Capítulo 45 - Tertúlia da Lua
NO ÚLTIMO MÊS daquele ano, eu contratei um mensageiro inglês para que fosse entregue uma carta assinada por mim no Condado Grealish. Após alguns dias, recebi a resposta do próprio Mason, me convidando para retornar à floresta em West Ham, onde ele vivia com a sua comunidade de lobisomens.
Embora eu não tivesse escrito muitos detalhes para o caso de a mensagem ser interceptada no caminho, eu quis enfatizar o fato de que estávamos todos em risco iminente com a ascensão de Thænael ao poder, e que, se não nos uníssemos para fazer algo a respeito, muito em breve, o mundo todo estaria mergulhado em sangue inocente.
Alex e eu chegamos aos portões do condado por volta das oito da noite. Fomos levadas por soldados de Mason até uma das maiores tendas do vilarejo, na parte sul da floresta, porém, antes que pisássemos em seu interior, demos de cara com Sergio Gutierrez à porta, que nos recepcionou de maneira carinhosa.
O garoto-lobo estava com um aspecto bastante saudável e havia deixado crescer os cabelos lisos além da linha do pescoço. Usava roupas de pele animal, cordões no pescoço e pulseiras diversas feitas de pelo de alce. Falou-nos brevemente que seu relacionamento com o herdeiro mais jovem de Mason, Scott, estava agora ainda mais solidificado, e que os dois já até dividiam uma tenda no condado, como um casal recém-casado.
— Fico muito feliz em saber que você encontrou mesmo o seu bando, Sergio — falei, pouco antes de lhe dar um abraço afetuoso. — Você é um bom rapaz. Merecia há muito tempo alguém tão generoso quanto Scott ao seu lado.
Após as amenidades do nosso diálogo curto, ele mesmo nos conduziu até a presença dos demais membros do que era chamado por ali de "Tertúlia da Lua" e, uma vez em torno da mesa de madeira circular, cumprimentamos Mason, Gretta e Rupert Green.
Já acomodados em seus assentos, estavam presentes também Owen Lampard, uma moça de aparência sisuda com seus cabelos longos castanhos e Reece, que havia conseguido uma folga do seu trabalho na mansão de Montbéliard para visitar a família.
Ao vê-lo sentado com os braços fortes expostos por um colete de pele e o seu rosto quadrado, Alex ficou exaltada no assento à minha esquerda. Sorriu em sua direção sem conseguir disfarçar o fascínio que sentia por ele, e nem percebeu que estava sendo vigiada de perto. A moça ao lado dele media minha filha com ar curioso na cara, e foi Mason quem nos fez as apresentações:
— Alina e Alex. Vocês ainda não conhecem a minha filha Brittany. É ela quem cuida de tudo no condado em Dublin, ao lado dos seus irmãos Olympia e Wolf.
Estendi a mão para cumprimentar Brittany, e o seu aperto era firme. Assim como o irmão mais velho, a moça possuía braços tonificados, um rosto quadrado e traços rígidos. Era uma mistura perfeita de Mason e Gretta; mantinha os lábios grossos e o nariz adunco do pai, mas seus olhos claros eram idênticos aos da mãe.
— Ouvi falar muito de você em Dublin, senhorita Di Grassi. É um prazer finalmente conhecê-la.
Retribuí o comentário lisonjeiro e, em seguida, ela cumprimentou Alexandra, embora não com o mesmo entusiasmo. O Desafio de Fogo em que minha filha havia enfrentado e derrotado Bethany Green ainda soava incômodo em meio à comunidade de lobos, mesmo tendo passado tantos anos. Ao que constava, pela expressão desdenhosa de Brittany ao apertar sua mão, não eram só os McCready e os Green que tinham motivos de sobra para odiar a menina.
Brittany continuou encarando Alex quase o tempo todo da reunião, incomodada, o que me obrigou a abreviá-la o máximo que consegui.
— A sua carta convocando uma reunião emergencial com os líderes da Tertúlia da Lua nos chamou bastante a atenção, senhorita Di Grassi — começou Mason. — O que a leva a crer que nós, os lobisomens, também corremos riscos em meio a essa batalha entre o seu irmão e o Concílio de Sangue?
A próxima hora foi inteira dedicada a relatar tudo que Alex e eu havíamos vivido desde que um ser das hostes celestes pousou em nosso quintal na Transilvânia, há quase seis anos. Com paciência, contei a eles o que sabia sobre Akanni e da sua revelação de que uma criatura demoníaca tinha se apossado do corpo de Costel na década de 1920, e que, desde então, vinha usando de seu enorme poder vampiro para trazer seus parceiros demônios para a Terra.
