Capítulo 44 - A dinastia Ardelean

OS DIÁRIOS DE DUMITRI

1  de abril, 1856.

Tenho constatado que à medida que a confiança de Claudius em meus desígnios de fortalecer a nossa comunidade se solidifica, mais evidente se torna o interesse de Magda em compartilhar minha presença.

Ontem, a destemida farejadora revelou-se curiosa em visitar o meu castelo em Bucareste e, ao meu lado, empreendeu uma jornada no meu coche até esse agitado destino. Num primeiro momento, estranhou a exposição à superfície, livre de qualquer necessidade de se esconder ou esquivar-se dos mortais que perambulavam incessantemente pelas ruas, e se intimidou, até que chegássemos à porta da minha morada.

Tão logo adentrou o átrio, se viu deslumbrada pela suntuosidade da construção em pedra que se mantinha em pé há mais de um século naquele mesmo endereço. Animou-se a percorrer comigo os inúmeros cômodos que a propriedade possuía, e se viu interessada pela vasta coleção de livros, compêndios e enciclopédias que eu havia mandado trazer de Varna; a mesma coleção que, num passado agora remoto, havia pertencido a meu antigo sogro, o marquês Di Montanaro.

Magda não era letrada como Adela ou Zenith, mas possuía uma sede insaciável por saber. Com o pouco conhecimento que tinha, quis tomar emprestadas algumas das edições moldavas que descreviam as epopeias gregas de Ulisses em "A Odisseia" para ler no casarão em Băneasa, e interessou-se também pelos contos de Shakespeare, traduzidos e adaptados para o nosso idioma.

No tempo em que passamos juntos no interior de meu castelo, confessou-me que havia desfeito por completo a primeira impressão que tivera de mim, quando me farejou ainda na entrada de seu esconderijo subterrâneo, após perseguir o menino Timothy. Disse-me que chegou a me considerar malévolo e matreiro por bons meses, mas que agora era capaz de sentir a bondade que habitava em mim, bem como o meu desejo em ajudar a comunidade de Claudius a prosperar, em detrimento à ameaça do Concílio de Sangue.

Sem que a precisasse induzir com minha compulsão, Magda permitiu-me um beijo e, em seguida, aconchegou-se em meu peito, na ocasião em que confessava que estava agradecida por tudo que eu havia feito à sua família, desde que havia me convencido de que precisávamos da ajuda mútua um do outro.

Embora minha bela e doce Magda não soubesse, não havia nada de benevolente em minhas ações. Eu pretendia usar Claudius e seus agregados em meus planos de retaliação ao Concílio de Sangue, e quanto maior fosse o exército que formaríamos juntos, mais perto da minha vingança contra Lucien, Mael e Adela eu estaria.

19  de agosto, 1856.

Hoje chegou-me uma missiva por parte de Nico Casavette, o chefe da equipe de advogados do escritório em Gênova.

Como é de sua função, o experiente gestor de meus negócios na Itália colocou homens de sua total confiança no encalço de Alina e Costel Grigorescu, após a sua ardilosa escapada de Bucareste, e a sua busca logrou em descobrir o atual endereço dos dois irmãos.

Após tentar-me envenenar com o sangue de um homem morto misturado a meu Bordeaux favorito, a herdeira de Alanna Dubhghaill fugiu com o irmão degenerado para a Rússia, onde têm vivido juntos na tentativa de se tornar dois membros da burguesia moscovita.

Segundo os informes de meus empregados, a dupla se instalou em um chalé nas redondezas de Kainsk, cidadezinha localizada a trezentos quilômetros a Oeste de Novosibirski e, provavelmente, ambos acreditam que estão livres da minha influência.

Embora não deseje desposá-la tão ardentemente como outrora, a jovem bisneta de minha amada Alanna ainda me causa um fascínio estrondoso devido à sua herança genética. E pretendo continuar a mantê-la sob minha vigilância, mesmo que de longe e sem que ela sequer desconfie que ainda me pertence.

23  de setembro, 1856.

Hoje os farejadores de Claudius descobriram uma segunda comunidade desgarrada de vampiros próximo a Cluj.

Sem uma liderança firme ou mesmo um conselho de anciãos que lhes dissesse o que fazer, o grupo se tornou arredio à medida que Claudius os tentou convencer de que unir-se a nós era a melhor medida que podiam tomar.

Formada, sobretudo, por "mestiços" transformados por outrem, e sem qualquer informação a respeito da origem de seus mentores, os jovens sanguessugas aceitaram fazer uma visita às instalações subterrâneas em Bucareste na próxima semana, a título de curiosidade.

Graças ao investimento maciço que eu tenho feito junto aos túneis do subsolo da cidade nos últimos meses, as passagens e galerias agora comportam um número grande de vampiros, e não só permite acesso a diversos outros pontos do mapa, como também garante fuga e resistência em situações extremas de avanço inimigo.

