OS DIÁRIOS DE DUMITRI
14 de junho, 1772.
Em nosso aposento privado, a minha adorável amante, Valentina Montanaro, fez a confissão do real motivo por trás da sua longa permanência em Mykonos. A despeito de ter ocultado tal informação para garantir a sua segurança contra possíveis perseguidores franceses, a bela jovem de vinte e quatro anos é, na verdade, uma nobre marquesa italiana em fuga na Grécia. Filha do marquês Giovanni Di Montanaro, um dos mais importantes aliados do chefe de estado de Gênova, Domenico Maria Spinola, ela é a herdeira legítima de um vasto marquesado na região genovesa, além de inúmeras propriedades em outras partes da Itália, como uma ilha inteira na Sicília.
As ruas de Mykonos andam agitadas em virtude da movimentação das tropas otomanas que por aqui se espalham e, embora Valentina se sinta segura em minha companhia, a moça teme que as forças francesas lhe encontrem em nosso refúgio e cobrem dela uma antiga dívida política de responsabilidade de seu pai. Desde a nossa primeira noite de luxúria, no quarto de estalagem onde estava hospedada, a jovem se apaixonou por mim, e já planeja me levar consigo a Gênova, assim que a situação conflituosa em sua terra natal for resolvida.
Embora não saiba que o seu estado enamorado se dê em razão da minha compulsão, minha nobre consorte nada tem a reclamar dos meus atributos físicos na cama. Minhas experiências libertinas em bordéis de Oradea me proporcionaram todo o conhecimento necessário para saciar a insaciável libido da marquesa, que é uma mulher fantástica em muitos sentidos.
5 de julho, 1772.
De Mykonos até o porto de Gênova, Valentina e eu navegamos por duas semanas. Embora desejássemos chegar a nosso destino com maior brevidade, fomos forçados a mudar a rota da embarcação devido às ações de piratas no trajeto, retardando a nossa chegada à principal cidade portuária da Itália ainda durante a primeira semana da viagem.
A República de Gênova, de fato, é um ponto geográfico impressionante, e nada deixa a desejar em relação às descrições anteriores feitas por minha amada. Do terceiro andar do casarão em que nos alojamos, é possível avistar as estreitas e sinuosas ruas do centro histórico lá embaixo, bem como edifícios ancestrais e as suas numerosas igrejas.
Desde que minha sede por sangue passou a afligir-me aos treze anos de idade, evito frequentar locais sagrados por desconhecer os seus efeitos em meu corpo. Entretanto, Valentina convidou-me para acompanhá-la a um passeio pela Catedral de São Lourenço, enquanto aguardamos ansiosamente pela chegada do marquês Di Montanaro e sua esposa, Teresa, à cidade. E, assim sendo, não posso decepcioná-la.
7 de julho, 1772.
Era previsível que o ilustre marquês Di Montanaro e sua esposa se deslumbrassem ao me conhecer no jantar oferecido em honra do meu noivado com a sua filha. Foi a primeira vez que eu usei a minha habilidade de compulsão para manipular um tão grande número de pessoas, posto que, além dos Montanaro, à mesa também estavam duas primas virginais de Valentina, o irmão mais novo da moça e sua avó, Eneida.
As minhas vestimentas de gala, as joias adquiridas por Valentina e a minha maneira refinada de agir foram suficientes para persuadi-los de que eu era, na verdade, um nobre membro de uma tradicional família romena, antes de conquistar o coração da sua doce e ardente filha. Estabelecemos a data do casamento para o mês de agosto, e eu mal posso esperar para me tornar um verdadeiro membro da nobreza italiana e alcançar riqueza e poder.
10 de janeiro, 1780.
Foi um erro transformar Valentina em uma criatura da noite como eu. Em seu ímpeto de aproveitar a aparente vida eterna que lhe foi dada por mim, a mulher tem se tornado dia após dia uma promíscua. Sua pele sem rugas permanece igual ao que era há oito anos, exibindo uma juventude que contrasta com a aparência flácida e apática das suas primas após a maternidade.
A beleza estonteante de Valentina continua atraindo a inveja de outras mulheres da nobreza Montanaro, mas o preço que pago em ter uma Vênus eternamente jovem em minha cama é a necessidade de dividi-la constantemente com serviçais do casarão em Gênova, soldados italianos em Taranto ou estrangeiros de passagem em Nápoles. Sua sede por sangue é quase tão insaturável quanto seus desejos lascivos, tornando-a um ser difícil de controlar e ainda mais de conviver.