A quem estava de fora, toda aquela história soava quase como uma fábula, ou um conto infantil sobre seres fantásticos, mas tínhamos provas mais do que concretas para mostrar à Tertúlia da Lua que não estávamos delirando, e que a ameaça de Thænael não só era real como também urgente.
— Thænael teve tempo de sobra para arquitetar seu plano maligno. Tenho motivos para acreditar que, muito em breve, ele dará seu golpe fatal contra o Concílio de Sangue e, infelizmente, isso afetará a todos nós também.
Como uma maneira de fazer com que Mason Grealish e a sua família acreditassem em nós, me vali de transcrições feitas pelo próprio Dumitri Ardelean em alguns de seus diversos diários a respeito dos pontos de energia selados por minha bisavó, e também lhes mostrei a Presa-de-Leão e a kpinga de Akanni, como prova da existência de um anjo no mundo dos mortais.
Brittany tocou as duas lâminas antes de farejá-las, mas deu maior atenção à espada africana. Constatou que havia impregnado em sua superfície um sem-número de odores, mas que o sangue do anjo ainda era nítido no gume de prata. Afastou logo o metal do nariz por conta do seu efeito nocivo, e me devolveu a arma, afirmando com certeza:
— Nunca topei com um anjo antes, mas sei que parte do sangue impregnado nessa lâmina não pertence a nenhum habitante desse mundo... pelo menos, não mais do que os lobisomens que foram mortos por ela!
Criou-se um clima de tensão em torno da mesa depois da acusação de Brittany. Reece saiu em nossa defesa:
— Os soldados a quem eu liderava não lhes deram escolha, minha irmã. Se Alina e Alex fossem detidas ainda à porta da casa de eventos em Bruxelas, o plano de se aproximar de Lucien Archambault fracassaria. Elas precisaram agir de maneira direta, por isso os lobisomens foram abatidos.
— Está justificando a morte de nossos irmãos pelas mãos de uma vampira... E de uma... coisa que nem mesmo sabemos definir direito? — Rupert Green apontava de maneira depreciativa para Alex, que se reclinou na cadeira e fechou o cenho em sua direção. Tratar Alex como "uma coisa" era bastante ofensivo, mesmo vindo do homem que servia como o braço-direito do alfa dos licantropos.
— Nós dois sabemos muito bem que o bando que protegia Archambault não seguia mais qualquer uma das diretrizes da nossa comunidade há muito tempo, padrinho — respondeu Reece em direção a Rupert. — Se esqueceu que foram eles que me capturaram em Lyon e me levaram de volta ao seu chefe para que ele me fizesse isso?
Reece ergueu o tapa-olho, exibindo ao padrinho Rupert o globo ocular dilacerado em uma medonha queimadura feita com prata.
— Eram eles ou nós — respondi em minha defesa. — Eu não pretendia ferir lobisomens em nossa tentativa de aproximação de Archambault. Para ser honesta, eu nem sequer sabia que os encontraria a montar guarda em Bruxelas... Mas faria tudo de novo se isso significasse sucesso em impedir o avanço maligno do nefilim que habita o corpo de meu meio-irmão.
Green, Lampard e Brittany me lançaram seus olhares mais frios. Continuei:
— Infelizmente, assim como parte de vocês, Archambault não levou a sério o meu alerta sobre a abertura dos portões do inferno. O presunçoso não quis formar uma aliança momentânea para impedirmos juntos as maquinações de Thænael. Ele nem sequer considerou a informação de que está correndo risco de morte!
Mason pareceu incomodado antes de se mexer em seu assento e posicionar uma das mãos grandes espalmadas sobre o tampo de madeira rústica.
— E o que exatamente sugere que façamos, senhorita Di Grassi? Pelo que nos relatou, após a morte de seu aliado anjo, todas as pistas do paradeiro desse tal Thænael esfriaram. Como quer que a Tertúlia da Lua auxilie em sua busca?
— É simples — toquei sobre a mesa a capa de um dos volumes dos diários de Dumitri que havia usado para convencê-los. — Décadas antes da sua morte, meu odioso mentor formou um exército de vampiros para rivalizar com o Concílio de Sangue. Ardelean teve três filhos legítimos com uma vampira da mesma espécie que ele. Ela fazia parte de uma comunidade subterrânea de sanguessugas sob as ruas de Bucareste, e foi com essa mulher que ele iniciou seu plano de bater de frente com Archambault. Pelo que li, seus descendentes continuaram o seu legado pela Europa, e eu tenho certeza que eles estão por aí até hoje.
