Ex-namorado (II)

A floresta de prédios, telões em néon e postes de luz que incendeiam a noite, dá a Nova Dallas uma nova forma de vida a nascer depois do anoitecer. Parte das pessoas se retiram para suas casas nesse horário após um longo dia de trabalho. No entanto, para outros, casa não é exatamente o local para afogar uma mente cansada, e a noite não passa de outra parte do período do seu dia.

Um vestido justo e vermelho, salto alto de mesma cor, acompanhado de um sobretudo escuro jogado para as costas, pendurado nas pontas dos dedos de uma das mãos. A ruiva de olhar poderoso entra no Dallas Bar, que, na prática, mais se assemelha a uma boate imprópria dos anos 90. Há um holofote do lado de fora, mas não é muito forte. Quem passa na rua vê o lado de dentro recheado de mesas de jantar redondas e sofás de canto no estabelecimento. O piso amadeirado e as luminárias ambiente embutidas no teto passam uma impressão ainda mais clássica ao lugar.

Melissa arrasta um número de olhares para si quando entra no estabelecimento e cruza a sala até o balcão do bar em passos similares aos de um desfile. Ela senta em um dos bancos de chão, de assento giratório, e deposita o sobretudo sobre o balcão. Não no colo, pois as pernas pálidas e desnudas são enormes tentações para a maioria dos olhares.

— Pois não moça. — Diz o barman a Melissa, assim como todos os outros barmans de onde quer que ela passe, excluindo os mais ousados que não demoram a perder a compostura ante às negligências da mulher.

Quartz — ela pisca para o barman, que, entendendo, sai rapidamente para buscar sua bebida.

Por se situar ao meio do bar, quem olha de fora não vê o bar todo. O balcão foi estrategicamente construído ali de modo a cobrir o âmbito libidinoso na outra metade da instalação. Apesar de não aparentar um ambiente próprio para tal, dado o fato de não haver meios de barrar a entrada de menores ou que haja algum ali, na parte do fundo existem barras de pole dance. Várias pessoas conversam, dão risadas, namoram, bebem e até se masturbam mutualmente de modo furtivo. A prova desta última é dada quando Melissa nota em uma das mesas redondas esquematizada na mesma madeira que o piso, e ainda na parte frontal do bar, onde há quantidade considerável de pessoas, uma mulher do outro lado da mesa onaniza um mancebo com os pés. O mancebo, por sua vez, está abraçado a outra jovem ao lado, que por seu turno não parece ciente da sacanagem embaixo da mesa.

Melissa se distrai observando o andamento do bar. O ambiente está contaminado por uma música de fundo, um tipo de blues pop da rainha do popstar Natie Verris.

— Sua bebida moça. — diz o barman depositando uma taça vítrea com a habitual bebida avermelhada dentro.

Melissa pisca novamente em retribuição, e o barman por sua vez sai tentando não demonstrar qualquer reação, mas acaba tropeçando num balde de lixo. O televisor preso a um suporte no teto está ligado, mas mudo, uma vez que a música do ambiente é bem mais alta. Um canal de notícias exibe uma reportagem sobre Flamingos no momento e Melissa tenta ler o rodapé, sem sucesso.

Ela se vira, percebendo um movimento estranho na mesa em que o rapaz há instantes atrás era onanizado pelos pés da mulher do outro lado. A moça recolhe os pés, constrangida ao notar Melissa, que por sua vez encosta a taça no lábio inferior, estimulando pensamentos provocantes pela outra moça. Nesse momento, alguém senta no banco ao lado da ruiva. Ela percebe e toma um gole de Quartz. A mulher da mesa sorri para ela. Melissa retribui um sorriso audaz e um olhar cheio de malícia.

A música no ambiente salienta ainda mais este momento, delineando a importância da vivacidade, como se não fosse apenas uma cena provinda do acaso. O perfume masculino chega suavemente ao nariz da ruiva. O homem ao seu lado pigarreia e ela se vira quase em transe, de olhos fechados, como quem cheira a comida predileta antes da primeira garfada. Ao se virar, suas pálpebras se abrem e seu par de azuis cravam nos negros do homem. Seus orbes se mantêm direcionados 15° graus para cima em relação às do sujeito. Ele é alto. Apesar de estarem sentados, para uma mulher de 1,66 de altura, Melissa ainda assim se sente bem baixinha perto dele.

— Por Ardna! — exclama o homem impressionado com o encontro de olhares. Melissa se mantém impassível e embora o semblante nada surpreso, acha difícil descer os olhos para o peito dele, uma vez que nota ele acompanhar suas íris milimetricamente.

