Capítulo 17 - A reunião dos doze
A SEGUNDA SEMANA sem notícias do meu irmão foi a mais cruel de todas, e de repente, comecei a acreditar que não conseguiria mais salvar Costel das garras dos seus raptores passado tanto tempo. Eu conhecia bem o que era ser torturada e queimada viva por bruxos malignos que tentavam dobrar a minha vontade psíquica e sabia também que as defesas mentais do meu irmão podiam não ser tão fortes quanto as minhas.
Adon e Iolanda tinham tentado ferrenhamente dominar a minha mente com o auxílio da sua magia arcana e eu só tinha conseguido sair com vida daquele porão por causa da ajuda de Alejandro. Eu tinha passado horas sob o jugo dos dois e carregava até aquele momento as cicatrizes que o amuleto incandescente havia me causado na pele. Costel já estava preso há uma semana. Os danos agora podiam ser irreversíveis.
Oh, meu irmão. Aguente firme, por favor!
Alguns dias depois, a rede de inteligência do qual Gavril fazia parte nos conduziu a um terceiro endereço localizado na região da Subotica, dentro do território da antiga Iugoslávia — atualmente dividida entre a Bósnia e Herzegovina, a Croácia e Montenegro — e lá, nós dois nos encontramos com outro membro da chamada "A Teia" que ia nos ajudar a chegar até o local indicado.
Chamando a si mesmo de Marco Polo, o sujeito era um grandalhão que se destacava em uma multidão e que não levava o menor jeito de agente secreto. Logo que desembarcamos do Ford deixando Fabrice na retaguarda mais uma vez, nós vimos Marco encostado num muro a fumar um cigarro. Ele usava uma boina cobrindo os cabelos loiros ensebados e exibia os braços musculosos pelas mangas arregaçadas da camisa curta. A calça estava presa a um suspensório vermelho e o rosto quadrado parecia não ver uma lâmina de barbear há mais de um mês.
— Eu já contei. Tem pelo menos uma dúzia de fulaninhos do lado de dentro — e Marco apontou para o prédio a uns dez metros da esquina onde estávamos, falando em romeno, mas com um sotaque italiano carregado —, desta vez, nós encontramos os cabeças da Ordem do Portal de Fogo.
Ele falou olhando em direção a Gavril, que tinha quase a metade da sua estatura e parecia um menininho magricela ao seu lado. Logo em seguida, ele me encarou e deu uma última tragada no cigarro, correndo a língua lascivamente nos lábios. Me senti despida, embora estivesse usando calça, botas e um casaco por cima de uma blusa fechada até o pescoço.
— Precisamos que alguém vá pelos fundos caso os canalhas tentem fugir — falou Gavril, com o costumeiro tom assustado saindo da boca.
Marco abaixou-se e meteu a mão por dentro de uma bolsa larga que descansava sob os seus pés. Tirou de lá uma submetralhadora Thompson e a exibiu feito um mastro em riste.
— Deixe comigo. Nada vai passar por mim e pela minha Tommy Gun aqui — em seguida, o italiano beijou o cano da arma como se ela fosse a sua amante.
Seria aquele um sinal de que o que ele tinha dentro das calças não era tão grande assim a ponto de ele querer compensar exibindo uma arma de cano longo como uma conquista amorosa?
Eu sabia que os riscos que corríamos naquela missão de resgate eram altíssimos e que tudo poderia ir para o Diabo caso os homens no interior daquele prédio fossem minimamente versados em magia. Iolanda quase havia acabado comigo com uma única esfera mística lançada das suas mãos, o que me custou mais de quarenta anos de recuperação lenta. O próprio Costel não tinha se saído melhor ao enfrentar Adon no mano a mano, sendo atirado num rio e passando mais de uma semana ao fundo dele sendo devorado por peixes. Uma dúzia de magistas capazes de manipular energias destrutivas das mãos era mais do que suficiente para eliminar a mim, Gavril com seu revólver .38 e Marco Polo com a sua Tommy Gun. Todavia, eu precisava salvar o meu irmão, não importava quão grandes eram as barreiras entre mim e ele.
