Capítulo 32 - Yuliya

OS TRINTA MINUTOS de espera pareceram horas intermináveis, e usei daquele tempo para testar a teoria de Akanni sobre a hipnose profunda aplicada no homem de olhos celestes sentado diante de mim. Nada em sua postura ou em seus gestos indicava que ele não fosse, de fato, quem alegava ser, e ele me contou de maneira resumida toda a sua trajetória empresarial, da época de faculdade em que fazia estágio em uma usina ucraniana até a sua ascensão como presidente da companhia em que estávamos.

Ele havia me fornecido detalhes demais para que eu não acreditasse em sua palavra. Foi impressionante descobrir o quão profunda havia sido a lavagem cerebral aplicada naquele homem pelo nefilim a habitar o corpo de meu meio-irmão.

Eu não posso deixar que esse monstro chegue perto de Alex com esse poder nunca mais.

Algum tempo depois, o meu olfato foi estimulado por um perfume familiar que recendeu do lado de fora. Tão logo as portas do elevador se abriram, o som de um sapato de salto tamanho trinta e quatro ecoou no corredor comprido, e o farfalhar do veludo de um casaco feminino também me saltou aos ouvidos.

Ao que parecia, ela tinha mordido a isca.

Os olhos verdes de Yuliya me fitaram imediatamente no momento em que eu a recepcionei com ambas as Berettas apontadas para a sua cara. O homem que acreditava ser Theodor Constantinescu jazia desmaiado com o rosto sobre o tampo de carvalho, e agora era só eu e ela. Frente a frente.

— Feche a porta devagar, Mikhailova. Não quero nenhuma surpresa vinda do lado de fora.

Enquanto ela obedecia à ordem com feição blasé, atinei os meus ouvidos na esperança de captar movimentação nos andares abaixo, ou na cabina do elevador. A moça não parecia estar acompanhada, todavia, também não demonstrava surpresa em me encontrar ali. Isso ficou claro na primeira coisa que me falou quando se voltou em minha direção:

— O que espera conseguir com esse ardil amador, Alina? Achou mesmo que me pegaria desprevenida?

A minha vontade era descarregar os dois pentes de uma só vez na cara daquela arrogante em resposta, mas tive que conter a minha ira. Precisava aproveitar a chance de estar de frente para a assistente de meu irmão e lhe fazer as perguntas certas.

— Por que armou para que eu a seguisse até aquele beco em Tverskoy? Por que queria que os homens de Lucien Archambault me capturassem?

Ela deixou escapar um sorriso irônico. Apesar da minha vontade de virar aquele rostinho do avesso, eu tinha que admitir que Yuliya fazia mesmo jus ao significado de seu nome. A garota tinha traços meigos e transmitia uma imagem de leveza e pureza. Fisicamente, se assemelhava em quase tudo à prostituta húngara pela qual Costel havia sido apaixonado, uma vida antes de ele ser raptado por Adon Gorky e de ser transformado em um ser demoníaco.

Seria esse o motivo de ele estar associado a Yuliya? Por ela se parecer com a Hajna?

— Eu não sabia se você seria idiota o suficiente de me seguir, até que a vi me espreitando pelo retrovisor do táxi — ela soltou um riso debochado e andou devagar em direção à janela da sala. A mira das minhas pistolas a seguiu. — Eu tinha ouvido boatos de que soldados do clã de Archambault haviam desembarcado em Moscou, há alguns dias, para cuidar de um de seus ninhos locais. Contudo, até aquela noite em Tverskoy, eu não sabia se era verídico. Foi divertido usá-la como isca para descobrir a verdade. Você caiu direitinho!

Engatilhei a pistola da direita. O dedo chegava a coçar no gatilho.

— Por que queria que eles me capturassem? Qual o seu jogo, ou o de Costel?

Ela franziu a testa com a menção àquele nome. Permaneceu com os lábios curvados em seu sorriso sarcástico, mas não me respondeu.

— Acha mesmo que eu não sei que está associada ao meu meio-irmão? Pensa que me engana com esse seu teatro barato de executiva compenetrada?

