Capítulo 40 - Criaturas subterrâneas
OS DIÁRIOS DE DUMITRI
11 de janeiro, 1855.
Hoje, em uma das minhas habituais caminhadas noturnas, deparei-me com um jovem extraordinariamente peculiar, cujo comportamento suscitava suspeitas. Encontrávamo-nos a alguns quilômetros de Bucareste, onde o frio da cidade se fazia presente. Meu mais recente cocheiro aguardava-me na quadra seguinte, pronto para me conduzir de volta ao castelo. No entanto, movido por alguma razão desconhecida, senti-me compelido a seguir aquele jovem de aparência frágil e cabeça descoberta até a travessa pela qual ele se apressou em adentrar.
Aquela região carecia dos avanços modernos desfrutados pelas partes mais densamente povoadas da metrópole, o que resultava em um acúmulo considerável de resíduos e detritos no beco por onde adentrei, muitos deles abandonados pelos menos afortunados residentes. Inquietei-me ao perceber que havia sido, de alguma maneira, despistado pelo rapaz desprovido de cabelos. Revirei cada canto na tentativa de descobrir como ele desaparecera tão rapidamente de minha vista e, apenas quando desconsiderei a visão e concentrei-me aguçadamente em meu olfato, reencontrei seu rastro. Foi através do aroma que emanava dele, assim como das joias que habilmente ocultava sob o interior de seu casaco, que o localizei próximo a uma entrada de saneamento subterrâneo, situada na parte mais distante do beco. Em seguida, prossegui em sua trilha.
Era espantoso descobrir, de repente, a existência de uma intricada rede de vias interconectadas sob as ruas e passagens de Bucareste. Nos primeiros metros, era como se estivesse explorando um mundo desconhecido pela primeira vez. Era todo um universo complexo de caminhos elaborados que me fazia vislumbrar uma possibilidade até então inimaginável: a oportunidade de obter aliados.
Ao alcançar um corredor suficientemente amplo e alto para permitir minha passagem sem que precisasse me curvar, fui bloqueado por três homens armados com instrumentos afiados, assemelhando-se a facões. Assim como o garoto que me conduzira até ali, eles também possuíam tez acinzentada e eram desprovidos de cabelos. Trataram-me com extrema aspereza enquanto revistavam-me e, em seguida, arrastaram-me para outra galeria de seu esconderijo.
Em pouco tempo, fui conduzido à presença de um homem chamado Claudius, a quem eles se referiam como seu líder. Mais uma vez, minhas vestes foram minuciosamente inspecionadas em busca de objetos de valor ou armas, permitindo-me, durante essa revista, observar o ambiente ao meu redor com maior precisão.
Ali, estendia-se um espaço vasto, de dimensões consideráveis, com inúmeras passagens escavadas em pedra, onde uma comunidade de pelo menos trinta indivíduos habitava oculta e totalmente indetectável. A área subterrânea era escura e malcheirosa, desprovida de qualquer tipo de luxo, conforto ou mesmo iluminação, aparentando existir há mais de meio século, fato que se confirmou durante minha conversa com o líder do grupo.
Claudius apossou-se de meu relógio de bolso banhado a ouro, que herdei do marquês Di Montanaro, assim como de minha cartola, meu casaco de veludo e os botões de punho de meu paletó. Demonstrando um gesto de simpatia, permiti que ele se apropriasse de meus pertences sem oferecer resistência, intrigado pela existência de seu grupo e ansioso por obter mais informações a respeito. Em troca de sua cooperação, prometi-lhes mais joias e acessórios.
Foi então que Claudius revelou-me que, assim como eu, eles também eram vampiros, criaturas noturnas que haviam se estabelecido sob a superfície, em decorrência de seus hábitos nada convencionais, além de tentar escapar da perseguição implacável do Concílio de Sangue de Lucien Archambault, clã que os cooptava e caçava há mais de cinquenta anos.
Para conquistar a confiança do meu sinistro interlocutor, assim que ouvi a menção a Archambault, relatei-lhe de maneira sucinta a abrupta expulsão que sofri de seu clã em Pleven, bem como as incessantes tentativas do exército de Mael D'Aramitz em me localizar ao longo de mais de duas décadas, com o objetivo de me eliminar.
Minha história instantaneamente suscitou empatia em Claudius, que rapidamente me elucidou a razão pela qual Timothy (o garoto que me conduzira até ali) e os outros subtraíam joias dos transeuntes que circulavam nas vias acima de suas cabeças, e como eles as transformavam em meios de subsistência para si e para sua casta. Dissimulando uma comoção diante de sua luta cotidiana para sobreviver, prometi-lhes fornecer tudo o que necessitassem em um futuro próximo, contanto que, em contrapartida, aceitassem trabalhar para mim em uma aliança perpétua contra o Concílio de Sangue e sua voraz perseguição àqueles que se recusavam a se juntar a eles.