Agora que tenho direito a uma parte dos seus bens e, com o recente falecimento do marquês Montanaro, começo a questionar a utilidade da mulher que me concedeu o poder que tanto buscava.
15 de março, 1795.
Após a invasão de Napoleão ao país e a tomada de Roma, a atmosfera política se tornou inflamada na Itália, impelindo-me a uma reclusão voluntária na Bulgária, até que a tempestade se dissipasse.
Adejei-me a uma região próxima a Varna, a quase duzentos e cinquenta léguas de distância da minha terra natal, a Valáquia.
Aproveitei esse período de reclusão para me aprofundar em minha identidade e perscrutar o que ainda posso me tornar.
Recentemente, alcancei a marca dos quarenta e três anos, mas mantenho toda a juventude e a vitalidade física própria de um jovem de duas décadas.
A sede de sangue já não me assalta com a frequência de outrora, porém, ainda saio para minhas caçadas noturnas. As prostitutas permanecem entre minhas presas prediletas, contudo, tenho que viajar cada vez mais distante para encontrar as mais jovens e formosas búlgaras.
Desde a trágica morte de minha esposa Valentina em um incêndio no casarão siciliano, constatei que minha imortalidade se torna solitária na ausência de outro ser que compartilhe da minha maldição eterna.
Apesar de buscar vestígios da existência de outros como eu nos livros de história e em minhas jornadas pelas urbes europeias, até então, não me deparei com nenhuma outra criatura análoga a mim.
Estarei destinado a uma vida infindável de angústia e isolamento?
6 de outubro de 1799.
Eis que o limiar de um novo século se desenha no horizonte e, enfim, pude desvendar mais acerca de minha linhagem e origens familiares.
Recentemente, retornei de uma expedição à Valáquia, onde, por meio de registros de cartórios locais, pude identificar grande parte dos componentes de minha árvore genealógica. Minha pesquisa foi capaz de alcançar até o ano de 1600, último marco disponível nos arquivos, e até esse período, não havia entre os Ardelean nenhum relato ou anotação acerca do nascimento de qualquer criança que apresentasse deficiência de ferro em seu organismo ou doenças degenerativas associadas à exposição prolongada à luz solar.
Embora quisessem esconder o fato a todo custo de seus vizinhos mais próximos, meu pai, Codrin, e a minha mãe, Brînda, eram dois primos de primeiro grau que haviam fugido dos pais para formarem matrimônio longe de casa, um condado na Moldávia chamado Floreşti. Apesar dos riscos que a ciência moderna chamava de "incompatibilidade consanguínea", o casal arriscou ter um bebê e, na primavera de 1752, eu vim ao mundo.
Não obstante, antigas lendas e mitos da região onde morávamos, falavam sobre criaturas animalescas geradas do relacionamento entre parentes, tais quais os morois, strigois e os vircolacs.
A biblioteca do velho marquês Montanaro era um riquíssimo acervo de livros e enciclopédias antigas que remontavam aos séculos IX e X, aos quais eu me debrucei ao longo dos vários anos em que morei em Gênova com a sua filha. Após a morte de ambos e a fortuita invasão de Napoleão à Itália, transferi sua biblioteca para meu castelo na Bulgária, de onde tenho conduzido minhas pesquisas.
Os mitos sobre os "vampiros", seres mitológicos que saem de suas criptas à noite para sugar sangue humano remontam à Grécia Antiga, quando os relatos mais conhecidos mencionavam os vrykolakas — criaturas inchadas e coradas, não decompostas, com presas longas, palmas peludas e, às vezes, olhos brilhantes.
Tais seres noturnos não se limitavam apenas a sugar sangue, pois eram capazes de causar desconforto em suas vítimas a tal ponto que as deixava fragilizadas enquanto estas a consumiam tecidos, vísceras e músculos.
No que tange aos morois e os strigois, encontrei escritos mais recentes que os descrevem como "seres amaldiçoados" que vagueiam pela noite em busca de alimento, embora eu ainda saiba pouco acerca de suas origens mitológicas ou de uma possível conexão com minha própria maldição.
Dedicarei meu tempo imortal a adquirir maior entendimento acerca daherança genética deixada por meus pais, bem como a minha incessante busca poroutros descendentes imortais como eu. Espero ter mais êxito nesta empreitada.
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