Capítulo 14 - A dançarina húngara

MEU CORPO AINDA estava enterrado em uma câmara mortuária no Peru enquanto a Guerra dos Balcãs agitava os países do Sudeste europeu. O conflito bélico pela posse dos territórios remanescentes do Império Otomano fez com que a Sérvia, a Grécia, a Turquia — a nação sucessora do Império Otomano — e a Romênia, lutassem umas com as outras para expandir as suas fronteiras. Quando eu retornei para a Europa, o Tratado de Bucareste havia cedido parte de Dobruja aos romenos — a outra metade tinha ficado para os búlgaros — e entre a Bessarábia e a Transilvânia, optou-se pela segunda para se manter como parte do território do país onde eu havia nascido.

Em 1916, enquanto eu vagava pela Europa atrás de vestígios de Adon e Iolanda, a Romênia se juntou à Grã-Bretanha, França, Rússia e Itália em outro conflito armado contra a Áustria e a Hungria. A Primeira Guerra Mundial fez com que o Rei Ferdinando I, o governo e o exército romeno se refugiassem na Moldávia, longe de Bucareste — a sede do governo até então — e ficasse sob a proteção do czar Nicolau II, da Rússia. Naquele mesmo ano, a derrota das potências centrais na grande guerra fez com que a Romênia anexasse a seu território não só a Transilvânia e a Bessarábia como também Bucovina e Banato, duas nações que pertenciam a outros países fronteiriços.

Dez anos após o meu retorno à Europa, o partido comunista havia sido considerado ilegal na Romênia, o governo havia suspendido a lei marcial e a censura de imprensa, o Rei Ferdinando I havia morrido e o seu sucessor, o Rei Carol, estava prestes a estreitar as relações com o grupo moldavo fascista denominado Guarda de Ferro a fim de enfraquecer os velhos governos e se aproveitar da crise econômica da Europa. Ao mesmo tempo, eu e meu irmão Costel vínhamos estudando melhores formas de empregar as nossas riquezas ainda na Transilvânia, em nosso castelo, quando uma luz surgiu ao fim do túnel com a crise europeia.

— Por que não entramos no ramo da mineração extrativista, irmãzinha?

Desde que havíamos abandonado a Rússia após o nosso infeliz encontro com Adon Gorky, fato que mudou nossos destinos completamente, os bens que havíamos adquirido como os proeminentes herdeiros Vassiliev haviam caído nas mãos de diversos aproveitadores moscovitas que, de repente, se viram com uma mina de ouro abandonada embaixo do nariz. Por meios ilegais, era possível estabelecer que tanto eu quanto Costel éramos herdeiros legítimos de Dasha e Lukyan, e através de diversas falsificações de documentos, escrituras e licitações — provando que éramos parentes de nós mesmos — conseguimos reaver boa parte da nossa fortuna avaliada em rublos.

Àquela altura dos fatos, ninguém poderia sequer imaginar que Alexia Rodchenko e Theodor Constantinescu — o nome adotado por Costel após a sua suposta morte — eram na verdade os próprios Dasha Grigorevna Vassilieva e Lukyan Grigorevich Vassiliev. Não havia qualquer registro da nossa primeira passagem pela Rússia no século anterior e os nossos documentos forjados não abriam qualquer margem de dúvida sobre quem dizíamos que éramos perante a justiça russa.

Logo que recuperamos o dinheiro dos Vassiliev, aproveitamos a bancarrota do presidente de uma antiga mineradora extrativista para adquirirmos toda a sua empresa, reabrindo alguns meses depois as suas portas agora como a Rassvet — "madrugada" em russo, em homenagem ao significado de Ruxandra, o nome da minha mãe — a nossa própria mineradora no Norte da Rússia.

Tínhamos estudado todo o processo de extração mineral utilizado pelas principais empresas mundiais do ramo e sabíamos que aquela atividade estava em franca expansão pela Europa, o que nos renderia bastante retorno financeiro pelas próximas décadas. Começamos pela extração do carvão, mas logo estávamos avançando para o níquel, o paládio e até o ouro, o que fez com que a Rassvet prosperasse muito mais do que imaginávamos num espaço curto de tempo.

Nos primeiros anos, eu e Costel — agora o rico empresário Theodor Constantinescu — acompanhávamos de perto todo o processo de mineração desde a fragmentação primária, a granulação, a moagem, a classificação e até a concentração da matéria-prima. Na segunda metade da década, tínhamos empregados o suficiente para que só precisássemos acompanhar o lucro com a venda do que era extraído da terra, deixando todo o resto para que os nossos competentes subordinados na Rússia fizessem. Enquanto isso, aproveitávamos a nossa vadiagem no castelo da Transilvânia.

Naquele período de estabilidade financeira, eu me dividi em administrar a riqueza que o velho Rodchenko havia me deixado de herança e supervisionar o que entrava de lucro com a Rassvet em um escritório adquirido próximo de Cluj. Ao mesmo tempo, o meu meio-irmão gastava a sua imortalidade com as belas cortesãs do Clube Plăcere, o principal bordel de Oradea.

