais de trabalho. A sociedade parece ter se acostumado às desventuras de algumas categorias ou grupos... "Sempre foi assim e sempre vai ser", diziam alguns.
Na real, para mim, a sociedade como um todo vinha se tornando cada vez mais "coisificada", "terceirizada" e menos "humana". As pessoas viviam alheias aos dramas uns dos outros, preocupadas com o relógio e preferindo mais interagir por meio das redes sociais, do que ao vivo e a cores. Enfim... Essa era a vida que Gia e eu nos negamos a levar. Tínhamos o nosso próprio tempo.
Mas a saúde prega peças cruéis, de vez em quando... E mesmo nós tivemos que nos adequar ao sistema, como todo mundo. Li– damos com burocracia, corremos contra o tempo e nos armamos de paciência. Só Deus sabe como chegamos até aqui.
(Um pouco de sorte, um pouco de boa vontade dos outros, e dedicação da nossa parte). Uma coisa era certa: se não fosse pelos profissionais da saúde maravilhosos que passaram por nós, provavelmente, não teríamos chegado até aqui.
Enquanto eu divagava sobre todas essas coisas, a enfermeira entrou no quarto. Seus olhos dispararam para a cama ao lado da minha. De certo para ver se alguém tinha deitado nela, sem per– missão. Dissimulei um sorriso, quando ela se aproximava para conferir a minha prancheta. A consulta foi rápida. Ela me informou que o médico viria me ver hoje.
A entrada da enfermeira acordou Gia, que começou a se espreguiçar na poltrona.
– Bom dia, bela adormecida! – disse eu.
Ela fez uma careta e gemeu um bom dia, em retribuição. Levantou–se encurvada.
– Ai... Estou toda travada.
– Quer uma massagem nos ombros? – Eu lhe ofereci.
Agradecida, Gia sorriu, mas fez que não, apontando para os acessos em meu pulso. Limpou os olhos discretamente, consultou o relógio e perguntou:
– Quer ir ao banheiro?
Dei uma disfarçada... Não pretendia lhe contar que, enquanto ela descansava, fui ao banheiro sozinho, puxando o meu suporte de soro comigo.
– Não, eu estou bem. – Levantei o rosto para receber o seu beijo. – Querida, acho melhor você ver o horário do café da manhã. Senão, irá perdê–lo.
– Ah, é mesmo – ela coçou a cabeça, olhando ao redor. – Onde estará aquele papelzinho...?
– Você guardou junto com a bolsa, no armário.
– Guardei?
–––
O dia passou e nada do médico. O enfermeiro da tarde me disse que ele viria à noite. Assim, eu me resignei em esperar.
No inverno, os dias ficavam mais curtos.
Às dezessete horas já estava escurecendo e deduzi, pelo aroma vindo do corredor, que o pessoal da cozinha estava começando a preparar o nosso jantar. Para os pacientes, o tempo para se alimentar era indefinido, ou quase. Já os acompanhantes tinham cerca de meia–hora para estar dentro do refeitório. Se Gia perdesse a hora, paciência, só no dia seguinte... Sequer poderia trazer um lanchinho para o quarto.
Balancei a cabeça, prestes a formular a sugestão que vinha remoendo desde que descobri a existência de um hotel, na es– quina. Os acompanhantes com dinheiro ficavam hospedados lá e revezavam com outros parentes, ou com um acompanhante hospitalar pago.
Na nossa terra, lá no Oeste, moramos perto do hospital. Ao menos Gia conseguia ir para casa, de vez em quando, para tomar banho, comer e descansar. Mas, aqui, estávamos longe de tudo e de todos.
Queria convencer Gia a ir para o hotel, pois eu conseguia me virar perfeitamente bem sozinho, pelo menos por algum tempo. Só que não via como fazê–lo... A política do hospital determinava que os pacientes não deviam ficar sem acompanhante. Não tínhamos ninguém com quem ela pudesse revezar. Além disso, eu duvidava que Gia fosse aceitar.
Nos tempos do Seu Vitório, os enfermeiros costumavam ser bem participativos... Hoje em dia, boa parte dos cuidados ficava por conta do acompanhante sem treinamento, sem experiência e sem conforto.
Os enfermeiros verificavam, medicavam conforme a prescrição médica e iam embora. Os tempos realmente mudavam... Provavelmente, Seu Vitório teria escapado para a rua, pelado, e ninguém teria ido atrás dele, nos dias de hoje.
Bom... Se os tempos mudam, ao menos, deveriam dar condições aos acompanhantes para fazerem o seu papel com o mínimo de conforto.
Descobri que Gia teria que atravessar o andar inteiro para usar o banheiro. Isso me aborreceu. Eu até entendia que se de– vesse ter cuidado com os alimentos e a contaminação das camas dos pacientes. Só que os horários de alimentação por parte dos acompanhantes eram muito curtos e espaçados.