Mason coçou a barba rala no rosto circunspecto antes que eu continuasse.
— Thænael não está agindo sozinho. Além da vampira que Alex matou em Hîncesti, havia outros como ela servindo aos propósitos escusos do nefilim. Akanni também enfrentou alguns deles em Moscou, quando fui atraída para uma armadilha, o que me leva a crer que, talvez, os herdeiros de Ardelean tenham se unido a Thænael em sua luta para derrotar o Concílio de Sangue.
— Está nos propondo que ajamos de acordo com uma suposição? — questionou Owen Lampard, com seu semblante entre o desdenhoso e o incrédulo.
— Pensem bem. Além de mim, quantos vampiros andam por aí sem servir, de fato, a qualquer um dos membros do Triunvirato de Archambault, D'Aramitz e Quinn? — A pergunta era retórica, mas todos em torno da mesa ficaram pensativos a respeito dela. — Thænael teve acesso aos diários de Dumitri tanto quanto eu. Ele sabe a respeito do clã Ardelean e, provavelmente, até tenha a sua localização exata. Isso nos dá ao menos algo com que possamos trabalhar no intuito de impedir as ações do nefilim, não acham?
Gretta verbalizou algo que a estava incomodando em nossa conversa:
— Acha mesmo que os descendentes de Dumitri se uniriam ao homem que decapitou o seu líder num passado não muito distante?
— Para ser bem sincera, eu acho — respondi à mulher. — O Concílio de Sangue exerceu uma perseguição implacável ao povo de Ardelean ao longo de vários anos. Archambault caçou e matou centenas de membros do clã de Dumitri. Ele transformou o que era um simples entrevero de facções numa guerra declarada entre famílias. Se os filhos e netos de Ardelean querem mesmo se ver livres da influência nefasta do concílio para sempre, tenho certeza que eles se aliariam até com o diabo por essa causa.
— Além do quê, é possível que os herdeiros de Dumitri nem sequer saibam que foi o Thænael quem matou o seu pai!
A observação de Alex era pertinente.
— Então, o seu plano é nos dividir em grupos para que saiamos por aí à caça desses herdeiros de Dumitri Ardelean, é isso? — fiz que sim à pergunta de Mason. — E onde quer que nós iniciemos essas buscas?
Tornei a tocar a capa de um dos diários sobre a mesa antes da resposta:
— Em vida, Dumitri era um homem de muitas posses, mas as mais importantes delas, ele fez questão de descrever em seus relatos. Eu tenho certeza que muitas das suas propriedades hoje estão em nome de seus herdeiros. Se agirmos de maneira discreta, podemos cobrir todos esses lugares sem causar alarde, ou chamar a atenção das pessoas de quem estamos tentando nos aproximar. Se agirmos direito, podemos impedir que o clã Ardelean ajude Thænael a organizar um levante contra o concílio, adiando assim o seu plano de conquistar um exército maior e mais coeso.
Mason trocou olhares com a esposa Gretta. Lampard, Green e os irmãos Grealish ainda pareciam céticos quanto ao plano de se aproximar de um bando de vampiros do qual sabíamos tão pouco. Foi de Brittany a pergunta mais temerosa:
— Nada garante que vamos ter êxito nessa empreitada, mas caso tenhamos, o que vai impedir que Lucien Archambault descubra o que estamos fazendo e pense que o meu pai está quebrando o pacto entre lobisomens e vampiros de alguma maneira?
A resposta partiu do próprio Mason:
— Não vamos agir com o intuito de quebrar o pacto, Brittany e, além do mais, eu não tenho que dar satisfações a Archambault sobre cada um dos meus passos, ou das pessoas sob a minha proteção — o tom do homem troncudo do outro lado da mesa era firme. Seus comandados continuaram prestando a atenção em suas palavras. — Se Thænael tem mesmo planos de usar os herdeiros de Ardelean como massa de manobra para atacar o concílio, e se isso vai mesmo desencadear uma invasão de demônios à nossa realidade, a Tertúlia da Lua precisa fazer algo a respeito. Eu estou mais do que convencido de que ficar parado à espera de que o mundo acabe é a pior das soluções. Nós vamos ajudá-la em sua caçada ao clã Ardelean, Alina Di Grassi. Os lobisomens não vão se acovardar, tenha certeza disso.
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