Capítulo 15 - Entre dois lados
OS GRITOS APAVORADOS dos hóspedes ecoaram por todo o décimo andar do hotel no momento em que eu fui arremessada através da parede de um dos aposentos. O rapaz conhecido como McCready já havia se recuperado totalmente da fratura causada em seu joelho mais cedo e parecia incrivelmente disposto a me causar o maior número possível de dano, em retaliação.
Incapaz de falar durante a transformação, a criatura que era um híbrido entre humano e lobo correu velozmente em minha direção tão logo me viu cair por entre os destroços da parede, e grunhiu com o focinho erguido, em atitude de desafio.
— Você quer brincar, pulguento? Vamos brincar!
O quarto onde eu havia sido jogada violentamente estava vazio, mas eu temia o que aquela batalha podia ocasionar aos demais moradores daquele andar. Avariado por conta da destruição que havíamos causado em poucos minutos de contenda, o sistema elétrico do corredor se desligou inteiramente, apagando as luzes do teto. No breu total, eu me atirei contra o garoto-lobo e me pus a golpeá-lo na cara, a fim de nocauteá-lo.
É como socar o aço, não vou conseguir vencê-lo desse jeito!
Por mais que tentasse me concentrar em abater McCready, a minha cabeça divagava por conta da minha preocupação com Alex. Ela e Sergio tinham se unido para enfrentar os outros dois membros do trio na direção oposta à que eu estava, e tudo que eu pensava era o que aconteceria se ela se tornasse uma vircolac no meio da briga.
Ela seria capaz de matar qualquer um que atravessasse o seu caminho. Eu preciso impedi-la a qualquer custo!
Em sua fúria irracional, McCready me seguiu até o final do corredor e eu comecei a atraí-lo para uma área onde era menos provável que encontrássemos com hóspedes ou funcionários do hotel. Depois do massacre em Petecu, eu me sentia responsável em garantir a segurança de pessoas comuns que nada tinham a ver com a nossa guerra, e eu precisava levar aquela briga para o estacionamento ou qualquer lugar deserto àquela hora da noite.
Quando cheguei ao quinto piso, no entanto, eu não consegui mais manter a minha vantagem em corrida, e o monstro de pelos negros me alcançou. Fui atingida nas costas por suas garras, num golpe preciso, e tudo que vi em seguida foi a parede onde o meu rosto se chocou violentamente.
Enquanto eu me recuperava, me virei para o lobo a tempo de me esquivar de uma dentada direcionada à minha jugular. Eu já tinha ouvido falar que a mordida de um lobisomem era fatal para um vampiro, mas eu não estava a fim de servir como cobaia de teste para aquela teoria.
— Por que esses dentes tão grandes, vovozinha?
Apliquei um soco na lateral do rosto do lobo a fim de ganhar tempo suficiente para me levantar, mas subestimei a sua velocidade. Ele me passou uma rasteira com a sua pata esquerda e, na sequência, eu me vi caída novamente, sob a ameaça de ter a carne do pescoço rasgada pelas presas grandes e pontiagudas que ele me exibia, conforme expelia um líquido viscoso e esbranquiçado pela boca.
— Você... Não... Vai... Me vencer!
Eu usei toda a força que tinha nos músculos da perna para empurrá-lo para trás. O impacto o arremessou contra a parede e, antes que ele tivesse tempo de se recuperar mais uma vez, eu segurei o seu maxilar e comecei a torcer.
— Você não me deixa escolha, vira-lata desgraçado!
Tentando se livrar do meu agarrão, a criatura começou a se debater e a me acertar com as garras das duas mãos enormes. Ele estava me rasgando inteira como se eu fosse uma peça de bife à mercê do carniceiro, mas apesar da dor lancinante que sentia, eu não desisti. Emiti um urro com o esforço e parti o maxilar de meu inimigo em dois.
Ao ver o corpo desfalecido do lobisomem no chão, eu arqueei enquanto avaliava os estragos que as suas unhas haviam me causado. Eu apresentava cortes de mais de vinte centímetros de comprimento cada no tórax, pernas, braços e costas. Me sentia incrivelmente abalada pela luta ensandecida naquele corredor escuro, mas sabia que ainda não podia parar para descansar.
Desci o restante das escadas até atingir o piso mais baixo do hotel e me guiei pelos gritos que soavam do estacionamento. Cheguei ao local feito um trem desgovernado, derrubando de suas dobradiças as portas da saída. Avistei um dos bellboys do hotel a acudir uma camareira que tinha sido pega em meio ao conflito e que vertia sangue por um ferimento na altura do abdômen. Os dois estavam em prantos e foi o garoto quem apontou a direção:
— Eles... Eles foram pra lá... São loucos! Completamente loucos!
