Epílogo
AKANAEL SE ENCONTRAVA em um cenário etéreo e transcendental que ele, em sua enorme experiência de vida, conhecia como o Limbo Celestial. Aquele espaço estava além da compreensão humana e, ali, o tempo e o espaço se misturavam, e a realidade era moldada ao seu redor pela energia divina.
O ambiente onde a sua consciência angélica havia despertado era caracterizado por uma luz brilhante e suave, que parecia emanar de todas as direções ao mesmo tempo, banhando tudo em tons de branco e dourado.
Não havia limites físicos ou horizontes definidos. Apenas um vasto campo de luz e energia. O ambiente parecia fluido, em constante movimento, como que composto por partículas de energia cósmica.
Akanael, agora despojado de uma forma distinta, era uma presença radiante no limbo. Sua essência era pura e luminosa, sem uma aparência física definida. Era como uma chama brilhante, dançando e pulsando com energia celestial. Sua essência emanava sabedoria, força e determinação, refletindo a sua outrora persona de guerreiro angelical.
Rafael, o Arcanjo da Cura e Guardião dos Santos Vigias, se manifestou diante dele com uma imponência majestosa. Jazia incorporado como uma figura de proporções divinas, com uma envergadura ampla e bela. Possuía uma capa branca e reluzente às suas costas. Seus olhos irradiavam uma sabedoria profunda e uma serenidade incomensurável. Transmitia uma aura de compaixão, poder e autoridade celestial.
— Akanael? Pode ouvir o meu chamado?
O som da voz do Arcanjo ressoou vibrante pelo espaço sem fim, se repetindo, se repetindo e se repetindo. Até que ouviu-se uma resposta singela:
— Sim, meu comandante. Eu o ouço.
As feições de Rafael não se alteraram quando sua presença magnificamente luminosa estacou ante a percepção de seu soldado. Ambos se conheciam há mais tempo que o próprio tempo, por essa razão, identificavam um no outro os sentimentos mais sutis. Embora não tivesse demonstrado com sua face rígida, Akanael sabia que o outro estava decepcionado com ele.
— Samyaza veio até mim relatar-me o ocorrido no mundo dos homens. Falou-me com o pesar de mil fiandeiras moiras a respeito da sua queda perante Thænael, e mostrou-se preocupado quanto ao destino do planeta que os Santos Vigias juraram defender. O que tens a me dizer?
O brilho emanado em torno da figura disforme de Akanael tornou-se opaco. Ele sentia-se envergonhado e não conseguia esconder tal sentimento de seu líder.
— Forças inadvertidamente antinaturais agiram no intuito de me levar à ruína, meu senhor. Minha casca mortal não era suficientemente resistente ante a fúria com que ela foi testada. Eu peço perdão. Eu sou indigno de voltar a ser um Grigori. Ou de servi-lo novamente.
A expressão do Arcanjo de Luz não exprimia seus sentimentos, todavia, Akanael o sentia complacente com a sua resignação. A voz tranquila tornou a reverberar pelo espaço ilimitado, o alcançando em sua sabedoria.
— Meu corajoso guerreiro celestial, as suas asas já carregaram o peso das batalhas mais árduas, e seu espírito foi forjado na chama da devoção. Você pode ter enfrentado uma derrota temporária, mas nunca esqueça que até mesmo as estrelas mais brilhantes experimentam a escuridão.
Akanael sentia as fibras do saber em cada uma das palavras de Rafael. Soando-lhe quase como as notas de um piano a tocar a mais doce das composições.
— As missões que lhe confio não são apenas provações de sucesso ou fracasso, mas oportunidades para crescimento e aprendizado. Em cada desafio, você se torna mais forte, mais sábio e mais próximo de sua verdadeira essência. A derrota não define quem você é, Akanael, mas é a sua resposta a ela que moldará o seu destino. Cada batalha perdida traz consigo uma lição valiosa que irá iluminar seu caminho na próxima investida. O que aprendeu quando seu filho te apunhalou o coração?
Akanael sabia a resposta, mas não ousou interromper seu mestre. Continuou a ouvi-lo em sua imensa sabedoria.
— Uma nova oportunidade de confrontar o fruto da sua aventura na Terra lhe será concedida, meu guerreiro. Uma nova casca já lhe foi preparada. Mais forte, mais vigorosa. Você estará em pé de igualdade contra teu inimigo desta vez. Porém, é preciso que saiba de antemão que esta será a tua última chance. A benevolência com que lhe banho agora será o desapreço com que lhe punirei ao exílio em caso de uma nova derrota.
Fez-se silêncio. Rafael observava o anjo à sua frente com humildade em seu semblante, mas com a firmeza de voz capaz de desmoronar montanhas.
— Deixe que a luz da esperança e da determinação brilhe em seu coração uma vez mais, Akanael. Erga-se com humildade, aprenda com a experiência e trilhe o caminho com coragem e confiança. Eu confio em você, meu guerreiro celestial, e sei que você se levantará das cinzas e alcançará o sucesso que tanto busca.
Não houve ruídos de explosões, ecos longínquos da liberação de energia ou mesmo o brilho incandescente da radiação celeste. Como num piscar de olhos, a essência mística de Akanael estava de volta à Terra, e com um pedido simples de permissão que lhe foi concedido com um afônico "sim" emitido da garganta de um moribundo ferido de morte, o anjo e Grigori dos Santos Vigias retornou ao mundo físico.
Conforme se acostumava com seu novo corpo, observando-lhe as mãos firmes por entre os olhos castanhos, curvou os lábios em um sorriso breve.
Testou a resistência de suas pernas ao se erguer. Observou o seu entorno com atenção. Começou a curar os ferimentos da sua nova casca mortal.
À sua volta, jaziam inúmeros corpos mutilados a quem ele reconheceu logo como os da espécie vampira a que ele agora também pertencia. Em suas palavras de sabedoria, Rafael havia lhe dito que em sua ressurreição ele estaria em pé de igualdade com seu inimigo, e que sua nova casca humana lhe daria maiores possibilidades de enfrentamento a Thænael.
Por curiosidade, Akanael testou as presas que saltaram de seus caninos superiores, depois, sentiu a sede de sangue que o tomava. Andou pela câmara mortuária em que o salão do castelo em Pleven havia se transformado após a passagem de Alina Grigorescu por ali. Ganhou o corredor em frente, ignorando o corpo da jovem vampira com pele de ébano estirada próxima à porta.
Reconhecia o toque de sua antiga arma africana em sua nuca, e sorriu mais uma vez ao se lembrar de sua aliada romena. Fechou totalmente as marcas de dentes afiados em sua jugular, ajeitou o casaco escuro que usava sobre o corpo esguio, em seguida, desceu as escadas rumo ao térreo.
Queria abreviar o seu reencontro com Thænael e, desta vez, não pretendia sair com o amargor da derrota em sua boca.
Continua em "Alina e a Chave do Infinito"
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top