Cabelos ondulados, quase liso. Um resquício elegante de barba no queixo. Não é exatamente o tipo de Melissa, dado a queda por cabelos cacheados e se algo fora disso pretendesse algo a mais com ela, é melhor ter um plano muito bem arquitetado. Ela permanece com o semblante inalterado, embora queira mirar o peito dele. Ele traja uma camisa social com dois botões desabotoados na parte superior e calça jeans escura.

— Posso? — ele mexe o rosto para a bebida de Melissa, mas ela vira o copo de vez na boca. O homem sorri, revelando arca dentárias muito brancas e complementa — Está bem. Me traz um Suagszu — pede piscando ao barman que passava no outro lado do balcão.

O barman faz uma cara de confuso com o pedido, passando um olhar de esguelha para Melissa, mas acaba por dar de ombros e se afasta para pegar a bebida nos fundos do bar. Tal atitude deixa a ruiva curiosa. O homem pega seu smartphone e mexe rapidamente nele, depois olha a moça de soslaio, soltando uma pequena risada quando ela vira a cabeça e passa a mão numa mecha de cabelos no mesmo momento que ele olha. Em alguns instantes, o barman retorna, trazendo a bebida. O homem ao lado de Melissa pega o copo e sorve um gole.

— Nossa! Não é tão bom — diz à Melissa em tom sarcástico.

A menos que alguém tenha inventado tal bebida com o nome de Suagszu, o que aquele homem havia bebido é o mesmo Quartz que Melissa acabara de tomar. Suco de framboesa com aroma alcoólico artificial.

É do costume de algumas mulheres fingirem estar se embebedando, para que um cavalheiro chegue e pague mais e mais bebidas para os dois, e no fim das contas, o dinheiro pago para a bebida delas não passa de água mineral, o que lhes permite pegar tal lucro de volta com o dono do bar posteriormente. Não que ela necessite disso, dá para se sustentar com o que ganhava na estação São Preto, mas o truque da bebida já lhe rendera catorze vezes o seu salário com um único cliente. Como ultimamente as estações voltaram a parar, e provavelmente não voltariam tão cedo, não seria uma má ideia garantir algo nisso novamente.

Melissa fica triste por ter que desistir daquele ponto, uma vez que o homem postado à sua frente mostra ter ciência do golpe.

— Uma tequila para mim e... — ele olha para ela esperando uma resposta.

— Cerveja.

— Ah, qual é, só hoje.

O que pode significar isso? Uma rendição? Ficaria de bico calado? Em troca, teria que se embebedar de verdade com ele, isso? Melissa tenta não olhar para o homem, mas se continuasse assim, ele perceberia seu nervosismo.

— Vinho. — Responde secamente.

Não mudou muito, mas mesmo assim ele sorri para ela e, em seu turno, responde em um sorriso de canto, mostrando algo quase forçado. Quase...

O barman volta entregando as bebidas e, como que para piorar a situação, quando faz o movimento de agarrar seu recipiente, seu sobretudo cai no chão e sua carteira, aberta. Os dois se abaixam para pegar, mas ele apanha a carteira primeiro e entrega a ela.

— Affonso — se apresenta, entregando para a ruiva.

— Melissa.

Os peitorais...

"Não olha, não olha, não olha...!"

— Eu não mordo, moça, fica sossegada — argui Affonso em um sorriso acalorado.

— Cadê minha...

— Sua, o quê?

— Nada — responde ela, procurando algo no piso do bar.

— Pode falar, nós podemos procurar...

— Não, deixa... É uma foto do meu... Irmão — é a primeira desculpa que lhe vem à cabeça. Affonso faz uma cara de desconfiado e, ao mesmo tempo, divertida para Melissa. De repente, uma vibração sobrevém do sobretudo. Uma música pop começa a tocar e Melissa nota que vem do seu celular. Ao retirar o aparelho do sobretudo, o protetor de chamadas acusa em sua tela um número desconhecido. Ela puxa o dedo no ícone vermelho do telefone para o meio da tela, desligando a chamada.

— Seu irmão também? — diz o outro, segurando uma aparente risada.

— Não. Número desconhecido — responde, se levantando e voltando a sentar no banco giratório.

Affonso sorri e também volta ao seu lugar no banco ao lado. No mesmo instante, uma bartender volta e deposita as bebidas no balcão.

— Algo mais, moço?

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top