–––
O pessoal da copa trouxe a refeição da noite. O aroma tomou conta do quarto. Gia me ajudou a ajustar a altura da cama, para que eu pudesse comer.
Ela não arredou o pé enquanto não me viu esvaziar o prato.
Eu não tinha apetite, mesmo assim, me esforcei.
O horário de alimentação dos acompanhantes era praticamente colado ao dos pacientes. Assim que terminei, Gia começou a remexer no interior de sua bolsa, à procura do crachá. Guardou a bolsa no pequeno armário de metal destinado aos pertences dos pacientes. Pelo menos, os acompanhantes podiam guardar suas coisas ali dentro.
Ali dentro...
Foi aí que a ideia me ocorreu.
– Por que não leva a sua bolsa, amor?
– Para quê?
– Para comprar um lanche para mais tarde. – Limpei a boca com o guardanapo. – Coloque dentro e guarde no armário.
Observei enquanto Gia assimilava a ideia.
– Não estaremos transgredindo as regras? Isso não seria... Ilegal?
Achei engraçado o jeito como ela disse "ilegal". Ilegal era pagarmos impostos tão pesados e termos hospitais com o ar condicionado pifado, falta de medicamentos, etc. Eu ainda tive sorte de conseguir vaga num bom hospital. Imagine aqueles em que o paciente dorme numa maca no corredor e o acompanhante dorme na cadeira ao lado, ou no chão!
Ilegal é roubalheira dos políticos deste país. Para não dizer, um absurdo. Entre outros adjetivos mais entusiásticos...
Como Gia ainda expressasse dúvida, questionei:
– E seria legal desmaiar de fome por causa das regras? – Tentei não soar tão contundente. – Quem vai cuidar de mim, se você adoecer?
Achei ter lançado o argumento adequado, porque Gia acabou concordando. Retirou a bolsa do armário, e pendurou no ombro.
– Tem razão. Farei isso. Mas só um pacotinho de bolacha.
– Agora vá, coração! – eu a incitei. – Vá jantar, antes que a boia acabe!
Rindo, ela me deu um beijo rápido nos lábios e seguiu pelo corredor.
–––
Kakau
– Ai, mãezinha, que fome!
Dona Jacira olhou–me com carinho. Eu queria me levantar, mas estava tendo dificuldade até mesmo de sentar naquela poltrona dura. Estávamos assistindo ao final dos programinhas da tarde, enquanto a paciente ao lado tagarelava sem parar sobre as fofocas da televisão. Nós duas fingíamos ouvir.
A filha de Dona Bete, a Luísa, foi ao banheiro dos acompanhantes. E considerando o horário do jantar se aproximando, deve ter aproveitado para descer. Verdade seja dita, ninguém aguentava a Dona Bete por muito tempo. No entanto, minha mãe tinha uma paciência de Jó. E o dom de acalmar uma jaguatirica. Não seria diferente com Dona Bete.
Cheia de orgulho, pensei: "Quem não gostava de ficar perto da minha mãezinha?"
Erasmo apareceu na porta, para me render. Nenhum de nós deixava a mamãe desassistida. De modo que quando um saía, outro filho entrava. E assim foi desde que a primeira cirurgia foi feita. Achamos que ela logo iria embora, mas... Para estarreci– mento e preocupação da família, o cirurgião aventou a possibilidade de mamãe ser submetida a uma segunda cirurgia.
Não queria nem pensar nisso!
– Graças a Deus, você chegou! – comentei, tentando me endireitar. – Acho que terei de passar por um quiropraxista para dar conta das vértebras da minha coluna.
– Não exagera! – Erasmo respondeu, sem tirar os olhos do celular.
– Se o médico aparecer, me dá um toque pelo Whats! – pedi. Esperávamos ansiosamente que ele dissesse que não precisaria de uma segunda intervenção cirúrgica.
–Vá jantar, maninha – disse Erasmo, olhando para o relógio. – Fico aqui até você voltar.
Ele sabia que o horário de visitas também iria acabar e eu passaria a noite com a mamãe até que César viesse, no dia seguinte.
O problema era que a mamãe não se sentia a vontade em fazer certas coisas com os rapazes por perto. Por exemplo, ela preferia que eu lhe desse banho e a ajudasse com sua higiene pessoal. Os rapazes podiam até fazer uma coisa ou outra. Mas mamãe ficava mortificada em ter que pedir ajuda a eles para as situações mais íntimas, por assim dizer.
Eles estavam procurando respeitar as vontades dela, mas talvez chegasse a um ponto em que eu não aguentaria mais passar as noites naquela poltrona. Além do mais, eu estava desesperada por um banho quente, na minha banheira. Se o médico não desse alta a mamãe, eu teria de convencê–la a fazer tudo antes do César trocar de lugar comigo.
