Capítulo 49 - A ascensão de Adela Quinn
EU AINDA ESTAVA DESORIENTADA quando abri os meus olhos e me vi presa a um aparelho que me tirava o sangue de um lado ao mesmo tempo que me alimentava de plasma sintético do outro. Ao analisá-lo de perto, o aparato tinha o formato de cruz e parecia funcionar como uma versão gigante da máquina de hemodiálise que Alexandra havia usado em Edmonton para me manter viva. Era difícil racionalizar o que quer que fosse em meu estado. Eu estava crucificada pelada, e os meus braços jaziam atados a cateteres que me sugavam sem parar. Arrancando as minhas forças.
Eu estou sendo drenada... De novo!
Alguns minutos de esforços inúteis para me libertar das algemas de aço que me mantinham fixada ao equipamento de absorção depois, ela adentrou o ambiente de ficção científica em que eu estava metida. Sorriu em minha direção saboreando o meu desespero. Se aproximou o bastante para que pudesse tocar o meu rosto.
— Cheguei a pensar que não fosse mais acordar, Alina. Já faz três dias que o inibidor neural que dei a você misturado ao vinho foi removido do seu organismo. Demorou mais do que o previsto para recobrar a consciência. Está se sentindo bem?
Eu queria cuspir em seu rosto, mas a minha boca estava mais seca que o deserto do Saara.
— Vai... pro inferno!
Adela emitiu um riso quase diabólico antes de me aplicar um tapa forte o bastante para que eu perdesse o senso de equilíbrio por alguns instantes.
Logo depois, ela andou até o centro da sala. Pegou um controle-remoto de cima de um balcão, acionou o botão e começou a deslizar vagarosamente o tampo de vidro que cobria uma área retangular construída no chão. A estrutura vítrea terminou de deslizar para o lado um minuto depois, revelando uma piscina de quase um metro e meio de profundidade quase totalmente cheia de sangue. O meu sangue.
— Valeu muito a pena ir para a cama com Dumitri em todas aquelas noites maçantes, no seu castelo em Varna. O velho valaquiano se tornava muito falante depois de gozar. Enquanto eu o acompanhava sob os lençóis, ele me revelou segredos inconfessáveis a respeito do legado da família Dubhghaill e as propriedades inigualáveis que o sangue de seus descendentes contêm.
Os meus ouvidos ainda zuniam por efeito do tapa, mas consegui ouvir com clareza o que a irlandesa dizia. À medida que ela observava a piscina vermelha borbulhante à sua frente, eu analisava o meu entorno. Precisava encontrar alguma brecha de segurança, ou algum modo de escapar da minha cruz.
— Eu demorei para ligar os pontos. A princípio, não sabia que você era filha da menina que Dumitri perseguia tão obsessivamente pelos corredores desse castelo, há mais de um século. Nem tampouco desconfiava que ambas eram descendentes da bruxa Alanna Dubhghaill. — Adela se voltou para mim por um segundo antes de continuar a falar. — As coisas só começaram a fazer sentido quando eu a vi pessoalmente pela primeira vez em Montbéliard. As suas feições eram praticamente idênticas às da pequena empregada que Lucien Archambault mantinha no castelo, Ruxandra. Era impossível que não fossem parentes próximas. Isso fez com que eu começasse a estudar a sua ascendência de maneira mais aprofundada.
Os meus braços estavam dormentes e eu sentia uma estranha vibração em minha arcada dentária conforme o equipamento a filtrar meu sangue me enfraquecia. Não era preciso um olhar mais atento para perceber que os cateteres ligados a mim passavam por uma tubulação que alimentava diretamente a piscina onde Adela agora fazia menção de mergulhar.
Eu devo estar aqui há pelo menos uma semana... eu não teria produzido sangue suficiente em meu organismo para encher uma piscina em dois ou três dias... Ou teria?
— Dumitri era obcecado por misticismo. Passávamos horas discorrendo sobre o assunto quando eu o visitava em seu castelo, ou quando viajávamos juntos longe dos olhos de Lucien e Mael. Diferente de meus dois associados, eu admirava a sua inteligência e, por um tempo, eu realmente considerei a ideia de me unir a ele para acabar com Archambault e tomar o seu trono — ela emitiu o seu riso diabólico a encarar mais uma vez o líquido vermelho abundante dentro da piscina. — Infelizmente, tive que me voltar contra Ardelean quando o idiota deixou que Ruxandra descobrisse a sua manipulação psíquica, antes que ela fosse tomada à força por ele. Eu não pude mais compactuar com seus planos e, para manter a nossa aliança em segredo, deixei que Mael iniciasse uma perseguição mortal a meu antigo amante, a fim de silenciá-lo. Pobre Dumitri!
