Ex-namorado (I)

— Aqui está dizendo que ele perdeu quase 100 quilômetros de altitude, depois ganhou mais duzentos, aí desceu de novo e começou a andar em círculos. — diz Genio, um jovem que aparenta dezoito anos, mas tem apenas 16 anos. Está com um jornal aberto nas mãos e sentado no meio do banco de uma das acomodações traseiras da van que, nesse momento, viaja a 70 km/h.

— Olha só. Parece que o nosso pupilo sabe manusear um jornal. — diz um gordo de barba aparada e cabelos em leves ondulações até a orelha. — Aprendeu na internet? — completa olhando para o jovem ao lado de modo provocativo. Genio ri de modo embaraçado despontado por uma leve cotovelada no braço. — Eu disse Gerson. Esse rapaz aqui deve ter no mínimo uns trinta. Esse RG dele aí deve ser completamente forjado.

— Deixa o garoto, Leomar. — Entorna Gerson. Um homem magro, vestido de social e óculos circulares de lentes popularmente chamados de tampa de garrafa. — Ele está olhando as manchetes que pedi mais cedo que me trouxesse. E... — Ele se estica para o seu lado direito, observando o conteúdo da manchete, mas não do estagiário. — ... como é mesmo essa história?

— Aqui em cima — explana Genio mostrando com um dedo uma manchete na parte superior no corpo do jornal. Gerson começa a passar o olho pela manchete rapidamente. Seus olhos descem linha por linha após encontrar a manchete acima do dedo do adolescente.

— O metrô 562 da linha vermelha perdeu totalmente seu contato em Flamingos. — Diz Gerson, recitando a matéria em mãos.

— É um pouco mais para baixo. — Informa Genio se espremendo para mostrar a Gerson.

O chacoalho da van faz Genio se segurar forte em Leomar. Ele encara o adolescente de uma forma única e meditativa, que só ele sabe fazer. O estagiário fica constrangido ao notar que fez mais barulho que devia, atraindo os olhares de todos dentro do veículo. Após alguns instantes, ele se recompõe, mas os olhos castanho-claros de Leomar continuam sobre ele, da forma exclusivamente constrangedora. Gerson segura uma risada enquanto volta a notícia do jornal.

— Acho que poderemos ter problemas com a estrada principal. — Fala Gerson em tom informativo.

— Por quê? — Indaga Pedro.

Pedro é o motorista da van. Um homem de muitas opiniões, mas que diferentemente do resto da equipe, não palpita sobre muita coisa, então é um tanto difícil vê-lo falar. É o que tipo meio careca, com voz grasnante como a de um fumante e bem despreocupado. Seu lugar na equipe de reportagem remete a sempre cuidar das coisas, dirigir a van e ajudar nos equipamentos quando pode.

— Temos chance de encontrar com algum protesto passivo perto de José Framergard. — Continua Gerson, devolvendo o jornal a Genio.

— Quanto falta para chegarmos? — Indaga Leomar ainda petrificado, encarando o estagiário de modo inexpressivo e engraçado.

— Para uma viagem de sete horas desde Jhonsey? — Responde Pedro, bufando. — Umas três horas!

Agora é a vez de Leomar bufar, ainda sem tirar os olhos de Genio.

— Você já viu essa pinta nascendo no seu rosto? — Retoma Leomar.

— Onde? Cadê?

— Deixa o menino, Leomar. — Diz Gerson, o mais sério que pode, embora segure uma risada por dentro.

— Se encontrarmos empecilho no caminho, terei que subir por terra. — Informa Pedro tamborilando os dedos no volante. — Já não basta as notícias em tudo quanto é canto. Além do metrô, vamos ficar sem estrada também.

— São pessoas desesperadas. — Locupleta Gerson, pegando a câmera pequena de Leomar em uma sacola aos pés, para que ele pare de atazanar o estagiário. — Apenas isso.

— Ah! Fala sério! — Denota Pedro. — Já estou cansado de ouvir tanta baboseira. Essa madrugada eu ouvi algo sobre o governo mandar drones para Flamingos. Vê se pode!

— Era isso que eu estava vendo aqui... — torna Genio, passando o dedo rapidamente pelo jornal enquanto Gerson dá o aparelho de gravação para Leomar. — A zona de risco de Flamingos é de até um quilômetro afora. Todos os veículos que passam menos que isso, de lá, arriscam perder o contato, ao que parece.

— E aí eles enviaram um drone?! — Retorna Pedro de modo inquisitivo.

— Na verdade, eles... — Genio fica um tanto constrangido percebendo que Leomar está apontando a câmera para ele — depois das 18 horas de antes de ontem, eles enviaram um emissário para Flamingos, que perderam contato a dois quilômetros na estrada principal. — A visão de Genio é ofuscada, graças à luz da filmadora de Leomar, apontada para o rosto do estagiário. — Pelo rádio antes de perder o contato, um dos integrantes afirmou ter visto uma luz bem fora do comum vindo de algum ponto na direção da cidade.

— Você é um mutante? — Pergunta o câmera, em troça.

— Leomar... — Reclama Gerson, sem tirar os olhos da estrada.

— Estava testando a câmera... a verruga dele é bem grande. — Se explica o câmera enquanto desliga seu aparelho.

