São Preto (I)

Um vento gelado castiga a cidade de São Preto desde os arranhas céus até a habitação mais baixa e pequena do ponto mais apartado nos meados da cidade. Graças às luzes alaranjadas dos postes de luz, nos vidros das residências as nuvens se mostram menos escuro-alaranjadas do que realmente se esperaria. Ainda é muito cedo, 4 horas da madrugada.

Artur fecha a janela do banheiro. A pior ideia de todos os tempos. Uma janela no banheiro ao lado do chuveiro. E mesmo assim, nunca lhe soou o mesmo que fechar, uma vez que a janela é inteiramente de vidro. Tudo bem que as chances de alguém identificar o jornalista Artur Carvalho, do jornal Jhonsey — também chamado de JJ — pela fresta retangular envidraçada, são ser tão grandes quanto "avistar Marte entre as estrelas a olho nu" como dissera certa vez Sr. Eusébio, o síndico do prédio. E levando em consideração a vivenda do 18º andar, os argumentos de Artur não poderiam ser tão convincentes nem para ele mesmo sobre a ideia de trocar as janelas do prédio inteiro naquela coluna. Mesmo assim, toda vez que seus olhos se direcionam para aquela janela, as centenas de luzes alaranjadas dos postes de luz da cidade, sempre lhe parecem como uma multidão de espectadores com suas câmeras e luzeiros filmando seu glorioso banho.

Mesmo que a janela em travessão não possibilite nada mais que uma visão de seu rosto — ou o peito, a cintura e o resto de suas coisas dependendo do ângulo da visão já que 1,93 de altura é bem significativo para uma janela a 1,85 do piso — quando visto em linha reta, no térreo, sem os muros e cercas, a imaginação carrega Artur para uma exposição em uma vitrine em pleno dia no gran-comércio da zona sul — também chamado de baixo comércio — de Nova Dallas.

Terminado a ablução, Artur se seca, sacode a cabeça espargindo a água dos cabelos cacheados — como adora essa sensação. As pessoas quase sempre perguntam a ele sobre o segredo para cachos tão belos e Artur sempre sorri em resposta.

"Vou colocar uma cortina aí", conclui olhando para a janela após vestir-se.

Ele vai até o quarto do filho. Nando continua adormecido na cama infantil com estampas caricatas da grande Ardna no lençol, no canto do quarto. A televisão está ligada sobre um pequeno balcão amadeirado com duas portinhas embaixo, que o filho ocasionalmente usa para guardar os brinquedos dos heróis de brinquedo que possui. O brilho ofusca parte do quarto provindo de um canal de desenhos, que fica a noite inteira assim. "As contas vão ficar uma maravilha", pensa Artur ainda observando o filho na penumbra por um tempo, decidindo se o acordaria ou não para levá-lo ao trabalho.

No sopé da cama, frente ao pequeno balcão, sobre o tapete oval avermelhado — que exibe a imagem de um super-herói de manta amarronzada, roupas internas avermelhadas, rosto borrado e um brasão oval com um S no centro — descansa a lancheira do filho. Entrementes, uma lancheira com o mesmo herói do tapete, com a diferença que há uma cidade ao fundo, uma forte estrela-cadente cruza os céus e letras grandes texturizam o cenário em uma palavra: Seravat.

Para Artur, Nando não curte muito a lancheira, ou, pelo menos, é o que dá a entender, já que muitas vezes ele leva seu lanche da escola na mochila, ao invés de usar sua lancheira. Mas isso também pode ser devido ao garoto não achar muita utilidade na lancheira, uma vez que já possui uma mochila para transportar as suas coisas, fazendo seus sogros pensarem que a lancheira fosse mais uma daquelas besteiras de pais, mas Artur e Nara, veem aquilo como apenas um dos motivos que fazem Nara corroborar com a genialidade do garoto em relação à maioria dos garotos de sua idade.

Artur observa a lancheira novamente. É claro que o menino deduziu que o pai o levaria. Depois da discussão do casal 6 horas antes e a saída inesperada da mãe... "Tão inesperada que deixou o filho". Ou talvez seria de propósito? Pelo que estavam discutindo mesmo?

Nando dorme tranquilamente. "Férias são ótimas", conclui ironicamente enquanto passa por cima do tapete. Vai até a TV e desliga. Ele se aproxima da cama, beija o filho e sai à cozinha para tomar o café da manhã.

"Nara provavelmente dormiu na casa dos pais... com certeza". Ele imagina a terrível versão da discussão que sua esposa está contando aos sogros até este horário. Não gosta nada daquilo, mas como sempre, iria até a casa deles no final do dia e pediria desculpas pelo que Deus sabe lá fosse dessa vez, já que nem sequer recorda o motivo principal.

Artur toma seu chá sentado em um banquinho na cozinha, apoiando os cotovelos no balcão americano revestido em mármore. Faz algumas coisas automáticas como ligar a TV e comer umas bolachas. Ele nem mesmo sente alguma fome, mas não para a pensar se está ou não, apenas segue seu protocolo matinal, evitando qualquer escape que o leve a preocupação sobre o relacionamento atual com a esposa.

Ele toma o último gole de chá enquanto desliga a televisão do noticiário da cozinha. Por um instante tem a sensação de estar se esquecendo de algo. Mais um pouco e chegará atrasado. O próximo ônibus será somente daqui a uma hora. Veste uma roupa social por baixo de um sobretudo escuro e sai do apartamento.

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