Ela parou de costas para o vidro largo da janela. Correu os olhos pela sala. Identificou a secretária caída no chão e o homem desfalecido sentado à mesa a menos de três metros de distância. Então, disse:

— Não há teatro algum. Eu sou mesmo funcionária da Novvy Kordon. Auxilio o senhor Constantinescu há pouco mais de uma década à frente dos negócios. Por que acha que sou outra coisa além de uma ótima assistente administrativa?

A mente de Yuliya estava totalmente blindada à minha telepatia. Eu não conseguia ouvir nem uma palavra do que ela pensava, o que a tornava imprevisível.

— Você é a putinha do "senhor Constantinescu". Aposto que também o tem servido na cama em todos esses anos. Conheço bem o apetite sexual voraz daquele imbecil. Não é à toa que você é a cara de uma das meretrizes com quem ele se divertia em Oradea, há mais de quarenta anos!

Para me irritar ainda mais, ela olhou a nuca do velho na cadeira e torceu o nariz, encenando.

— O senhor Constantinescu e eu? Bozhe moy!

Não resisti e apertei o gatilho. A bala passou a centímetros da sua cabeça, atingindo o vidro da janela às suas costas.

— Você sabe muito bem de quem estou falando, sua cadela! — Assim que eu disse aquilo, ainda arisca por conta do disparo em sua direção, Yuliya desmanchou o sorriso cínico pela primeira vez. Me encarou séria, e esperou que eu continuasse. — Você e Costel têm estado juntos todos esses anos, tramando, confabulando. Eu sei que ele treinou a minha filha para que ela se tornasse a sua principal arma contra os inimigos que fez ao longo do caminho. Você e ele tentaram corromper Alexandra, mas não conseguiram. Ela é mais forte do que vocês pensam, e nunca mais vai cair na sua lábia.

Yuliya deu um passo devagar para o lado. Espalmou as mãos na altura dos ombros e não perdeu mais as minhas Berettas de vista.

— Você o tem ajudado em seus planos terríveis por todo esse tempo, Yuliya... Mas você ao menos sabe o que ele realmente é por trás daquela carapaça sedutora? Você sabe o que verdadeiramente se esconde sob a pele de Costel desde que ele fugiu da Ucrânia para escapar da seita de bruxos satânicos de Adon Gorky?

Novamente, nenhuma surpresa em seu semblante. Ela sabia a real natureza de Costel, mas não aparentava se importar.

— Ele está reunindo um exército para abrir os portões do inferno. Se ele conseguir, o mundo será invadido por legiões de demônios, Yuliya. Nada e nem ninguém será capaz de detê-los. É isso que você quer? É isso que Mikhail e Yelena iriam querer, se estivessem vivos?

A menção a seus pais lhe causou mais incômodo do que o resto. Naquele instante, os faróis verdes em suas órbitas assumiram uma coloração diferente, e a mulher me encarou raivosa.

— Você não faz ideia do que está falando, Alina Grigorescu. Nem desconfia do que está por vir. Nem você, nem o homem de pele escura a quem se aliou nos últimos anos. — Ela sabia sobre Akanni, o que significava que Thænael também sabia. Ao constatar aquilo, a deixei prosseguir com a sua ladainha. — Muito em breve, o lado certo dessa briga vai viver em plenitude eterna, enquanto o outro lado vai queimar junto do mundo. Você não vai poder fazer nada a respeito. Você vai virar cinza muito antes de perceber o que está chegando.

Em uma fração de segundos, Yuliya se abaixou, como que antevendo o projétil que atravessou a janela e atingiu o meu ombro antes que eu apertasse o gatilho em sua direção. O som das balas trocadas ecoou por um tempo na sala do escritório, e eu demorei a perceber que havia prata em meu organismo.

Um atirador de elite bem posicionado no prédio em frente à sede da Novvy Kordon havia me pegado desprevenida e, por um instante valioso demais, me vi sendo alvo da sua mira precisa.