Caso aceitem o acolhimento oferecido por nós, esses novos desgarrados somarão um ótimo contingente de vinte cabeças ao nosso exército, e servirão, em última instância, como bucha de canhão em situação de um embate direto contra as forças de Mael D'Aramitz.

30  de outubro, 1856.

Hoje, uma de nossas equipes mais eficientes de farejadores foi emboscada por um grupo de vampiros que agia sob o comando de Mael D'Aramitz, em Timisoara. Os relatos sobre esse confronto eram contraditórios, devido ao estado de choque em que os sobreviventes se encontraram. No entanto, as informações indicam que uma patrulha de dez homens se partiu com os nossos farejadores por acaso e, por não os reconhecer como pertencentes a nenhum dos clãs tradicionais do Triunvirato de Archambault, eles iniciaram um ataque imediato.

Infelizmente, apenas três dos onze passageiros conseguiram escapar com vida desse embate. Usando as passagens subterrâneas, conseguiram fugir e confundir os aliados de D'Aramitz o suficiente para retornarem a pé até um posto avançado sob o comando de Claudius, em Bucareste. Embora exaustos, chegaram com uma sede intensificada por vingança diante do que ocorreu com seus companheiros.

Nesse momento, é imperativo que eu canalize toda essa ira em prol das minhas maquinações, por isso, não foi difícil convencer Claudius de que precisávamos aumentar o número de nossos soldados, independentemente do custo que isso acarretaria.

20  de maio, 1857.

Deixei Claudius encarregado da comunidade em Bucareste conforme embarco em um elegante navio a vapor com destino a Gênova, na Itália. Após meu enlace com a doce e arguciosa Magda, a tenho colocado a par de todos os meus negócios pelo mundo, e pretendo passar para o seu nome alguns de meus bens, a título de deixá-la bem guarnecida em caso de uma fatalidade.

Embora não almeje ter minha existência eterna encurtada, agora que encontrei na jovem Magda a oportunidade de gerar meus tão almejados descendentes de sangue puro, é inegável que a sombra do Concílio de Sangue continue a nos perseguir onde quer que vamos. Portanto, é sempre prudente tomar precauções em vez de remediar situações futuras.

A meu pedido, as nossas acomodações conjugais no navio foram preparadas para isolar-nos dos nefastos raios solares e, como pouco se tem a fazer durante a viagem longa até o Porto de Gênova, desde o primeiro dia em que saímos de Bucareste, temos chegado quase à exaustão em nossa satisfatória prática do acasalamento no interior da cabine.

Dada a intensidade de nossa relação e frequência exorbitante com que nos entregamos ao prazer, sinto-me compelido a comparar o apetite sexual de minha esposa com o de minhas amantes anteriores, sejam elas ocasionais ou casuais. Apesar da escassa experiência que possuía antes de se deitar pela primeira vez comigo, é demonstrado que Magda em nada deixa a desejar quando se trata da voracidade de Valentina, da agressividade de Adela ou da flexibilidade de Zenith. Para alguém que me conheceu semidespida de experiências amorosas, Magda tem se revelado extraordinária nas artes luxuriantes da união carnal.

No ritmo atual de nosso amor apaixonado, é possível que em breve eu consiga gerar nosso primogênito, desafiando a descrença de meu sogro e de minha sogra, que duvidam que tal milagre seja possível entre dois vampiros. Ignorantes que são, eles desconhecem a conexão profunda existente entre dois morois criados como vampiros. Em breve, terão as respostas que tanto anseiam.

5  de fevereiro, 1858.

Após um período de gestação que desafiou os limites da naturalidade, mas revelou-se saudável em todos os aspectos, hoje presenciamos o nascimento tão aguardado de meu primogênito: Filimon Ardelean, aquele que está destinado a ser o pioneiro de uma linhagem vampírica.

Antes de trazer à luz, Magda solicitou a presença de sua mãe em nosso leito, e esta agiu com maestria como parteira, auxiliando no trazer ao mundo de meu filho com habilidade incrível.

Tanto Claudius como eu, jamais presenciamos de tão perto um vampiro recém-nascido, e assim, com atenção meticulosa, examinamos a boquinha da criança em busca dos primeiros reflexos das temidas presas. Até o momento, Filimon assemelha-se em tudo a um humano comum, porém, devido à sua herança sanguínea, é provável que nos próximos meses sua verdadeira natureza se manifeste de forma inconfundível.

Para precaver qualquer eventualidade, optamos por alimentá-lo não com leite, mas sim com sangue, e a própria Magda demonstrou um cuidado maternal exemplar ao assumir a responsabilidade pela alimentação do rebento. Pouco tempo após o parto, quando as dores já haviam se dissipado, minha esposa apresentou-se praticamente recuperada, exibindo uma aparência saudável que a acompanhou ao longo dos últimos nove meses.