Tentei forçar meus pulsos uma última vez na tentativa de liberar as algemas. Ouvi um rangido que me deu alguma esperança de escapar. Afinal, o metal não era totalmente inquebrável, e se eu tivesse 100% revigorada, conseguiria arrebentá-lo facilmente.
Para meu azar, aquele não era o caso.
— Durante as minhas pesquisas, eu descobri tudo a respeito das espécies vampiras. Estudei com atenção as anotações que encontrei no castelo de Dumitri em Varna. Traduzi os livros romenos e italianos que ele tão bem guardava em sua biblioteca, e encontrei aquilo que ele tentava esconder de mim e do concílio: O segredo da procriação entre vampiros.
Eu não sabia em que parte do castelo estávamos ou quantos metros teria que percorrer até que alcançasse a liberdade na rua em frente, mas de esguelha, podia ver as minhas roupas amarrotadas num canto do salão. Se Adela tivesse sido estúpida o bastante de manter a kpinga de Akanni dentro do bolso do meu casaco, eu só teria que arrebentar as algemas, correr até as roupas e arrancar a sua cabeça com a ponta da arma africana.
Fácil demais, pensei, quase rindo com meu surto fantasioso.
— Quando li a respeito da raça dos morois e a sua capacidade de procriação entre semelhantes, eu entendi de imediato porque Dumitri nunca tinha sequer me proposto casamento. Nós dois éramos solteiros, ricos, saudáveis... Não havia razão para que ele não me quisesse... Até que o vi se referir a mim e aos de minha espécie como "vira-latas" em suas anotações. Criaturas menos evoluídas na cadeia alimentar e, portanto, indignos de representar toda a comunidade vampírica.
Eu soltei um riso carregado de ironia que irritou a irlandesa.
— Eu li os diários de Dumitri. Era assim mesmo que ele se referia a você... como uma cadela vira-lata!
Adela moveu-se com uma velocidade espantosa. Agarrou o meu pescoço e começou a me estrangular com extrema facilidade. Em segundos, uma mancha negra começou a cobrir meus olhos e o ar faltou em meus pulmões. Ela então aliviou o agarrão antes que eu morresse.
— Não me obrigue a matá-la agora, Alina. Eu quero que você assista a minha ascensão antes disso!
Meus pulmões pareciam que iam explodir. Eu não precisava tanto de oxigênio como um humano normal, mas a ruiva quase tinha esgotado completamente o pouco que eu costumava usar.
— Os morois são hoje espécimes raros na natureza. Apesar de mais poderosos do que os vampiros transformados, eles estão quase extintos. Não representam mais perigo.
Adela caminhou vagarosamente em direção ao controle do equipamento que me prendia. Apertou um botão que interrompeu o fornecimento de sangue do lado direito do meu corpo e que também impediu que as intravenosas continuassem a me sugar pelo lado esquerdo. Aos poucos, a sensação de incômodo nos dentes amenizou, mas eu ainda estava fraca demais para me libertar sozinha.
— Dumitri está morto. Costel não passa de um hospedeiro moribundo de um nefilim... E, quando eu matar você, não vão restar mais morois no mundo. Tudo que vai sobrar é o seu sangue a correr poderoso pelas minhas veias.
A mulher desafrouxou os laços do roupão que cobria o seu corpo sinuoso antes de andar descalça em direção à borda da piscina. Me virou as costas e riu com um prazer descomunal exalando em seu tom de voz.
— Adela, não faça isso! Nó-Nós ainda podemos nos unir para deter Costel... Você não tem certeza se o meu sangue vai mesmo te fortalecer. E, mesmo que funcione, não há garantias de que você consiga detê-lo sozinha. Você precisa de mim!
A mulher ruiva apontou para um balcão à nossa direita, ao lado da caixa de controle da máquina que me prendia. Havia um livro de capa de couro com aspecto bastante surrado sobre o móvel. Tinha páginas amareladas, roídas, e parecia lhe faltar inúmeros capítulos, provavelmente, arrancados de seu miolo por alguém que queria esconder os seus segredos.