No começo, quando soube da possibilidade de fazer uma segunda cirurgia, mamãe ficou deprimida. No entanto, começou a se empolgar quando eu trouxe os preparativos do meu casamento para ela me ajudar. Passamos o tempo decidindo sobre arranjos, decoração, adereços, e o vestido... Além de algumas "roupitchas" que eu pretendia comprar para a lua de mel.
Mamãe estava bancando todos os meus gastos, como sempre. E eu queria convencê–la a comprar uma calça que avistei numa loja, a caminho do hospital. Mamãe tentou colocar freio em mim, mas eu sabia como manobrá–la. Volte e meia pegava o celular e mostrava a foto da calça, e em como ela vestiria bem em mim. Mamãe concordava, com um sorriso, mas então desconversava:
– Você tem dúzias de calças como essa no seu armário. Não usou nem a metade.
Erasmo se controlou para não rir, quando eu argumentei:
– Ah, mãezinha querida, como esta calça, eu não tenho. Essa tem brilho e...
– Meu Deus! – Erasmo olhou para o teto – Dai–nos força!
– Vai logo jantar, antes que você perca a vez – disse mamãe, empurrando–me na direção da porta.
Bem, eu sabia quando recuar e quando contra–atacar. Sorri para ela e corri em direção ao corredor.
– Ande devagar – ralhou Erasmo. – Não esqueça de que você está num hospital.
Do corredor, eu rebati: – E você fale baixo, pois está num hospital.
–––
Erasmo
Dona Bete, a paciente da outra cama parou de tagarelar, por alguns abençoados segundos, então, indagou:
– Onde será que a imprestável da minha filha se enfiou?
Lancei um olhar de esguelha para minha mãe e notei que ela não gostou do termo "imprestável". Afinal, em sua opinião, nenhum filho é "imprestável". Mesmo assim, mamãe sorriu com bondade.
– Tadinha, ela deve ter ido esticar as pernas, ou cuidar de alguns assuntos. Vocês moram tão longe. Se quiserem que o Erasmo ajude, levando a sua filha em casa, não tem problema, né, filho?
Concordei prontamente. Fui sincero, quando respondi:
– Ah, com certeza! No que precisarem!
– Ah, mas será que ela me abandonou aqui? – questionou Dona Bete, mais preocupada consigo do que com a trabalheira da filha em correr de um lado a outro: emprego–casa–hospital e assim por diante... A moça virava a noite. Não era de hoje que a gente assistia Luísa se desdobrar para atender a mãe exigente.
Eu continuei teclando – um olho no celular e outro na minha mãe. Dona Jacira se controlou para não dizer o que pensava. Era uma mulher cristã. Imaginei que, com tantos Xingamentos por parte de Dona Bete, fosse de se esperar que a filha fugisse para a sala de descanso dos acompanhantes, sempre que possível. Mas, não era o caso – ela estava no horário da refeição. Meia–hora para comer, ou ficaria sem se alimentar até o dia seguinte.
Kakau me disse que já viu a garota sentadinha na sala de espera daquele andar, chorando em silêncio. E que ficava lá, para o caso de os enfermeiros avisarem que a mãe estava precisando dela.
Era uma vida triste daquela garota. Kakau nos contou que ela fazia tudo sozinha, desde os treze anos. A mãe lhe ensinou a se virar, mas não para si mesma. Para ser uma mulher independente e segura. Ao contrário, fez isso para ter uma empregada. Dona Bete dizia que se os filhos não servissem para atender aos pais, então, para que serviriam?! Afinal, alguma utilidade dever– iam ter.
Testemunhei tais colocações saltarem da boca da mulher. Ela fazia a filha passar por lunática e ingrata. Nessas horas, Dona Jacira nos lembrava de agradecermos a Deus pela bela família que temos. Muito raro encontrar uma felicidade como a nossa. Era preciso levantar a mão para o céu.
Ao observar a sua companheira se lamuriando pela terceira vez, mamãe tentou uma nova abordagem:
– Calma, Bete. A Luísa já vai voltar. Não quer ligar para ela?
A outra ficou sem jeito. – Ah, é mesmo! – e pegou o celular.
Mas interrompeu o gesto quando viu a filha entrar pela porta.
– Pensei que tivesse fugido – zombou a mãe. – Responsabilidade não é contigo.
– Mãe – disse a filha, incrédula. – Só demorei dez minutos. Fui ao banheiro dos acompanhantes, que fica do outro lado do hospital.
– Porque não usou o daqui? –Ato contínuo, Dona Bete apontou para a porta fechada, dentro do quarto.
Mamãe não pode crer que ela realmente tivesse sugerido aquilo. E pelo visto, nem a filha.