O seu velho hábito de frequentar puteiros e se refestelar com moças de fino trato não tinha se acabado com o tempo, e como eu bem sabia, o seu apetite sexual continuava voraz como em sua juventude. Apesar desse Costel lembrar muito aquele que empilhava prostitutas mortas no chão da cozinha do nosso antigo serviçal Nicolai em Kainski, uma mudança profunda havia acontecido com o meu irmão naquele ano. Ele estava enamorado de uma cortesã húngara chamada Hajna.

Hajna Kovács era uma moça de vinte anos e belos olhos cor de esmeralda. Tinha seios fartos como bem Costel gostava e do alto da sua cabeça despencavam lindos cachos de fios dourados. Era de longe a principal atração dos palcos de Plăcere, onde ela se apresentava dançando czardas com um grupo de violinistas. A dança húngara de ritmo apressado era apenas uma das atrações que a loira apresentava no palco do movimentado bordel, mas os seus principais talentos eram guardados para o quarto, onde ela demonstrava todo o seu potencial lascivo na presença dos seus amantes.

O meu irmão passou a frequentar o Plăcere todas as noites, pagando com dinheiro vivo a companhia exclusiva de Hajna. Diferente da maioria das mulheres que ele havia levado para a cama ao longo da sua vida como um vampiro, aquela húngara não precisou ser hipnotizada por seus poderes. A garota também tinha se apaixonado perdidamente pelo charme misterioso de Costel, o que levou os dois a viverem um breve caso de amor nas noites de Oradea, próximo à fronteira com a Hungria.

Após a minha transformação em uma sanguessuga, eu havia me tornado um ser de pouca empatia com o ser humano, o que me fazia, na maioria das vezes, sentir quase que um desprezo por aquilo que eu mesma era antigamente ainda nos campos das videiras valaquianas. Eu me sentia oca, indiferente na maior parte do tempo, mas de vez em quando, a minha porção humana ainda tinha forças para me fazer ter sentimentos como compaixão, empatia e até amor. Eu havia sofrido com a suposta morte de Costel quando ainda estávamos na Rússia e senti também a perda do meu bom amigo Alejandro. Não era indiferente a todo o sofrimento pela qual Pietra havia passado em sua longeva vida solitária em Machu Picchu após a morte dos pais, e certamente entendia o que o meu irmão estava sentindo por Hajna. Assim como acontecia comigo às vezes, Costel estava sendo tocado por sua fração humana e algo naquela prostituta húngara havia despertado nele a paixão do qual tanto gozávamos quando éramos apenas os dois irmãos Grigorescu. Eu não tinha como condená-lo e até o invejava.

No outono de 1928, eu senti que a história estava se repetindo quando mais uma vez Costel desapareceu após visitar um bordel. Desde que havia conhecido Hajna, era comum que ele se deitasse com ela nos quartos do Plăcere durante a noite e retornasse para o nosso castelo perto do nascer do sol para dormir em seu caixão de mármore carrara. Naquela madrugada, no entanto, ele não tinha retornado, o que me fez sentir uma pontada de preocupação quando notei a sua ausência no início da noite posterior logo que despertei do meu sono. Sem esperar muito, me dirigi até o bordel de sua amante e procurei por ela. Madame Ilka, a dona do estabelecimento, me informou que a húngara tinha saído na madrugada anterior em companhia de um dos frequentadores assíduos do Plăcere e que não havia retornado desde então.

— Não é do feitio das minhas garotas se evadirem do Clube por muito tempo. Ainda mais na companhia de um cliente tão importante quanto Theodor Constantinescu.

Após o diálogo com Madame Ilka, a rotunda proprietária do Plăcere, decidi montar guarda no telhado de um prédio de dois andares em frente ao puteiro e até que os primeiros raios de sol começassem a surgir no horizonte, não vi qualquer sinal de Costel ou de Hajna.

Não é possível que vou passar por tudo isso de novo! pensei, me recordando da noite em que traiçoeiramente Adon havia atingido o meu irmão quase que mortalmente para tirá-lo definitivamente do seu caminho.

Três dias após o sumiço do meu irmão, comecei a imaginar o pior e fui obrigada a persuadir com violência uma das companheiras de trabalho de Hajna enquanto ela copulava na cama com um cliente de ralos cabelos pretos em sua cabeça arredondada.

— Um endereço. Eu preciso de um endereço — eu estava estrangulando a garota magricela de fartos cabelos crespos ainda nua à minha frente. Erguida no alto por minha força extraordinária, ela se debatia desesperada — Antes de trabalhar aqui, Hajna devia morar em algum lugar. Me diga o endereço.

O homem que exibia uma gordura abdominal indecente fez menção de sair correndo pela porta ao ver as minhas presas saltarem ameaçadoras na boca e fui obrigada a coibir a sua fuga atingindo-o com um soco que o fez cair desacordado no chão ainda nu. Os grunhidos da moça já eram suficientemente estridentes para chamar a atenção das demais funcionárias do bordel, mas eu continuei pressionando a sua laringe.

— Um endereço. Me diga um endereço ou eu acabo com você agora mesmo!

Os olhos vidrados da garota horrorizada começaram a verter lágrimas e eu nem precisei deixá-la falar para obter aquilo que eu desejava. Os seus pensamentos eram altos e claros para mim e enquanto ela resmungava, quase totalmente sem ar, descobri onde Hajna morava antes de se tornar uma das meninas da Madame Ilka.

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