— Dumitri tentou esconder de mim o velho grimório de Alanna Dubhghaill em um piso falso, no interior da sua biblioteca em Varna. Eu encontrei o livro coberto de traças e teias de aranha. Estavam faltando algumas páginas, mas havia nele informações suficientes para completar o ritual que estou prestes a realizar aqui. "Purus sanguis excitat virtutem in immundo sanguine". "O sangue puro desperta o poder contido no de sangue impuro". A sua velha bisavó já sabia a respeito do potencial que borbulhava em suas veias. Ela escreveu um ritual detalhado em seu grimório para que seus descendentes usassem. Eu só estou tomando um atalho ao me utilizar do seu sangue por você, Alina. Fique tranquila.
A risada de Adela voltou a ecoar no recinto e, enquanto eu pensava que a tradução literária para aquelas palavras em latim não eram, de fato, o que a irlandesa pensava, eu a vi arrancar as suas vestes e mergulhar nua na piscina de sangue.
A mulher permaneceu submersa por vários minutos, o bastante para que eu forçasse as algemas mais uma vez e, enfim, as arrebentasse.
Caí no chão causando um estrondo. Percebi de imediato que as minhas pernas não estavam me obedecendo. Me arrastei em direção às minhas roupas e aproveitei para arrancar os cateteres presos em meus antebraços.
Anda, Alina! Se mexa! Se mexa!
Antes que eu dobrasse a esquina do salão para alcançar as minhas vestes, Adela emergiu da piscina com um grito aterrador. O sangue esguichou de dentro em várias direções, e eu me vi paralisada quando Arnaud e Maeve irromperam o cômodo, atraídos pelo berro insano da mãe. Atrás dos irmãos, havia pelo menos mais cinco soldados vampiros a serviço dos Quinn, o que me deu a certeza de que não seria nada fácil fugir, mesmo se recuperasse o movimento das pernas.
— Mãe! Fala comigo! O que está havendo?
Maeve circundou a piscina para alcançar a mulher coberta de sangue que nadava em direção à borda. Adela parecia desorientada e, por um momento, achei mesmo que o ritual havia funcionado.
A minha mente me levou imediatamente para Donetsk, em 1929, durante o ritual em que Adon Gorky havia feito algo parecido: mergulhado em uma piscina cheia do sangue de Costel com o intuito de se manter jovem e vigoroso indefinidamente.
Se Adon que era humano podia se beneficiar do sangue vampiro, que efeitos permanentes o meu sangue de descendência mística pode causar em outra vampira como Adela?
Antes que eu obtivesse a minha resposta, Adela se apoiou na borda da piscina e começou a abandoná-la. Maeve se juntou à Arnaud para ajudar a mãe a se levantar. Foi quando a ouvi balbuciar:
— Po-Posso sentir o poder místico dentro de mim... Sim! Eu posso sentir!
Três dos capangas vampiros se mantiveram de guarda à porta, conforme os outros dois avançavam sobre mim. Eu tinha acabado de alcançar as minhas roupas e consegui tocar o cabo da kpinga no bolso interno do meu casaco. Do outro lado, Adela se erguia triunfante.
— O seu sangue me fortaleceu, Alina Grigorescu. Eu sinto o poder correndo em minhas veias... eu sinto...
Naquele instante, a irlandesa ruiva começou a espasmar como se seu corpo estivesse implodindo, e os soldados que me agarravam pararam atônitos, olhando em direção à líder de seu clã coberta de plasma. Aproveitei a distração para empunhar o cabo da arma africana com firmeza e correr a sua lâmina pelo pescoço de um deles, o matando.
— Sale pute!
Enquanto o outro me ofendia verbalmente e me aplicava um soco no rosto, eu segurei as minhas roupas com força e me atirei propositalmente dentro da piscina de sangue para escapar dele.
— Mãe! O que está acontecendo? O que está...
Quando eu emergi de volta à superfície, presenciei o momento em que o corpo curvilíneo de Adela Quinn começou a se liquefazer diante do olhar aterrorizado de seus dois filhos. Um grito inumano escapou de sua garganta um segundo antes de ela se desfazer por completo em uma massa disforme e nojenta aos pés de Arnaud e Maeve. Era mais do que certo que ela havia interpretado mal as palavras grafadas no grimório de minha bisavó. Por um erro de cálculo, ao invés de fortalecê-la, o ritual a tinha matado.