Valendo-me da minha resistência e força física sobre-humana, eu bati forte na porta de entrada botando-a no chão com um só golpe da minha mão direita. Sobressaltados com o estrondo, os oito homens e as quatro mulheres no interior do saguão levantaram-se das suas cadeiras rapidamente, onde antes pareciam participar de uma reunião de bruxos. A fim de impedir que eles conseguissem reagir a tempo de deter a nossa entrada explosiva, eu impulsionei os músculos da minha perna e saltei sobre os dois primeiros membros mais próximos da porta. Antes que eles pudessem resistir, eu choquei as suas cabeças com força contra a superfície da mesa arredondada em que estavam sentados ao redor e os tirei de ação. Um grito anteviu um clarão esverdeado que passou a milímetros do meu rosto.
— Noctem daemonium!
Outros três deles gritaram a mesma frase em latim, me chamando de "demônio da noite" e novos clarões luminosos foram direcionados contra mim, tentando me atingir. Movendo-me o mais rápido que eu podia, consegui atingir mais um deles encaixando um chute forte bem em seu peito, fazendo-o expelir sangue pela boca.
— Onde está o meu irmão, seus assassinos?
Naquele momento, Gavril engatilhava o seu revólver e começava a atirar em direção a um dos membros, um de pele preta que parecia ser o líder deles. O garoto fracote mal conseguia conter o coice que a arma dava a cada disparo, e logo, estava sendo dominado por duas das mulheres que faziam parte daquela reunião.
Marco Polo fez uma entrada triunfal pelos fundos do saguão do prédio e a sua Thompson começou a cuspir chumbo em direção aos adversários vestidos com toga vermelha. Dois deles foram fulminados sem qualquer esquiva e já caíram no chão sem vida. A metralhadora deu uma engasgada após o ímpeto inicial e Marco foi obrigado a se jogar atrás de um balcão ao fundo do salão largo, se protegendo de uma torrente de glóbulos esverdeados direcionados contra ele. A energia liberada por uma trinca de conjurações silenciosas de feitiço começou a rimbombar na parede reforçada do balcão, ameaçando derrubá-la. Aproveitei aquele momento de distração para render mais três componentes da Ordem, quebrando-lhes os braços com minha força.
— Costel! COSTEL!
No calor do momento, chamei o meu irmão por seu nome real tentando fazer com que ele se pronunciasse seja lá onde estivesse no interior daquele prédio, mas não havia resposta. As duas mulheres estavam prestes a matar Gavril ali no chão à mercê delas. Um punhal tinha sido sacado de uma bainha e o metal já estava sendo direcionado para o peito do rapaz quando intervi velozmente. Com um só golpe derrubei as duas, mas naquele momento, senti algo queimar as minhas costas. Marco Polo já havia se recuperado e desengasgado a sua Thompson que voltou a disparar contra os elementos sobressalentes. Mais três deles foram alvejados, e sozinho, o italiano conseguiu render também o líder da seita, aplicando-lhe um cruzado de direita e o jogando desnorteado em cima de uma cadeira.
— Alexia! Suas costas!
Gavril me alertava sobre o punhal de prata cravado bem próximo da minha coluna vertebral e eu já começava a sentir as minhas forças se exaurirem pelos efeitos do metal nocivo a vampiros. Pedi que ele fosse rápido.
— Arranque de uma só vez. Não hesite!
O garoto foi corajoso e puxou com força o punhal pelo cabo, jogando-o de lado embebido em meu sangue. As minhas pernas fraquejaram na mesma hora em que senti a arma pontiaguda ser expelida do meu corpo e ele me amparou antes que eu fosse a nocaute. Naquele mesmo instante, Marco surrava o homem de pele preta procurando fazê-lo falar.
— Onde está o vampiro? Diga logo, seu monte de estrume!
Os golpes ecoavam no rosto do homem que não parava de sorrir nem por um segundo enquanto repetia:
— O poder do portal é invencível. Nós somos imortais.
As outras duas mulheres se rastejavam no chão atingidas pelas balas da Tommy Gun de Marco e mesmo gemendo de dor, elas engrossavam o coro:
— O poder do portal é invencível. Nós somos imortais.
Até mesmo aqueles que tínhamos tirado de ação já se levantavam de onde haviam sido jogados e repetiam aquelas frases quase em uníssono:
— O poder do portal é invencível. Nós somos imortais.
— O poder do portal é invencível. Nós somos imortais.
