Pernoitada (II)
— Arite100! Arite100! Melhor loja, vem pra cá! Vem! Vem! Vem! — canta um coral na propaganda em um fundo colorido enquanto uma mulher nua leva uma ventania, segurando um kit de maquiagem, uma faixa de Miss Universo e um chapéu de banana na cabeça. — Já imaginou uma loja de produtos naturais, 100% natural? Veja a beleza! — Aparece a imagem de uma velha senhora caindo as pelancas do rosto, lembrando um buldogue velho. A mulher com chapéu de banana joga um pote de creme para a velha e esta passa o creme no rosto.
Embora o barulho da TV não interfira em muita coisa ante seus pensamentos, Gerson não lembra de ter se sentido tão burro na vida. É em um daqueles momentos em que parece beirar alguma descoberta, mas falta alguma coisa muito... simples, tão simples, quase um axioma, que, no entanto, de modo frustrado, ele não consegue descobrir. As papeladas em cima da mesa de escritório estão esparramadas até no chão. A luminária de mesa continua quente, informando parte da estada noturna do investigador em pé atrás da mesa naquele momento. Ele esfrega os dedos nas pálpebras e em seguida arruma os óculos. Os olhos doem de tanto ler aquela papelada que vai desde jornais, revistas, artigos de 7 anos antes, entre outros documentos.
— Uauuuuuu!!! — se admira a velha ao ver sua pele brilhando, enquanto seu tom de voz muda para um timbre mais juvenil — ARITE100 é 1000!
As paredes envidraçadas da sala de leituras do hotel de luxo do passam uma visão panorâmica da cidade. Quase não há prédios. José Framergard foi constituída de um centro comercial e pequenas residências em volta e desde então a cidade tomou gosto por pelo estilo. Inclusive, o hotel em que Gerson está hospedado com a sua equipe, é um dos únicos prédios da cidade. Certamente o mais alto. Com 35 andares e 110 metros de altura. Sua grandiosidade para o tamanho da cidade, contando com as vantagens da vista, estacionamento e outros aperitivos mais exóticos do que noutros cantos da região, o custo da pernoitada possui um preço quase tão pesado quanto sua grande estrutura. O plano seria passar na casa de Affonso, o repórter da turma agora, mas graças a ausência do mesmo, tiveram que pagar o único hotel que tinha mais de um quarto na cidade. O caixa da equipe teve um prejuízo considerável e Gerson sabe que passar mais de uma noite ali, seria o fim.
— Rejuvenesce até a alma! — um efeito de eco se faz na última pronúncia, enquanto velha, porque agora rejuvenescida como uma mulher aos 20 anos, ela ganha asas e auréolas, sendo teletransportada para um lugar cheio de nuvens com centena de admiradores flutuando na tela.
Gerson sente uma pontada prenunciando uma terrível dor de cabeça devido à noite mal aproveitada. Há uma estante de livros nos dois extremos da sala. Duas poltronas de costas para a parede de vidro, uma mesinha no centro sobre um tapete e mais um monte de besteiras decorativos para Gerson que, a seu ver, não soam nem um pouco compatíveis para uma sala. Embora tais observações nunca sejam passíveis de qualquer reclamação por parte dele, quando o preço pesa demais na carteira, Gerson é capaz de notar falhas até mesmo na composição atômica do ar, do ar condicionado.
— Arite100! Sua loja de produtos naturais, 1000% Natural!...
Uma conversação inicia no outro cômodo e a cabeça de Gerson dói ainda mais. Ele olha a bagunça no chão e o desânimo toma conta de si quando finalmente pega o controle e desliga o televisor. No mesmo instante a porta do canto da sala abre e Gerson vê alguém de camisa social branca totalmente amassada, calça jeans escura e de sapato social a entrar na sala. Os cabelos estão revoltos, denunciando a arrumação às pressas. Demora alguns segundos até reconhecer Affonso.
— Gerson!
— Céus! — cumprimenta-o Gerson enquanto ajeita os óculos na cara, incredível com a cena. — Oi!
— Que bom te ver — diz Affonso andando até o amigo e o abraça. No mesmo instante, Genio e Leomar entram na sala.
— Olha, queria me desculpar por... — começa Affonso, mas é logo cortado por Gerson.
— Não, não, não. Está tudo bem, ok? — Coloca Gerson na tentativa de abafar um atrito com a aproximação do câmera e do estagiário.
— Você sabe... Eu, uma ruiva...
— Eu sei, eu sei.
— Muito gostosa em Nova Dallas...
— Sim eu imagino.
— A gente dormiu junto e... Tive que dirigir que nem um louco para cá, quando...
— Não precisa. Está tudo certo, ok? — ele coloca a mão no ombro de Affonso mirando-o nos olhos.