Apesar da minha pouca experiência no assunto, era possível presumir que o sangue místico de meus ascendentes, os Dubhghaill, só era capaz de fortalecer descendentes da nossa própria linhagem — e também vampiros morois, como Costel e Dumitri —, mas não mestiços como ela.
A idiota devia ter estudado melhor o feitiço antes de executá-lo, pensei, de maneira sarcástica. No segundo seguinte, a folga tinha acabado, e estavam todos os presentes querendo a minha cabeça novamente.
— Matem essa desgraçada! Acabem com ela!
Com as minhas pernas recuperadas e suficientemente fortes para me ajudar a sair de dentro da piscina, eu rolei pelo piso circundante à medida que tentava vestir a minha calça ensopada de sangue. Fui jogada contra a parede antes que conseguisse tal proeza, e tive que enfrentar os quatro guardas ainda pelada, e completamente desarmada.
— Sale pute!
Levei golpes em todas as partes do corpo sem que conseguisse erguer a minha guarda, e caí no chão desnorteada. Àquela altura, eu já não sabia se o sangue que sentia na boca era da piscina ou se era fresco, mas continuei me mexendo na esperança de manter a minha cabeça sobre o pescoço.
Sem muitas chances de escapar, eu me vi obrigada a entrar em um conflito físico com os vampiros que me cercavam e me esbofeteavam ininterruptamente. Agarrei a perna do que tentava me nocautear com uma joelhada e usei da força que ainda me restava para torcer a sua rótula.
O grito de dor do homem enraiveceu ainda mais os outros, que me direcionaram um rompante de violência insano. Eu não conseguia me defender de seus golpes, então, decidi usar outra tática.
— Ela... Ela está me mordendo!
Avancei na jugular do segundo vampiro que me atingia o rosto com um soco-inglês e lhe arranquei um pedaço do pescoço à medida que sugava o seu sangue. Brevemente fortalecida pelo plasma que me descia garganta abaixo, consegui me esquivar a contento do terceiro sujeito, e também ataquei a sua carótida. O seu sangue esguichou saboroso em minha boca.
— Sale pute! Saloppo fole!
Antes que o quarto soldado me encurralasse contra a parede às minhas costas, eu me movimentei por baixo de seus braços e dei uma cambalhota a fim de alcançar o meu casaco jogado no chão. Mal empunhei a kpinga, matei aquele que estava com o joelho lesionado a agonizar, em seguida, arremessei a arma giratória em direção ao seu amigo, cravando uma das pontas em seu crânio, encerrando a contenda.
Depois de absorver um pouco do sangue de seus capangas, eu já me sentia razoavelmente revigorada quando me voltei para os irmãos Quinn, mas não o bastante para encarar os dois ao mesmo tempo. Eu os podia sentir vibrar de tanto ódio, com os restos mortais da mãe ainda derretidos a seus pés. Logo depois, a garota bradou:
— Você matou a nossa mãe, sua vagabunda! Vai pagar caro por isso!
Antes que eles corressem para me alcançar na outra extremidade da piscina, eu arremessei a kpinga em sua direção com a intenção de separá-los. Eu não tinha muito tempo para bolar uma estratégia de combate mais definitiva, por isso, tentei forçá-los a me encarar um a um.
Conforme eles se desviavam da arma africana, eu consegui vestir a minha calça e cobri o meu torso com o casaco molhado e sujo. Arnaud foi o primeiro a se aproximar, e o garoto estava extremamente irado comigo.
— Eu sei o que você fez ao Delacroix em Moscou. Vou te serrar ao meio igualzinho aconteceu com o meu amigo!
Arnaud era mais jovem e mais fraco que eu, porém, como Delacroix, possuía mais experiência em artes marciais. Era sobrenaturalmente veloz, e me atingiu com um golpe que eu nem sabia dizer se tinha sido com as mãos ou com os pés. Quando percebi, estava no chão à sua mercê. Prestes a ser estrangulada.
— Hora de morrer, sale pute!