Ao final daquele primeiro encontro, Claudius e eu firmamos um acordo futuro com um aperto de mãos, e parti com inúmeros planos em mente para manipular as criaturas subterrâneas que havia descoberto.
16 de fevereiro, 1855.
A linhagem clandestina, sob a liderança de Claudius, exibe uma estrutura social hierarquizada, onde mesmo em sua pequena escala, a comunidade segue regras claras e objetivas dentro de seu âmbito. Dentre seus membros, encontramos aqueles incumbidos da caça e do abastecimento de alimento; os guardiões dos túneis que acessam inúmeras localidades na cidade; os encarregados da manutenção das vias subterrâneas; os negociadores responsáveis pela troca das joias e objetos de valor roubados por sangue animal fresco (obtido frequentemente em abatedouros e mercados locais) e, por fim, os farejadores, vampiros dotados da habilidade de detectar e prever possíveis ameaças provenientes da superfície, salvaguardando, assim, a comunidade.
Ao longo do tempo, os vampiros sob Bucareste tinham sido obrigados a se adaptar às condições do ambiente subterrâneo. Eles têm um tom de pele acinzentado para se mesclar à sujeira dos túneis (o que me levou a considerar que eles fossem uma espécie mutante, capaz de se mesclar ao ambiente em que vivem), e, por conta da escuridão, seus olhos são bem mais sensíveis à luz do que os que vivem na superfície. Além disso, eles possuem uma audição e um olfato muito mais aguçados que o normal, o que os ajuda a se movimentar e caçar com mais facilidade ali embaixo.
À semelhança dos vampiros tradicionais, a comunidade de vampiros subterrâneos necessita nutrir-se de sangue para garantir sua sobrevivência. Entretanto, visto que vivem ocultos e isolados do mundo exterior, desenvolveram estratégias específicas para obter seu sustento. Na impossibilidade de obter sangue diretamente de fontes humanas, estabeleceram uma relação simbiótica com certas espécies subterrâneas de animais, alimentando-se de maneira discreta, sem despertar atenção das autoridades ou sem perturbar o equilíbrio natural.
Vivendo às sombras do Concílio de Sangue e de outros potenciais adversários, a comunidade de vampiros clandestinos aprendeu a empregar estratégias defensivas eficientes. Claudius e seus farejadores estabeleceram sistemas de vigilância avançados, atribuindo vampiros específicos para patrulharem os túneis e alertarem o restante do grupo acerca de ameaças em potencial. Além disso, desenvolveram técnicas de combate especializadas, aproveitando sua adaptação ao ambiente do subsolo para deslocarem-se furtivamente e atacarem de forma veloz e eficaz.
Em pouco mais de um mês de convívio com essas criaturas, pude adquirir um vasto conhecimento sobre sua forma de vida e, de maneira orgânica, acabei por me tornar um ponto de interseção entre os dois mundos. Enquanto um vampiro solitário, em busca de companhia, vi-me inesperadamente acolhido pela comunidade secreta e, gradualmente, fui integrado a ela. Ciente de que necessitaria de seu auxílio para permanecer distante do Concílio de Sangue, e cônscio de que eles também precisavam de meus conhecimentos e recursos para manter viva a luta por sua liberdade, a união entre nós se revelou o caminho incontestável a seguir. Claudius, ao reconhecer-me como mentor de sua comunidade, selou nosso compromisso, e juntos empreendemos esforços para nos livrarmos daqueles que nos ameaçavam, ansiando pela nossa extinção.
7 de junho, 1855.
Hoje efetuei a aquisição de um majestoso casarão de três andares, acompanhado de um vasto quintal, localizado próximo a um dos territórios mais afastados de Băneasa, ao norte de Bucareste.
Há aproximadamente dois meses, iniciei uma árdua empreitada, empregando esforços e mão-de-obra especializada na construção de túneis subterrâneos que interligam o centro da cidade à sua periferia. Tal empreendimento viabilizará não apenas o acesso de Claudius e sua comunidade ao referido bairro, mas também a diversos outros arredores adjacentes.
O objetivo primordial é proporcionar a ele e aos seus familiares uma moradia mais confortável, afastada dos desagradáveis roedores e insetos, razão pela qual optamos pela aquisição desse imóvel, cuja finalização está prevista para ocorrer dentro de uma ou duas semanas.
Nos últimos meses, deixei de lado minhas anotações, em virtude do meu novo papel como mentor da comunidade liderada por Claudius. No entanto, é imprescindível ressaltar que tal experiência tem se revelado excepcionalmente revitalizante para mim.
Acostumado à solidão de meu castelo em Varna e tendo vivido décadas isolado, sem uma verdadeira sensação de pertencimento a um grupo, encontro-me plenamente adaptado a essa nova realidade. Além de Claudius, aqueles que o cercam optaram por me acolher como um igual. Não sou somente percebido como uma figura mais velha, dotada de vasta experiência, mas, sobretudo, como um líder capaz de conduzi-los a um futuro repleto de esperança e abundância. Uma aspiração que eu pretendia concretizar no passado não muito distante, à frente do Concílio de Sangue.