Fabrice nos viu de longe correndo para escapar dos remanescentes da seita que vinham em nosso encalço e o siciliano silencioso foi rápido em descer do Ford, abrir as duas portas e nos ajudar a embarcar. Chamas esmeraldas explodiam ao nosso redor ameaçando nos fulminar. Quando o motorista deu a partida no veículo fazendo-o disparar em potência máxima pela avenida à nossa frente, um dos espelhos retrovisores foi arrancado com violência após um estrondo metálico assustador que fez a lataria estremecer. Gavril estava sentado no banco do passageiro abaixando a cabeça ainda ouvindo as esferas de energia explodirem do lado de fora do carro e eu estava no banco de trás deitada no colo do grandalhão italiano, prestes a desfalecer de dor. A prata tinha chegado à minha corrente sanguínea.
— Fanculo quella macchina! Dai! — berrou Marco Polo a Fabrice, mandando que ele acelerasse ainda mais o carro.
— L'auto va a tutta velocità, diavolo! — respondeu o motorista na mesma língua, dizendo que o Ford já estava dando tudo que podia.
Depois daquele diálogo cheio de testosterona entre os dois italianos, eu desmaiei e só fui acordar algum tempo depois.
Eu estava deitada de bruços em uma cama de colchão duro e lençóis ásperos quando despertei. Sentia a minha cabeça latejar como se tivesse levado uma surra de um boxeador habilidoso e quando procurei me movimentar, senti as minhas costas arderem. O quarto onde estava era escuro e decadente. As paredes apresentavam uma tinta verde desgastada. Havia mofo nos cantos do teto e uma película de poeira na superfície dos poucos móveis dispostos sobre o chão gasto. Havia um conjunto de três gavetas ao lado da cama, um armário de duas portas — com uma delas estropiada, entreaberta — e uma cristaleira vagabunda perto da entrada.
Onde eu estou?
— Buona notte, princesa. Como está se sentindo?
A voz do italiano foi sussurrada da minha direita e ao me virar, eu o vi sentado com as pernas bem afastadas em uma poltrona com o tronco projetado para a frente. A luz do luar que entrava pela janela banhava os músculos do seu braço num tom de azul claro. A camisa estava aberta até a terceira casa dos botões. Ele tinha um peitoral incrível.
— Quanto tempo eu apaguei?
Eu ainda estava aturdida e só então percebi que estava sem a blusa, com os seios nus. Marco os encarou sem nem disfarçar antes que eu os pudesse cobrir com um dos braços.
— Quase doze horas.
— Minha blusa... O que...
— Foi necessário — apressou-se ele em explicar —, a prata estava sendo levada para a sua corrente sanguínea. Suguei o máximo que consegui e cuspi fora. O ferimento estava infeccionado. Agora você vai ficar bem. Eu cuidei de tudo.
Minha blusa estava jogada num canto da cama de casal espaçosa e desconfortável. Virei-me de costas para Marco e me vesti em seguida.
Está escuro, ele não vai ver muita coisa, pensei.
— O que aconteceu depois que saímos daquele inferno?
— O seu motorista pisou fundo e nós conseguimos escapar por um triz. Estamos num hotel barato em Craiova, perto de Bucareste. Gavril está lá embaixo montando guarda para o caso de alguém ter conseguido nos seguir. Estamos seguros por enquanto.
A missão de resgate de Costel tinha sido um fracasso total e não só tínhamos saído feridos, como não tínhamos encontrado o menor sinal do meu irmão desaparecido. A Ordem do Portal de Fogo era bem mais poderosa do que supúnhamos e a maioria dos seus membros era tão perigosa quanto Iolanda e Adon juntos.
Eu tinha arrastado dois humanos comuns para um abatedouro e tinha sido muita sorte que nenhum deles estivesse morto após aquele ataque impensado. A recuperação física daqueles homens e daquelas mulheres estava muito além do que eu esperava, o que começava a me fazer crer que talvez eles já estivessem de posse da fórmula da imortalidade.
E se eles dissecaram o meu irmão e conseguiram arrancar dele o segredo que torna os vampiros as criaturas imortais que são? Aquele pensamento me assolou o restante da noite e também a madrugada. Eu precisava encontrar Costel, nem que fosse para enterrar os seus restos mortais.
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