— Parece que alguém tinha algo bem mais importante hoje — comenta Leomar fazendo uma das poltronas estralar ao jogar todo seu peso sobre ela — Quem era a ruiva Fonfon?
— Cala a boca! — Responde Affonso bufando e revirando os olhos.
— É assim que essa te chama? Ou será só Fonso como a outra em São Preto? — Provoca Leomar, relaxando o corpo na poltrona.
— É! Parece que as coisas não deram muito certo. — Começa o estagiário sentando no braço da outra poltrona.
— Fica quieto, ô virgem.
— O que foi? — recomeça o câmera. — Você foi fazer amor de luz acesa e ela viu a sua verruguinha?
— Fica quieto, o babaca!
— Está bem. Chega, vocês três — intervêm Gerson.
— Eu transei — rebate ele, ignorando o amigo e apontando para Leomar — Coisa que vocês dois deveriam fazer invés de cuidar da minha vida!
Leomar pisca para o estagiário e direciona uma pergunta para Gerson.
— O que temos por enquanto?
— Ah! Essa papelada continua um tanto confusa — responde Gerson, ajuntando a bagunça em cima da mesa. — Já vi uma centena de entrevistas, mas nenhum dos entrevistados nos dá algo concreto. — O gordo fez uma careta cética nessa parte — São especulações, sabe? — explica Gerson. — Os entrevistados só viram ou ouviram alguma coisa ao passar pela estação quando tudo estava funcionando, mas seus relatos são conflitantes, para não dizer um tanto exagerados, mostrando que nem eles mesmos têm certeza do que viram ou ouviram.
— Outro dia, uma mulher deu entrevista dizendo que certa vez ouviu a voz do avô falecido no som da estação — informa o estagiário — E ela jura que o metrô estava próximo à abandonada estação Sandor Allulasu.
— Aí, estão vendo? — retoma Gerson, gesticulando os braços na direção do jovem. — Mesmo antes de tudo isso as pessoas estavam com tanto medo, que começaram a ouvir coisas desse tipo.
— Isso, se não estiverem sendo pagas para dar esses depoimentos a programas sensacionalistas — comenta Affonso.
— Isso também, Affonso — corrobora Gerson — Mas o problema é que nenhum dos entrevistados estiveram presentes no local dos acontecimentos recentes, e se houve sobreviventes ao acidente do metrô 568, não fazemos a mínima ideia de onde estão, dado que nem mesmo o metrô foi encontrado. Uma locomotiva de seis vagões não ser encontrada, sabem o que é Isso? A situação piora quando falamos de Flamingos, já que ninguém que estava antes das deu qualquer sinal de vida ainda para informar o que aconteceu com a cidade.
— O que temos sobre Flamingos é resumidamente, nada?! — pergunta o barrigudo fazendo uma cara de indiferença.
— Exatamente. Nada ainda — responde Gerson, estomagado. — A cidade continua cercada pelo exército e as demais entidades estatais de pesquisa. Parentes e amigos das famílias que estão em Flamingos seguem desesperadas e ameaçam entrar lá. A defesa civil anunciou que a cidade possui uma quantidade de raios nocivos ainda desconhecidos, mas a teoria mais aceita no momento é que sejam efeitos de uma tempestade geomagnética.
— Teoricamente, ninguém pode entrar lá, certo? — lança Leomar em tom simplista.
— Sim — responde Gerson batendo umas folhas de jornais sobre a mesa —, mas estou desconfiando que eles estão escondendo algo. Precisamos fazer alguma coisa.
— E quanto ao Artur? — indaga Affonso.
— Que tem ele?
— Ele me disse certa vez que estava pesquisando sobre cidade enclausurada... desaparecida, algo do tipo.
— Eu sei, ele também me disse isso — ele passa a mão na nuca incomodado. — Acho que terei que ir até lá.
— Aonde? — pergunta Leomar.
— Para São Preto. Vou ter que achar essas pesquisas do Artur. Affonso vai continuar como repórter por agora e veremos o que ocorreu com Artur.
— Ouvi que a mulher dele ligou para a emissora esses dias — diz o Leomar tirando um par de óculos escuro do bolso da camisa e colocando no rosto.
— Sim, eu também ouvi. Espero que esteja tudo bem com ele — termina, largando a papelada mal arrumada em cima da mesa. — Por enquanto, Affonso cuida da parte de anunciar a informação.
— Tá vendo aí fonfon? — provoca Leomar — Você é só o substituto e nada mais.
— E você é gordo! — responde Affonso mirando-o impaciente.
— E quanto a matéria? — indaga Genio jogando as costas no outro braço da poltrona, formando uma ponte.
— Faremos depois! — responde Gerson indo para o outro cômodo, e completa — Temos que entrevistar as pessoas certas ainda.
— Aí Affonso, — retoma oLeomar quando Gerson acaba e sair — sabia que nos filmes de terror os transudossão os primeiros a morrer?
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