Desde que descobriu sua gravidez, Magda cessou a prática de raspar os cabelos, um costume mantido desde a infância, com o intuito de se integrar à tribo de Claudius que a acolheu. Agora, seus cabelos negros, de um tom tão profundo como o ônix, fluem generosamente sobre seus ombros. Sua beleza superava todas as expectativas, e suas primeiras palavras ao acolher nosso filho em seus braços refletiam o orgulho que nutria pelo que havíamos alcançado juntos.

Se o destino assim o desejar, em um futuro próximo, nossa comunidade será abençoada com a presença de nossos herdeiros, e a dinastia dos Ardelean jamais cessará de florescer.

1  de novembro, 1864

Hoje, meu cocheiro e fiel assistente, Reginald, fez-me uma visita em meu majestoso casarão em Băneasa, trazendo consigo um misterioso pacote destinado a mim em meu castelo, localizado em Bucareste. A caixa, de peso aproximado de seis quilos, encontrava-se hermeticamente lacrada, ocultando seu conteúdo, mesmo a nós, pelo sentido do olfato.

Com o auxílio de uma adaga que repousava sob meu manto, tive o cuidado de abrir o invólucro, revelando, para nossa surpresa, a cabeça decepada de um dos leais farejadores a serviço de Cláudio, o homem conhecido como Ângelus. Magda, meu primogênito Filimon, meu caçula Emil e eu fomos tomados pelo assombro perante tão tétrica encomenda.

Imediatamente, convoquei o conselho deliberativo de nossa comunidade, ciente de que tal macabra oferenda era uma estratégia comum empregada pelos seguidores de Mael D'Aramitz, na tentativa de nos intimidar. Recordo-me que esse método já havia sido utilizado no passado, quando, em 1830, após localizar e torturar minha bela amante, Zenith, os emissários de D'Aramitz me enviaram a cabeça dela ainda ensanguentada, almejando obter informações sobre meu paradeiro.

Consciente de que D'Aramitz havia descoberto meu endereço em Bucareste, era de extrema urgência que tomássemos medidas imediatas. Nossa comunidade abrigava mais de cento e oitenta indivíduos, divididos entre o casarão em Băneasa, os labirínticos túneis de Bucareste, as vias subterrâneas de Cluj e o posto avançado em Timisoara. Contávamos com experiência em combate, caso fossemos confrontados em nosso território, e tínhamos meios capazes para lançar um contra-ataque, caso fôssemos provocados. Nossos habilidosos farejadores atenderam incessantemente, elaborando uma variedade de planos de contingência para que pudéssemos resistir aos ataques de exércitos muito mais numerosos que o nosso. No entanto, Claudius e seus dois filhos varões mantiveram-se cautelosos em relação à ameaça simbolizada por D'Aramitz.

Diante da localização do meu castelo e do trágico falecimento de Ângelus, um dos nossos mais valiosos agentes de campo, a reflexão coletiva partiu na decisão de substituir o confronto direto pela busca incessante de nos afastarmos das garras do nefasto Concílio de Sangue. Tanto a minha respeitável sogra quanto minha digníssima esposa manifestaram seu apoio a essa estratégia.

Os desafortunados derrotados durante a votação persistiriam em preferir a batalha franca contra as forças de D'Aramitz. No entanto, os novos planos que nos cabia traçar exigiam que abandonássemos a nossa fortaleza meticulosamente organizada na região dos Cárpatos, em busca de uma fuga incerta, onde a nossa sobrevivência seria posta à prova.

16  de novembro de 1865

Recentemente, atingimos à marca de duzentos indivíduos em nossa comunidade na Sibéria. Embora a região gelada e inóspita nos proporcione pouca diversidade de alimento, todo o gelo e a neve que cobre o local a maior parte das estações têm nos garantido a segurança que tanto almejávamos.

Há mais de um ano que não somos importunados por notícias acerca de Lucien Archambault e seus comandados, o que tem permitido que eu crie e eduque os meus três filhos como eles merecem.

Embora ainda seja um bebê, Crisan, meu caçula, já tem demonstrado os mesmos instintos vampíricos que os dois irmãos mais velhos. Semana passada, deixou-se cegar pela fúria assassina que borbulha em seu sangue e agarrou-se a Emil por conta de um brinquedo que ele queria muito e que o irmão, maldosamente o estava mantendo longe do alcance.

Magda o acalmou dizendo que nós éramos uma família, e que o pequeno devia guardar a sua impetuosidade para os inimigos que nos espreitavam e que nos queriam fazer mal o tempo todo.

Crisan era novo demais para entender o que aquilo significava, mas já tinha mostrado desde cedo que herdara o meu lado selvagem, e que, ao crescer, não se pouparia de saciar a sua sede por violência sempre que lhe desse vontade.


Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top