– Porque esse banheiro não é pra gente, é para os pacientes – respondeu a jovem, muito sensata. – E se contaminarmos tudo e vocês pegarem alguma doença da gente?
– Sua filha está certa – disse Dona Jacira, sem se conter.
– A senhora precisa de alguma coisa, mãe? – Perguntei, interrompendo aquela conversa descabida.
– Não querido. Por enquanto não preciso de nada – disse mamãe, vendo–me voltar a teclar no celular.
Ela gostava de me ver trabalhar e resolver todas as questões via celular. Costumava dizer, com orgulho, que criou um filho es– perto e flexível. Bom, isso era verdade. Ela mesma tinha um bom aparelho. Conversava com as amigas e todos os nossos parentes pelo Facebook. O hospital não permitia um grande número de visitas, e mamãe os atualizava pela internet.
– Ah, filho, por favor, me alcance o meu celular que a Kakau guardou no armário.
Franzi o cenho. – Ela deveria ter deixado carregando.
Abri o armário, peguei o aparelho e o entreguei à mamãe, enquanto Dona Bete voltava a tagarelar para a televisão, discutindo com os seres animados que apareciam na tela e tentando nos envolver em seus comentários.
Alguém podia dar um calmante, um sonífero, um sossega leão para aquela criatura? A situação já era difícil, com a gente tendo que esperar o médico aparecer para nos atualizar. E nesse meio tempo, a gente ainda tinha que lidar com as esquisitices dos outros pacientes. Cadê o psicólogo, ou o psiquiatra, quando se precisa de um?
Com um suspiro, caminhei até a poltrona, anteriormente ocupada por Kakau e me sentei. Luísa sentou–se na outra poltrona em silêncio. E assim ficamos – com o som da televisão competindo com o som da voz de Dona Bete.
–––
Andreia
– Aqui, padrinho – estendi–lhe o copo de água – Beba devagar.
– Obrigado, minha querida – respondeu ele, levando o copo aos lábios. Depois de sorver um longo gole, disse: – Você é um anjo!
Seu Josué tomou mais um gole. Estava com tanta sede, ultimamente. Seria resultado da mudança na medicação?
–Vá descansar um pouco, querida – sugeriu, com carinho na voz. – Minha cirurgia é só na outra segunda–feira.
Fitei–o com preocupação.
– O senhor vai ficar bem?
– Se você não for agora – ele olhou para o relógio de pulso – vai perder o horário do jantar.
Conferi as horas. De fato, os acompanhantes tinham só meia hora para entrar no refeitório e comer. Depois disso, o jeito era aguentar até o café da manhã. Meu padrinho disse que eu ficaria ainda mais magra. (A bem da verdade, já perdi mais dois quilos nessa roda viva do hospital, em menos de uma semana).
–Só vou checar o celular e prometo que desço em seguida, – procurei tranquilizá–lo. – Não demoro.
Ele apenas acenou como quem diz: "Vai logo!"
O problema é que não podia ir sem conferir o grupo de trabalho no WhatsApp. A gerente permitiu a minha ausência física do trabalho, desde que eu pudesse dar conta de tudo, à distância. Isso significava que, se ela enviava uma planilha para eu preencher, ou um rascunho para transformar em Comunicação Interna, eu tinha que fazê–lo, fosse a qualquer hora do dia ou da noite. Se ela precisava que eu escrevesse os pareceres dos processos acumulando–se na fila de entrada do sistema, eu precisava fazê–lo, fosse a que horas ela mandasse. Por isso, eu andava trabalhando no hospital. Ora no celular, ora no notebook – o que eu tivesse à mão, para o momento.
No grupo do Whats, recebi a notícia bombástica: além de tudo o que já tinha que fazer (pelo que a gerente não se cansava de dizer para eu me sentir grata), ela decidiu que eu teria que dar uma mão a outro setor. No entanto, as pessoas que trabalhavam no outro setor recebiam uma bonificação, à qual não me foi oferecida. Ou seja, eu teria que trabalhar para e por eles, sem nada receber de extra, enquanto os outros ficavam apenas assistindo? Meu Deus, que injusto!
E a gerente me encurralava, porque sabia que eu precisava do emprego e também precisava cuidar do meu padrinho. Assim, eu me calei e entrei em contato para saber exatamente do que consistia esse "dar uma mão".
Desanimada, anotei as determinações e orientações dela, sabendo que suas ordens podiam mudar da noite para o dia e o trabalho feito ir para o lixo. A gente começava dez trabalhos para concluir um ou dois. Paciência. Após conversar com ela, desliguei o telefone, sentindo–me mais deprimida do que nunca.
Só então, notei que o tempo passou. Se não corresse, perderia o jantar. Mas, quer saber? Só de falar com a chefe, já perdi o apetite.
––– CONTINUA NA AMAZON, ONDE ESTÁ COMPLETO.
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