As unhas de seus polegares perfuravam a pele do meu pescoço. À medida que eu me debatia debaixo dele para me soltar, Maeve se aproximou com a kpinga em mãos e não demorou a agir. Virou a ponta de prata em minha direção e a cravou em meu ombro, na conexão com a clavícula.
— Que tal sentir o gosto do próprio veneno, sale pute?
O meu grito de agonia antecipou a ação rápida que encontrei como única alternativa para escapar do jugo dos Quinn. Agarrei o colarinho do casaco do rapaz e cravei-lhe as presas em sua jugular, como tinha feito com os soldados mortos no chão, atrás de nós.
— NÃO! Solta ele! SOLTA ELE!
A fim de salvar o irmão, Maeve tornou a me atingir com a lâmina da kpinga em minhas costas, mas ao fazê-lo, ela abriu a sua guarda. Ainda com a boca cheia do sangue de Arnaud, apliquei um bofetão no rosto da garota e a arremessei para trás.
— Eu não matei Randolph Delacroix e não matei a sua mãe. Mas terei que matar vocês dois se essa for a única maneira de eu sair ilesa desse castelo.
Os meus sentidos ainda não estavam totalmente recuperados quando comecei a ouvir passos apressados vindos dos pisos inferiores, subindo rapidamente pelas escadas de pedra. Eu não sabia quantos soldados guarneciam as defesas do lugar do lado de fora, mas tinha ciência que ainda não estava em condições de enfrentá-los.
Arnaud grunhia enquanto seu corpo perdia as forças gradativamente. Ele segurava o ferimento do pescoço em uma tentativa vã de frear o sangramento, mas agora era uma questão de tempo até que estivesse morto.
Maeve já estava de pé, pronta para me desafiar. Olhou uma última vez em direção ao irmão, quase chorando de desespero em vê-lo agonizar.
— Eu vou acabar com você, Alina da Valáquia! Eu vou arrancar a sua cabeça e depois vou cuspir no seu cadáver!
Eu segurava o cabo da kpinga com firmeza. Já tinha calculado o ângulo exato em que deveria arremessar a arma para que ela matasse a menina, mas hesitei. Não queria mais machucá-la.
— Você ainda pode viver para me desafiar num outro dia, Maeve. A sua mãe está morta e nada mais pode ser feito pelo seu irmão. Fuja agora e eu prometo que te deixo sair ilesa daqui. Eu prometo. Por favor. Não me obrigue...
A garota de cabelo afro estava além de qualquer racionalidade. Com um berro animalesco e as presas saltadas na boca, ela se projetou sobre mim a uma distância que deixaria qualquer atleta olímpico com inveja. Me movi o suficiente apenas para que a arma giratória em meu poder rodopiasse por trás dela e se cravasse perfeitamente alinhada em sua nuca.
Com um som oco, o espeto de prata atravessou o osso occipital da última herdeira dos Quinn, e ela já caiu morta no chão, com as palavras de fúria engasgadas em sua garganta.
Garota idiota!
Do lado de fora da sala, o tropel causado pelos coturnos dos soldados vampiros ressoava ainda mais audível. Antes que eles arrombassem a porta, eu corri em direção ao grimório de minha bisavó e o guardei com cuidado no bolso do casaco onde antes mantinha a kpinga.
Esperei até o último segundo armada apenas com o apetrecho africano e, no momento em que me vi novamente cercada por quase uma dezena de inimigos, usei o restante da minha energia num ataque insano e feroz, do tipo que deixaria o mais violento dos vikings orgulhoso.
♦
Eu apaguei duas vezes antes que alcançasse a saída do castelo em Pleven e, atrás de mim, havia um rastro de sangue pegajoso. Era praticamente impossível me manter acordada dado o nível dos danos que eu havia sofrido na batalha contra os homens de Adela Quinn.
Um de meus pés tinha sido perfurado por uma adaga de prata e jazia em carne viva. Sem conseguir apoiá-lo no chão, eu o arrastava debilmente, o que causou feridas ainda mais graves em sua lateral. Feridas essas que não paravam de sangrar.
Eu tinha quebrado todos os ossos da minha mão esquerda ao aplicar socos em meus adversários e, para o meu azar, o meu organismo estava fragilizado demais para que conseguisse regenerar o que tinha sido fragmentado.
Meus músculos tremiam. Meus dentes pareciam de borracha. E eu tinha perfurações por quase toda a área de costas, baço, estômago e costelas. Quando cheguei à porta do castelo, eu não era nada mais do que um farrapo humano.