— Então o governo mandou, mas dois emissários ontem de manhã, cheios de escolta, mas próximo ao seu um quilômetro. — Continua o estagiário, apontando no jornal uma tirinha. — O áudio dos aparelhos foi cortado, mas conseguiram ouvir pelos microfones instalados na estrutura do jipe, que também foi interrompida após uma gritaria no carro. Os áudios só foram parar na mídia hoje. Depois disso o governo ficou apenas com Sinal do GPS do jipe que estava completamente desorientado. — Conclui o estagiário, passando o jornal a Gerson ao lado.

— Aparentemente o sinal do GPS foi danificado um pouco antes de se perder por completo. — Conclui Gerson lendo o final da matéria, aonde Genio apontara o dedo antes de entregar.

— Ou o carro pode ter batido em alguma coisa e zoou tudo. — completa Genio.

O câmera e Gerson se entreolharam e depois voltam-se para o estagiário.

Pedro fita o garoto em expressão de dúvida pelo retrovisor.

— Quer dizer que danificou. — Se defende Genio após notar os olhares estranhos sobre si. — Quebrou... ahn... — o nervosismo estampado no rosto dá lugar a um rosto intrigante — inutilizou algo. Isso.

— Você viu só Gerson? — começa Leomar de olho no estagiário. — O Gênio quer mostrar para nós que sabe palavras difíceis. — Um pequeno silêncio se segue, voltando a deixar o jovem estagiário ainda mais nervoso que antes. Leomar pega um chiclete em uma mochila que está entre suas pernas no chão da van, abre a embalagem e coloca o chiclete na boca, mascando a goma de modo penoso e lento, ainda de olho no estagiário. — Soletra Anticonstitucionalissimamente para a gente.

— Anticonstitucionalissimamente. — diz Gerson, apaziguando a situação entre os dois — Sim, é fácil. O segredo não está nas sílabas, e sim na divisão da pronúncia. — Completa arrumando o par de óculos, voltando a atenção para a matéria na manchete. — Parece que, desde então, Flamingos foi decretada pelo governador, em estado de quarentena.

O motorista volta sua atenção a estrada e Leomar até tira os olhos do estagiário. Genio se tranquiliza e volta a atenção para o jornal, agora entre o seu colo e o de Gerson. A manchete possui uma longa descrição em letras pequenas e a velocidade da leitura de Gerson sempre impressiona o pequeno estagiário. Demorou em torno de 4 minutos para terminar na última linha da referida manchete no jornal, enquanto Gerson lê em apenas alguns segundos. Isso de alguma forma o incita a ler as coisas mais rapidamente, embora ainda sinta muita dificuldade nessa parte. Não é o fato de ler rápido, pois isso ele consegue, mas o problema é aproveitar toda informação passada, e processar ela rapidamente enquanto está lendo. Ler alguma coisa na velocidade que Gerson lê, ao chegar no fim da matéria, se quer saberia informar o assunto que se trata o texto.

Gerson empurra o jornal de volta para Genio, deixando-o um tanto boquiaberto. Apesar dos dois meses de parceria com a equipe, o recém-chegado ainda fica boquiaberto com atitudes desse tipo, do pesquisador. Genio vira o rosto para a janela ao seu lado direito e encontra Leomar observando-o, agora de trás de um rayban enquanto masca um chiclete. Ele está terrivelmente engraçado daquele jeito, mas antes de qualquer risada, Genio receia de sua posição do estágio.

— Tá me estranhando? — despeja Leomar em seu habitual inexpressivo, mas Gerson sente um pouco de sarcasmo na voz do velho amigo.

O balanço da van deixa o estagiário um pouco enjoado. Gerson já se acostumara ao balanço das eventuais viagens. Leomar tem o costume de mascar chicletes quando sente algo estranho na barriga. Em verdade, na decolagem de um avião ou falar em público após tragar um bom fumo, também são situações perfeitas para o câmera levar uma goma de mascar a boca. Evidentemente, se não fosse pela segurança nacional, eles iriam direto para a abandonada cidade de Geloema a fim de fazer a alguma inusitada matéria, mas a quarentena em Flamingos impede qualquer um de avançar em direção a qualquer lugar entre Santa Lianna e José Framergard.

À medida que as estações sobem de Jhonsey, as cidades ficam cada vez maiores. O ambiente verde fica cada vez mais escasso até ser substituído pela imponente selva de pedras de Nova Dallas. À medida que avançam na estrada, Gerson observa que o asfalto se torna cada vez mais nítido. Deixaram para trás, Flamingos, Geloema, tudo sem saber. A estrada em que se encontram, faz uma rota bem longe dessas cidades. Desde o ocorrido em Flamingos, o alerta geral é de que tempestades magnéticas ocasionaram o corte de todo sinal eletrônico da cidade, impossibilitando a todos, inclusive ao exército, de entrar na região. Ninguém tem notícias do que aconteceu ali, mas desde o sumiço de vários metrôs ao passarem pela estação da referida cidade, a linha vermelha parou totalmente.

Gerson encosta no vidro da janela ao seu lado esquerdo, e uma saudade do colega de trabalho e amigo que não aparece há dias: Artur. Ele adoraria fazer essa matéria. Faz apenas algumas semanas que ele estava fazendo pesquisas sobre Geloema, antes de desaparecer.

"Onde estará ele agora?"

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