Me esquivei no intuito de evitar que ele me atingisse mortalmente. Pelo espaço amplo de visão proporcionado pela janela, o canalha tinha muitas chances de me liquidar, bastasse que ele atingisse a minha cabeça ou o meu coração. Para o meu azar, a distração com o atirador foi o suficiente para que Yuliya disparasse a correr para fora da sala, e fugisse de mim.

Não mesmo, vadia! Você é minha!

Incapaz de manter a pistola da mão direita erguida por conta do ferimento em meu ombro, eu a guardei no coldre antes de iniciar uma perseguição à vampira. Descarreguei o pente da outra pistola no intuito de atingi-la pelas costas, mas falhei miseravelmente, enquanto a prata agia vagarosamente em meu organismo, me fazendo errar os tiros.

Movendo-se em uma velocidade incrível, a russa alcançou o elevador antes de mim, e se jogou para dentro da cabina no intuito de escapar da minha gana. Antes que as portas se fechassem, no entanto, eu me interpus entre as duas metades e apliquei um chute na caixa torácica da loira.

Com um gemido, Yuliya voou para trás. As suas costas se chocaram contra a parede da cabina no momento em que o veículo vertical começou a se deslocar para baixo. Enquanto eu a tentava atingir novamente, senti meu ombro baleado queimar, e ela soube tirar proveito da minha desvantagem momentânea. Se mexeu mais rápido do que eu conseguia prever, e me acertou com um par de socos que me jogou contra a parede, quase atordoada.

Eu sou mais forte que ela, mas não tenho condições de vencê-la com essa bala de prata no ombro, lamentei, um segundo antes de senti-la agarrando o colarinho do meu casaco para usar a minha cabeça de aríete na parede do elevador.

— Acha que a Alex está fora de alcance, Alina? Nós acharemos a garota e, quando isso acontecer, vamos usá-la para arrancar o seu coração do peito!

Eu ainda tentei resistir, mas quando o dedo médio da vampira penetrou o meu ferimento propositalmente, eu urrei de dor, e fui empurrada com toda violência contra o chão. Segundos depois, a cabina atingiu o térreo do prédio. As portas se abriram automaticamente, revelando um exército de homens armados com metralhadoras a nos esperar do lado de fora.

No instante em que a loira abandonou o veículo para fugir pelo piso do hall de entrada, tiros ininterruptos começaram a ser disparados em minha direção, cobrindo a fuga da aliada de meu meio-irmão.

Enquanto eu pensava onde estaria Akanni àquela hora e o que havia acontecido a ele, o chumbo das balas esfacelou o meu casaco de couro e feriu a minha pele por baixo. Embora tiros comuns não me fossem mortais, aquilo não impedia que doesse feito o diabo.

Quando houve uma pausa nos disparos, Yuliya já estava fora de alcance, e eu saí cambaleando pelo térreo. Meu braço direito agora estava quase totalmente paralisado pelo efeito da prata, porém, me vi sendo obrigada a me colocar em posição de defesa conforme os soldados em seus trajes militares se preparavam para recomeçar seu ataque.

A mão esquerda não conseguia alcançar o coldre da direita, e quando me vi fraquejar diante dos meus adversários, ele surgiu de um clarão para me salvar no último segundo.

— Feche os seus olhos, Alina!

Eu já estava ajoelhada quando obedeci. No instante seguinte, senti uma espécie de choque sônico abalar o hall da entrada logo que percebi um brilho ofuscante atravessar as minhas pálpebras cerradas. Eu tinha ficado abalada com a energia liberada durante o que me pareceu um flash muito potente de câmera fotográfica e, quando ousei tornar a olhar em direção aos soldados, não havia muito além deles do que carcaças carbonizadas sob as suas armas fumegantes.

Como ele fez isso?

Era a pergunta que ecoava na minha mente quando Akanni se aproximou de mim. Ele voltou a embainhar a lâmina de sua espada no cabo de madeira da sua bengala, e me estendeu a mão para me ajudar a levantar.

— Venha. Você está muito ferida. Precisa de cuidados imediatamente.



Bozhe moy! = Meu Deus!

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top