— Acorde, sua vadia burra! ACORDE!
Eu fui despertada por tapas desferidos pelas mãos grossas de Bethany Green. Estávamos no interior de uma caminhonete e era dia do lado de fora. A luz intensa que entrava pela janela queimava a minha pele, através de um trapo enrolado em torno da minha cabeça.
— Be-Bethany? O que houve? Como...?
Enquanto eu gemia de dor, a garota britânica me explicou que ela e seu bando tinham sido mantidos aprisionados em uma das alas do castelo em Pleven, e que nenhum deles sabia dizer o que havia acontecido comigo ao longo da semana em que servi de saco de sangue para Adela.
Após o meu embate com a família Quinn, eles ouviram gritos ecoando pelos corredores, e só então perceberam que os soldados vampiros que os aprisionavam não estavam mais montando guarda. Quando conseguiram se soltar, viram o rastro de destruição que eu havia deixado, bem como a pilha de corpos na sala onde eu seria sacrificada.
— Devo admitir que foi um trabalho e tanto! — comentou Bethany, quase com um sorriso a escapar no rosto sisudo. — Eu odiava aquela cadela irlandesa pela maneira arrogante com que sempre tratou a nós, os lobos. Adorei o que você fez a ela e aos seus filhos inúteis. Eu quase consigo gostar de você depois disso!
Jack estava na direção da picape enquanto os outros três ocupavam a carroceria do veículo. Apesar de fracos e famintos por conta dos dias de encarceramento, todos pareciam bem fisicamente.
Eu estava coberta por um casaco de pele fedendo a cachorro molhado, mas era graças a ele que eu ainda não tinha sido reduzida a pó pelo sol que atravessava o para-brisa do lado do motorista. Para me proteger, Bethany havia improvisado um tampo de madeira no vidro em frente ao carona, onde eu e ela estávamos sentadas lado a lado. Quando percebi que a garota Green havia dado um tempo em nossa rivalidade anterior para salvar a minha vida, a agradeci. Ela então assentiu, meio sem jeito.
— O-Onde nós estamos?
— Perto de Popovo, a caminho de Varna — respondeu Jack, sem tirar as mãos do volante. — Estamos voltando para o nosso ponto de partida na Bulgária. É bom que o seu piloto ainda esteja nos esperando em Ruse para nos levar de volta à Inglaterra!
Eu não tinha condições de afirmar nada em meu estado deplorável. Eu só conseguia gemer e sentir muita dor. Em seguida, Jack comentou:
— Enquanto nos mantinha aprisionados no castelo, um dos guardas de Quinn comentou que havia um dedo-duro no Condado Grealish, e que era por isso que Adela sabia da nossa chegada à Bulgária. Se isso for mesmo verdade, é possível que os demais grupos também tenham sido emboscados. Precisamos entrar em contato imediatamente com Mason na Sibéria.
Eu só conseguia pensar em Alex e em Sergio, e no perigo que ambos poderiam estar correndo nas ruas de Bucareste. Antes que Jack se afastasse demais do retorno, eu mandei que ele guinasse a picape em direção à Romênia, para que fossemos nos juntar ao grupo liderado por Reece.
— Estamos desgastados demais para ajudá-los. É mais sensato nos reagruparmos antes em West Ham...
Não permiti que Bethany concluísse a sua frase:
— Nós vamos até Bucareste. Se Alex está correndo perigo, eu tenho que estar lá para ajudá-la. E isso não está em discussão!
No momento seguinte, o casal de lobisomens decidiu acatar as minhas ordens, e o filho de Owen Lampard começou a rumar o seu veículo para Bucareste, a quase cento e quarenta quilômetros de distância de onde estávamos.
Mais de uma semana havia se passado, e eu temia que Adela Quinn ou um de seus associados tivessem emboscado o grupo de Reece Grealish vitimando, com isso, Alexandra e Sergio nos túneis subterrâneos de Bucareste. À medida que eu procurava recompor as minhas forças, mesmo recebendo a radiação do sol quase que diretamente no rosto, os meus pensamentos iam longe. Ignorando a distância que nos separava, eu procurei restabelecer o meu contato psíquico com minha filha. Eu precisava saber se ela estava bem.
Responda Alex. Onde quer que você esteja, responda!
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