Eu andei na direção apontada e passei por uma fileira de automóveis que antecipavam uma seção coberta e privativa do estacionamento. As luzes dali não haviam sido afetadas como nos andares superiores, e assim que me aproximei, eu os avistei com bastante nitidez.
— Ah, aí está você. Que bom que se juntou à nossa festinha.
A moça conhecida como Bethany estava com um punhal de prata cruzado em frente ao pescoço de Sergio que arfava, cansado. Suas roupas estavam rasgadas em quase sua totalidade, o que indicava que ele havia se transformado durante a luta, ou pelo menos tentado.
— Venha até aqui se não quiser que o Jack arranque a cabeça da sua filhinha loira.
Ao lado de Bethany e Sergio, o segundo homem-lobo estava segurando Alex pelos ombros enquanto exibia os dentes em direção ao seu pescoço. Minha filha parecia bastante abalada e, assim como eu, possuía cortes profundos por boa parte do corpo.
— O Jack sabe perfeitamente o que está acontecendo. Se você não se render agora, eu mato o lobinho latino aqui e o meu parceiro acaba com a garota.
Eu não tinha escolha. Nenhum dos dois parecia em condições de continuar lutando e eu jamais seria rápida o suficiente para impedir que o punhal rasgasse a garganta de Sergio ou evitar que o lobisomem negro mordesse fatalmente a minha filha.
— Eu não vou resistir. Vocês venceram.
Ergui as mãos em rendição e comecei a me aproximar de onde Bethany ameaçava meu mordomo. A garota olhou por cima do meu ombro e tentou enxergar além do seu campo de visão, além do estacionamento atrás de mim.
— Onde está o McCready? O que você fez com ele?
O sangue de seu parceiro estava em minhas mãos, mas naquele momento, era difícil saber quem tinha o sangue de quem na pele e nas roupas. Cruzei meu olhar com o de Alex e conferi se ela estava bem. Minha filha curvou as sobrancelhas como que me pedindo perdão por sua derrota, mas eu não a podia culpar por isso.
— Eu derrotei o seu amigo. Eu o deixei estirado no piso de cima.
Precisava ganhar tempo até que a garota nervosa descobrisse que eu, na verdade, havia matado o seu parceiro. Sem querer esperar para saber a verdade, ela indicou uma saída pela direita do estacionamento privativo e mandou que eu fosse andando na frente, ainda de braços erguidos. Alcançamos logo um veículo Chevrolet em péssimo estado e sem placa, e ela mandou que eu me sentasse do lado do carona.
— Eu vou atrás com a baby-chupa para garantir que ninguém tente nenhuma besteira no caminho até a floresta.
Em uma fração de segundos, o garoto conhecido como Jack voltou à forma humana para assumir a direção do automóvel. Estava completamente nu tão logo se sentou e começou a vestir uma calça velha e uma camisa amarfanhada que a colega lhe passou do banco de trás.
Através do espelho retrovisor, enxerguei que Bethany continuava mantendo Alex sob a ameaça do punhal prateado, mas eu não via nenhum sinal de Sergio.
— O que vocês fizeram ao Sergio?
— Não se preocupe, ele vai passear no bagageiro — respondeu a garota, com um sorriso maldoso curvado no rosto.
No momento seguinte, o rapaz de pele preta ao meu lado deu partida no veículo e, sem ligar os faróis, embocou por uma estrada deserta sem placas de sinalização. Deixamos a área do hotel em poucos minutos e os dois começaram a dialogar.
— E o McCready?
— Aquele idiota! — ela bufou, sem descansar a faca no pescoço de minha filha. — Assim que deixarmos as chupas e o latino com o Mason, a gente manda alguém buscar o fracassado.
— Onde já se viu — disse o motorista, com claro desdém no tom de voz rouco. — Perder uma luta pra uma chupa magrela dessas!
Eu também sabia jogar aquele jogo de sarcasmo e provoquei:
— Ah, é? Como está o seu braço que eu fraturei mais cedo?
O rapaz cruzou seu olhar com o meu dando indícios de que queria me esbofetear, mas foi contido por um comando de Bethany.
— Contenha-se, Jack. O Mason vai interrogar essa chupa desgraçada e vai arrancar dela a verdade. — A garota emitiu uma risada seca por entre os dentes, me olhando pelo espelho superior do carro. — Se o Archambault quebrou o pacto territorial permitindo que seus vampiros invadissem as nossas terras, nós vamos declarar guerra contra ele. Nós vamos lavar aquela sua cara pálida com o seu próprio sangue!
Eu não sabia quem eram as pessoas citadas pela garota atrás de mim em seu diálogo com o parceiro, mas por um instante, eu percebi que tínhamos sido envolvidos, sem querer, em uma intrincada competição entre facções que, não importasse quem vencesse, nós acabaríamos sendo sacrificados no final.
Agora seria uma boa hora para que o Akanni desse as caras. Onde será que aquele anjo idiota se meteu?
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top