Será que essa utopia teria, de fato, se materializado, se Adela não tivesse se acovardado diante de seus pares e me apoiado em nossa luta contra os mandos de Archambault?
29 de agosto, 1855.
Hoje, a mais recente família do subterrâneo estabeleceu-se no imponente casarão em Băneasa. Agora, totalizamos seis núcleos familiares, além de Claudius, sua esposa e seus três filhos adotivos.
Promovemos adaptações na residência, a fim de cobrir janelas e aberturas para que não haja a mínima entrada de luz solar. Mesmo durante o dia, é possível percorrer diferentes áreas da propriedade sem sofrer os efeitos prejudiciais do Astro-Rei.
Por ser uma região praticamente florestal, Băneasa abriga uma fauna diversificada em suas matas, o que garante o sustento semanal para todos aqueles que migraram dos túneis sombrios sob Bucareste para esse novo endereço.
Apesar do conforto proporcionado pela espaçosa residência, alguns dos homens da antiga comunidade preferiram permanecer sob a cidade, continuando a ocupar os túneis a serviço de Claudius. Dentre eles, os guardiões e os farejadores foram os que menos se adaptaram à modernização que foi introduzida e, consequentemente, são aqueles com os quais tenho menos contato.
Em virtude da hierarquia estabelecida por Claudius, quando as perseguições do Concílio de Sangue tiveram início, não se permite qualquer privilégio entre os membros do grupo. Por esse motivo, tanto a esposa quanto os filhos desempenham funções específicas dentro da comunidade, inclusive aquelas que são consideradas menos prestigiosas.
A esposa do líder do grupo é uma caçadora exímia, que sai quase todas as noites com seu grupo, a fim de capturar presas que possam sustentar os habitantes do subterrâneo por mais tempo.
Os dois filhos varões de Claudius auxiliam na infraestrutura e manutenção dos túneis, enquanto a filha caçula, Magda, é incumbida do trabalho de farejamento, ou seja, proteger o grupo de possíveis ameaças.
Magda é bastante arisca e, como farejadora, inicialmente não aceitava minha presença próxima. Ela é a que possui os sentidos mais aguçados entre todos do grupo. É capaz de farejar perigo a quilômetros de distância e distinguir objetos no escuro apenas por meio de seu olfato. Diferentemente dos demais de sua espécie, seus olhos não são tão sensíveis à luminosidade, permitindo-lhe enxergar com clareza, mesmo nas mais densas trevas.
A contragosto, ela mudou-se para o casarão, mas logo percebeu que não há nada de errado em desfrutar de algum conforto. Ela isolou-se no quarto mais afastado de um dos corredores, porém, durante o dia, continua a aventurar-se pelos túneis sob a cidade, farejando e rastreando objetos que possam ser úteis para a comunidade.
Foi durante uma dessas escapadas do casarão que a encontrei no principal túnel que liga Băneasa ao norte de Bucareste. Ela aceitou que eu a acompanhasse em sua ronda diária e me ensinou alguns de seus truques de farejadora, enquanto jogávamos um jogo de adivinhação.
A regra era clara: parávamos sob uma das ruas mais movimentadas de Bucareste e, unicamente utilizando nosso olfato e audição, descrevíamos as pessoas que passavam acima de nós.
Ela era verdadeiramente notável. Era capaz de distinguir seda de veludo, pérolas de ouro e couro de vinil apenas pelo aroma, mesmo a uma distância de quase cem metros.
Após o jogo de adivinhação, perguntei-lhe mais sobre seu passado e como ela havia se unido a Claudius e aos demais. Percebi um leve desconforto em seu semblante ao iniciar seu relato, porém, de maneira sucinta e sem muitos detalhes, ela mencionou que chegou à comunidade quando ainda era criança, sem conseguir explicar a origem ou a identidade de seus pais.
Segundo o que Claudius lhe contava enquanto ela crescia, ela já possuía presas na boca e garras nas mãos. Assemelhava-se a um pequeno animal desprovido de pelos, e seu rosto estava coberto de sangue quando cruzou o caminho de Claudius pela primeira vez.
Com benevolência e sabendo que a menina, apesar de precoce, era uma vampira como ele, Claudius a levou para os túneis e passou a cuidar dela como uma filha. Ele a tornou membro da família, juntamente com os outros filhos adotivos e sua esposa, e assim tem sido desde então.
No momento em que percebi que a existência de uma criança vampira parecia ilógica, uma vez que nenhum de nós nascia com tais dons evidentes, tive a certeza de que Magda não era uma espécie "comum" como os outros de seu grupo. Se ela de fato nasceu vampira, mesmo exibindo precocemente seus dons vampíricos, a jovem pertence a uma categoria rara de sanguessugas.
Após anos de intensa busca nos recônditos mais sombrios do mundo, finalmente encontrei alguém que compartilha da minha maldição primordial: Magda é uma moroi, assim como eu, e o destino nos uniu por puro acaso.
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